Praticamente não há um só dia em que não se registrem acidentes nas estradas brasileiras envolvendo um caminhão, seja provocado pelo próprio motorista ou por interferência de outros veículos. O mais assustador é que a maioria das colisões ou outros tipos de acidentes com caminhões dificilmente são ocorrências leves. Quase sempre são graves e resultam em milhares de feridos e mortes.
De outro lado, nos Estados Unidos, os potentes caminhões americanos se transformaram em armas mortais nas estradas daquele país. Pela quantidade e pela resistência em equipá-los com proteções nas carrocerias, de modo a evitar colisões geralmente fatais. Este artigo conta essa duas histórias que, ao fim e ao cabo, acabam colaborando para transformar o trânsito dos dois países numa verdadeira ameaça à vida e à saúde dos motoristas.
O número de caminhões no Brasil representa atualmente em torno de 5% da frota nacional. No entanto, até abril, levantamento nas rodovias federais mostra que quase metade (46%) das mortes registradas em acidentes envolvem caminhões ou carretas. De acordo com o levantamento da Polícia Rodoviária Federal, cerca de um de cada quatro acidentes deste ano nas estradas federais foram com esses veículos de carga pesada. Foram 1.211 vítimas com ferimentos graves nesses acidentes. 631 pessoas morreram, número maior do que no mesmo período do ano passado, quando foram registradas 624 mortes.
E pior. Essa é uma estatística que se repete ano a ano. Em 2021, segundo a PRF, 47% das mortes ocorridas em rodovias federais, resultaram de acidentes envolvendo esse tipo de veículo. A maioria das mortes por acidentes com caminhões decorre de ultrapassagens mal sucedidas. Ainda conforme os dados, se considerados os acidentes que resultaram em óbitos, destaca-se que a colisão frontal corresponde a 36,93% do total. Seguido de colisão traseira, atropelamento de pedestre e tombamento. Segundo dados do Anuário da PRF, 853 ocupantes de caminhão morreram em acidentes (sinistros) nas rodovias federais em 2021. Já nos acidentes com caminhões em geral, envolvendo inclusive outros veículos, morreram 2.521 pessoas.
Acidentes com Veículos de Carga
Excesso de jornada de trabalho, uso de drogas, pressão para andar em excesso de velocidade, condições precárias de descanso, valor de frete baixo, são alguns dos fatores que contribuem para os sinistros envolvendo caminhões nas rodovias brasileiras. Por qualquer ângulo que os dados sejam analisados, não há como fugir de uma realidade: os caminhões são os grande carrascos das estradas brasileiras.
Vale lembrar que os acidentes não se restringem às estradas. No perímetro urbano, os caminhões também aparecem com um elevado índice de sinistros graves. Atribuídos à imprudência, às más condições dos veículos, excesso de velocidade em áreas urbanas e até à falta de manutenção dos veículos.
Estradas, cansaço e horário apertado
Grandes distâncias e horários apertados levam o motorista a dirigir com sono, fadiga e fome, gerando perda de reflexos e comprometendo a segurança. Essa é uma característica presente na maioria dos acidentes nas estradas, principalmente à noite. O caminhão é uma ameaça constante aos demais motoristas.
Caminhões pesados demais acabam perdendo eficiência, principalmente em curvas e ultrapassagens. Isso acontece porque o motor será elevado além do seu limite e a suspensão será desgastada mais rapidamente. Se houver água na estrada, aumentam as chances de derrapagens e de perda de controle do veículo.
Em 2022, não foi diferente. Segundo a PRF, somente nas rodovias federais foram registrados 64.547 acidentes, sendo 17.278 envolvendo veículos de carga. O total de mortos nesses acidentes foi de 5.439 pessoas, sendo 545 diretamente envolvendo veículos pesados, como caminhões. Dados levemente inferiores ao ano anterior. O número de feridos nessas rodovias federais foi de 72.971 sendo 6.252 em acidentes com caminhões. Os motoristas e autoridades de trânsito concordam que diariamente há diversos tipos de riscos nas rodovias, e que os caminhoneiros, além de serem uma das categorias que mais provocam acidentes graves, são os profissionais que mais morrem em acidentes de trabalho no Brasil. São agentes e vítimas dessa carnificina.
Para Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas “São números assustadores que mostram o grau de exploração dos profissionais da estrada e a falta de cuidado dos demais condutores quando estão trafegando onde circulam caminhões, principalmente na chegada ou saída de grandes centros urbanos. Existem os sinistros por fadiga e abuso dos caminhoneiros, mas muitas ocorrências são fruto da imperícia e imprudência dos motoristas de veículos leves. Entretanto, tudo começa numa concorrência desleal que leva até mesmo ao uso de drogas.”
Pressionados pelos patrões ou pela necessidade de aumentar a renda, muitos motoristas se arriscam em jornadas duplas, sem dormir, por estradas muito movimentadas ou em más condições de manutenção. Essa corrida dos caminhoneiros acaba sendo uma ameaça à vida deles e também à dos demais motoristas.
Foras da lei
A circulação à margem da lei e das normas do trânsito pelos caminhoneiros beira a irresponsabilidade também. A ponto de fazerem um “upgrade” nos caminhões, levantando a traseira do veículo, o chamado caminhão arqueado, alteração essa considerada ilegal. Resultado: uma batida na traseira de um caminhão desses quase sempre será fatal, porque os demais veículos, mais baixos, numa colisão, certamente entrarão sob o caminhão, colocando em risco a vida de todos os ocupantes, inclusive os passageiros do banco de trás. Segundo as autoridades de trânsito, essa moda traz riscos enormes para a segurança. Para a PRF, essa modificação vai interferir na dinâmica, na segurança e estabilidade do veículo, colocando os demais motoristas sob alto risco de lesões graves e mortes.
