Bob Dudley, o CEO que assumiu o comando da petroleira britânica British Petroleum (BP), em julho de 2010, está deixando o cargo. Ele assumiu três meses após a empresa haver mergulhado na maior crise de sua história: o vazamento de 800 milhões de litros de petróleo no Golfo do México, que resultou da explosão de uma plataforma de petróleo em alto mar, com 11 vítimas fatais. Quando ele assumiu sob o olhar cético de muitos analistas, sabia a “bomba” que estaria administrando. Sai agora da BP, em meio ao processo de pós-crise administrado pela empresa.
O jornal The Times, de Londres, fez uma densa reportagem, assinada pelo editor de energia, Emily Gosden, sobre os dez anos do executivo à frente da BP. Exatamente o período do pós-crise. Na ocasião, a descrição do trabalho dificilmente poderia ter sido pior. "Você está assumindo uma empresa cuja marca, preço das ações e balanço patrimonial foram prejudicados", disse um entrevistador americano a Bob Dudley, horas depois de ter sido nomeado CEO, em 2010. De se lembrar que a plataforma da BP vazou petróleo no Golfo do México, a 1.500 m de profundidade, de 20 de abril a 5 de agosto de 2010. Foram 87 dias despejando, a cada dia, cerca de 100 mil litros de petróleo no fundo do mar.
“Tony Hayward acabara de se demitir com desprezo por lidar com o desastre da Deepwater Horizon, a plataforma que explodiu, que havia matado 11 homens e jogado milhões de barris de petróleo no Golfo do México, e Dudley recebeu o que parecia um cálice envenenado", diz o The Times. O ex-CEO, Hayward, mergulhou na crise em 2010 e cometeu várias gafes, uma delas, após 15 dias do vazamento, quando pássaros e peixes apareciam cobertos de petróleo nas telas da TV de todo o mundo, ele declarou que estava cansado e queria ir para casa (no Reino Unido). Foi o suficiente para receber um tiroteio do governo americano, dos governadores, acionistas e pescadores, nas redes sociais e na Internet.
"Você está enfrentando mais de 300 ações judiciais nos Estados Unidos, o poço não foi selado e ainda precisa pagar por um dos trabalhos de limpeza mais difíceis da história", disse um jornalista para Dudley, em 2010. Ele contra-argumentou, dizendo "Não há dúvida de que mudaremos como empresa. Acho que vamos sair mais fortes."
“Quase uma década depois, Dudley, 64 anos, se retira na semana que vem (se afastou em meados de fevereiro), com elogios de colegas do setor, que o enaltecem por salvar a BP e cumprir essas promessas. No entanto, ele também deixa um clamor de protestos daqueles que dizem que a BP não mudou o suficiente em resposta a outra crise existencial mais profunda: a mudança climática.” Ele teria mais crédito do que dúvidas, porque conseguiu sobreviver e fazer um pós-crise sem prejudicar a petroleira”, diz o The Times.
Os admiradores de Dudley têm muito a destacar em seu apoio. "Bob assumiu um dos trabalhos mais difíceis do planeta quando ocupou o cargo de CEO", disse Jason Gammel, analista do banco de investimento americano Jefferies. Ele supervisionou um período de extrema angústia financeira, vendeu U$ 60 bilhões em ativos e colocou a empresa na posição de que ela poderia lidar com os passivos que surgiram de Macondo, o poço que a plataforma Deepwater Horizon (que explodiu) estava perfurando, e poderia realmente crescer de novo."
A fatura da BP para o desastre chega a quase US$ 68 bilhões, incluindo acordos de compensação e penalidade que foram discutidos por anos, em disputas legais. Esse passivo não acabou. É mais ou menos conta semelhante que a brasileira Vale está enfrentando e irá enfrentar nos próximos anos, após a tragédia de Brumadinho.
Segundo o jornal britânico, apesar da resistência de alguns segmentos do negócio do petróleo, Dudley recebeu mais elogios do que críticas ao anunciar a saída. “Ele jogou a mão extremamente bem; provou ser um grande investimento para a BP ", disse Laidlaw, acrescentando que, durante os trabalhos da BP nos Estados Unidos e na Rússia, Dudley não demonstrou" sinais de pânico. Ele sempre foi extremamente calmo.
Uma das conselhos para os gestores que enfrentam uma crise corporativa, por pior que seja, é não entrar em pânico na hora da crise. A calma e a humildade são qualidades essenciais para o bom gerenciamento.
"Como líder de negócios, ele é muito admirado, mas também como colega, é muito respeitado por sua integridade. Ele é sempre incrivelmente justo e acessível, e muito aberto, honesto e fácil de lidar", diz o articulista.
“Dudley conduziu a BP durante a queda dos preços do petróleo de 2014-16, sofrendo uma revolta dos acionistas por causa de pagamentos no processo e definiu o que o analista do banco Jeffreries chamou de "algumas metas financeiras bastante difíceis", que a BP parece estar a caminho de cumprir . "No geral, ele fez um trabalho fantástico", disse Jason Gammel, um dos 18 analistas em 24 que cobrem a BP para classificar suas ações como uma 'compra' boa.”
Compensações
As crises que redundam em agressão grave ao meio ambiente, como foi a da explosão e do vazamento na plataforma de petróleo da BP, atingindo também civis, pescadores, a fauna e a flora, são bastante interessantes para se retomar o discurso dos grandes acidentes, a maioria deles jamais imaginado pelas corporações. Basta dizer que o pior cenário que a BP usava nos treinamentos simulados, para um acidente na plataforma, considerava 10% do que aconteceu no Golfo do México. Ou seja, a empresa estava despreparada para uma crise daquela monta. Por isso, acabou virando piada nas redes sociais, ainda incipientes na época, com “memes” sobre a explosão da plataforma, seguida de todas as crises paralelas.
O passivo da BP nesses dez anos é incalculável. Há dez anos a empresa continua pagando salários para pescadores prejudicados com a poluição do Golfo. Muitos abandonaram a profissão. A empresa, após o primeiro baque financeiro, se reergueu e começou a pagar dividendos. Isso só foi possível porque era uma gigante do petróleo. Certamente, pela reputação que tinha construído antes da crise e, também, pela gestão de Dudley, que pegou um verdadeiro rabo de foguete há 10 anos e está entregando uma empresa que é reconhecida por estar fazendo uma boa pós-crise.
Que lições a BP extraiu da tragédia? “O acidente mostrou quanto precisamos ainda avançar em nossas políticas de prevenção de acidentes. O desastre estabeleceu um novo marco para toda a indústria de petróleo”, disse o CEO Bob Dudley, em 2011.
Pode ser um bom exemplo, agora, nesta fase, para empresas que estão enfrentando o pós-crise, como Vale, BHP Billiton, Samarco, Boeing, Nissan, Toshiba, Backer, Ethiopian Airlines, Lion Air, Flamengo e tantas outras.
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Horizonte Profundo - Desastre no Golfo (Filme disponível na Netflix, sobre a explosão da Plataforma Deepwater Horizon, da Transocean).