Rosângela Florczak*
Não faltam, no cotidiano dos profissionais que trabalham com comunicação e gestão de crise, exemplos de situações que carregam em si uma boa dose de absurdo. Os consultores e assessores são contratados para dar as melhores recomendações, montar estratégias coerentes e executá-las com rigor técnico diante das ameaças à reputação de marcas, empresas ou personalidades públicas – sejam elas jogadores de futebol, artistas ou políticos. Acontece, em um grande número de ocasiões, que quem os contratou não se deixa assessorar.
É muito comum no cotidiano corporativo que os gestores e/ou pessoas públicas incorram em algum dos quatro erros que listo a seguir. Quando não esbarram em vários deles ao mesmo tempo.
O presidente Bolsonaro tem sido pródigo nesses quatro equívocos. Mas mais do que analisar as atitudes do governante brasileiro, a intenção aqui é provocar reflexões nos gestores. Bolsonaro nesse artigo é uma metáfora do que encontramos no dia a dia das organizações brasileiras. Muitas delas, empresas com políticas impecáveis de comunicação e gestão de crise, mas que por vaidade ou equívoco enfrentam situações agravadas pela imprudência de seus gestores.
Os quatro erros mais comuns de gestores e pessoas públicas que não se deixam assessorar:
1. Autossuficiência – Pela segurança que conquistaram ao longo de uma trajetória de sucesso, gestores e pessoas públicas sentem-se autossuficientes para agir de acordo com a intuição que, justiça seja feita, por muitas vezes esteve ao lado deles. Ignoram as recomendações e preferem se calar ou falam demais. Bolsonaro em sua trajetória política recente saiu de um traço nas pesquisas para uma vitória impactante nas urnas, ou seja, assume com a vaidosa segurança de uma estratégica vencedora. Por que haveria de escutar profissionais especializados se ele se considera uma sumidade em mobilizar e convencer multidões?
2. Conselhos de pessoas próximas – Nas situações de crise, uma das piores atitudes é ignorar a recomendação do especialista e seguir quem nada entende do “riscado”, mas tem vínculo de parentesco, amizade ou goza de confiança irrestrita do gestor ou pessoa pública. Bolsonaro desde o início de sua campanha prioriza a orientação dos filhos e de pessoas de suas relações pessoais e acaba boicotando os próprios profissionais que escolheu. É o caso do porta-voz, General Otávio do Rêgo Barros, que tem vivido situações públicas constrangedoras sendo desmentido pelo Presidente e tendo suas estratégias de relacionamento questionadas por pessoas que cercam o presidente. Recentemente, também, o jogador Neymar Jr. se viu em meio a uma crise por ter confiado a seu pai o papel de estrategista em um episódio que poderia ter sido bem melhor gerenciado.
3. Solução milagrosa e rápida – Na história recente do Brasil, empresas protagonizaram a busca do milagre para superar os ataques reputacionais buscando “celebridades” da comunicação para resolver seus problemas. Foi o caso do ex- CEO da Vale que chamou às pressas o publicitário Nizan Guanaes após o acidente de Brumadinho para aplacar os danos causados pelo acidente. É sabido que apesar de profissional brilhante, ele não atua em gestão de crises. A presença do publicitário de confiança de Flávio Schvartsman não mudou em nada o quadro catastrófico e Flávio acabou sendo afastado do cargo. Bolsonaro também tem feito isso. Ele muda o guru de acordo com as circunstâncias. Intercala entre os filhos, familiares e aliados políticos, acolhendo, invariavelmente, as ideias semelhantes às suas e não as recomendações muitas vezes exigentes e desconfortáveis.
4. Gestor/Político de uma estratégia só – Se em uma circunstância de crise o gestor teve êxito com uma determinada prática, ele passa a se apoiar nesse recurso para todas as situações. Se o silêncio diante do evento crítico ou o enfrentamento funcionaram em uma circunstância, não significa que funcionarão sempre. A atitude agressiva e até violenta do presidente resultou em êxito ao longo da campanha, mas agora, como governante, tem resultado apenas em fiascos internacionais, perda de aliados e de eleitores. Ao menos os mais equilibrados que querem ver o Brasil melhorar e não o circo pegar fogo.
Competências comunicacionais deveriam ser disciplina obrigatória na formação de gestores e de pessoas públicas. Qualquer atuação profissional ou social depende hoje da relação que se estabelece com os diversos interlocutores na sociedade nesse ambiente midiático complexo e desafiador. Infelizmente, a comunicação foi relegada a um plano inferior e ainda está distante de conquistar espaços nobres na qualificação de gestores. Em muitos casos, é vista como o “problema” de um determinado setor.
Pois bem, quanto menor a preparação do político ou gestor, maior deve ser o espaço de escuta aos consultores e assessores da área. Admitir a ajuda, acolher as recomendações e executar a estratégia definida são passos fundamentais para um diálogo público assertivo nos momentos mais difíceis.
É assim que se espanta a sensação de injustiça que assombra os gestores ou pessoas públicas envolvidas em situações difíceis de ser explicadas. Os maus resultados não são consequências da má intenção da imprensa ou de outros grupos de interlocutores. São, sim, produtos do mau desempenho de quem fecha os ouvidos para as orientações dos profissionais que estão aí para ajudar.
*Consultora e professora em Estratégias de Prevenção e Gestão de Crises; Doutora e Mestre em Comunicação pela (PUC-RS).