Os perigosos caminhões americanos
Os potentes caminhões americanos se transformaram em armas mortais nas estradas daquele país. Esse tema foi objeto de um impactante documentário da Frontline, produzido para a Public Broadcasting Service (PBS), canal público de televisão americano. O documentário foi lançado em junho último e merece ser assistido, principalmente por quem lida com transporte, regulamentação e segurança nas estradas.
America’s Dangerous Trucks aborda a quantidade de mortes nas estradas americanas causadas pela falta de para-choques laterais naqueles enormes caminhões com 18 rodas, em média, mas que nos caminhões-reboque podem chegar a 36 rodas. E ainda pela fragilidade dos para-choques traseiros, que não suportam o impacto de uma batida de um automóvel ou qualquer veículo pequeno, causando milhares de mortes nas estradas, ao possibilitar, principalmente carros de menor porte, se chocarem, geralmente com violência, embaixo das carrocerias.
Vale a pena assistir a esse documentário para entender por que num país avançado em tantos outros campos, como os Estados Unidos, o lobby dos poderosos sindicatos de caminhoneiros, aliado à inoperância ou leniência da NHTSA - National Highway Traffic Safety Administration e outros órgãos federais de regulamentação, continua resistindo a equipar os caminhões com mais proteção contra os graves acidentes. O documentário colheu depoimentos de vítimas que perderam entes queridos nesses acidentes e de especialistas que explicam por que, apesar dos graves acidentes, essa providência não vai pra frente.
O objeto do documentário é por que, apesar dos números assustadores de mortes sob as carrocerias dos caminhões, até hoje não foi aprovada pelos órgãos reguladores o reforço no material utilizado nos para-choques traseiros (eles não resistem a um choque de veículos, mesmo leves) e a instalação de para-choques laterais. Acidentes com caminhões nos EUA causam, em média, 5 mil mortes por ano e deixam 150 mil feridos. Uma verdadeira tragédia, que poderia ser amenizada.
“As fábricas de trailers, reboques e carrocerias, além da administração, estão no modo de desregulamentação. Essa lentidão da agência reguladora deixa milhões de caminhões nas estradas prontos para matar. As pessoas morrem desnecessariamente”, dizem as fontes consultadas pelo repórter. Uma mãe que perdeu os dois filhos, apesar de estarem no banco de trás do carro, atribui esse descaso ao poderoso lobby da indústria dos caminhões e à leniência das autoridades e órgãos de fiscalização em mudar a lei. Dados são forjados nas estatísticas para subnotificar o que realmente acontece nas estradas. Ou seja, no registro oficial dos dados oficiais, muitos acidentes com mortos e feridos não constam enquadrados como “choque com traseira de caminhão” (underride crashes). A causa verdadeira é sonegada. São dados forjados.
A reportagem da PBS apurou que revendo 27 acidentes com caminhões nos EUA, nos últimos anos, somente três deles foram registrados como ‘batida no para-choques traseiro’, no sistema de dados da NHTSA, sugerindo que as estatísticas são manipuladas, para evitar uma pressão sobre o sindicato dos caminhoneiros e sobre os órgãos reguladores. Especialistas ouvidos pelo repórter dizem que os acidentes não são lançados corretamente na base de dados federal. Além disso, qualquer movimento para alterar o material de que são fabricados os para-choques traseiros não prospera, indicando que o lobby funciona em várias instâncias do estamento de transporte rodoviário americano.
Dos 50 estados americanos, somente 17 têm um programa que funciona para reportarem acidentes com caminhões. Sendo este um dos problemas que o setor enfrenta. Subnotificação da quantidade e da gravidade dos acidentes. O repórter, acompanhado de um especialista em acidentes, cotejou o relatório de um acidente gravíssimo, com uma camionete Toyota, que teve a frente completamente destruída pelo para-choque de um caminhão. Esse acidente não constava do relatório da NHTSA. Este é apenas um dos exemplos, pinçado de milhares de acidentes anuais.
Motoristas precisarão de exame toxicológico
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) definiu a data limite de 28 dezembro de 2023 para os condutores de caminhão, ônibus e vans realizarem o exame toxicológico periódico. A determinação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 30 de junho de 2023. O exame descobre o consumo de substâncias psicoativas que, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção. O resultado positivo acarreta na suspensão do direito de dirigir pelo período de três meses. Essa ação é muito importante para pelo menos amenizar a quantidade de acidentes envolvendo caminhões nas estradas brasileiras.
Dicas de Prevenção
De acordo com os tipos de acidentes com caminhões que mais ocorreram nas rodovias federais, a PRF destaca algumas dicas de segurança para a prevenção de ocorrências envolvendo veículos pesados. Veja quais são elas.
Ultrapassagem: Os veículos pesados são mais lentos, portanto, o condutor deve calcular com mais atenção a sua manobra de ultrapassagem, para evitar um resultado fatal.
Velocidade: Os veículos pesados precisam sempre observar a velocidade máxima prevista para a via, pois além de precisarem de mais espaço para completar sua frenagem, ainda correm o risco de tombamento em curva e sair de pista caso perca o controle do veículo.
Tempo de direção e descanso: O motorista deve observar os intervalos de descanso previstos na resolução 525 do Contran, principalmente as 11 horas de descanso dentro de 24h, sendo pelo menos 8h ininterruptas.
Excesso de peso: Os veículos com excesso de peso, além de causarem mais danos ao pavimento, ainda deterioram a parte mecânica do veículo. Além disso, aumentam ainda mais a zona de frenagem até a parada total.
Amarração de cargas: Transportar carga mal acondicionada, solta, ou derramando sobre a via representa um grande risco aos outros veículos, que podem ser atingidos por esses objetos.
Gráfico: PRF/O Globo.
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