Twitter BolsonaroGovernar pelas redes sociais não mostrou ainda ser uma solução, como forma de fugir da mídia tradicional. Queira ou não, o governante deve prestar contas permanentes de sua atuação à opinião pública e à sociedade. Não há como fugir ao escrutínio da mídia. Pode brigar, espernear, chamar a mídia de mentirosa, transformar qualquer acusação ou suspeita em “fake news”. Nada disso o livrará da contínua vigilância dos meios de comunicação. A rede social funciona como mais um meio de comunicação. Serve até de álibi para evitar os jornalistas e fugir da polêmica. O jornalismo ainda se realiza na mídia tradicional e não nos blogs. As redes fazem barulho, mas não substituem os meios tradicionais. 

Trump tenta, aos trancos e barrancos, governar pelo Twitter. Acaba criando uma crise atrás da outra, despendendo mais tempo para se justificar do que para governar. O risco é termos um trumpismo na comunicação do governo brasileiro, se o presidente Bolsonaro não se convencer de que governar não é tuitar. O Twitter é apenas um meio moderno, instantâneo, para adiantar alguma mensagem-chave, que depois será melhor explicada. Não a solução para os problemas de comunicação de um governo. 

A rede social de Jânio

No século XX, pelo menos três presidentes, Getúlio Vargas, Jânio Quadros e até Juscelino Kubitschek sabiam se comunicar muito bem. Usavam o rádio e o coreto nas praças públicas para dar o recado que o povo gostava de ouvir. Mesmo na era da TV, eles sabiam que para chegar ao interior, deveriam usar veículos populares de comunicação, se não, o contato corpo a corpo. Jânio e Juscelino sabiam usar o rádio e as praças como ninguém, em qualquer evento de que participavam. Onde paravam, a multidão acompanhava o que diziam. Jânio transformou o trem na sua Rede Social, durante a campanha para a presidência na década de 1960, visitando todo o país, de estação em estação. 

Estamos no século XXI e o presidente do Brasil – a exemplo de Donald Trump, nos EUA – escolheu uma rede nem tão popular assim para se comunicar com o público. A primeiro pergunta que deve ser feita é, com quem ele se comunica pelo Twitter? O Brasil é o 3º país em número de usuários do Twitter (40 milhões). Ou seja apenas 20% da população sabem que o Twitter existe, embora não necessariamente sejam usuários ativos da Rede. A maioria dos brasileiros, portanto, está fora do Twitter. Outra pergunta é se o Twitter é a forma mais adequada de um governante se comunicar? A resposta é não.

"O foco de Bolsonaro naquele tuíte realmente não foi o Carnaval, mas, como sempre, a afirmação de uma visão conservadora da vida. O assunto é uma metáfora do grotesco. Que não devia ter despertado tanta atenção", diz o jornalista e doutor em filosofia, Francisco Viana. 

Se Bolsonaro fosse um CEO de uma empresa, um post dessa octanagem certamente lhe custaria o cargo. No perfil do presidente, vira polêmica, não faltando gente, principalmente seguidores do presidente nas redes sociais, que consideram correta a atitude dele em ir para uma rede expor um vídeo pornográfico, apenas para dizer (e pedir opinião) de que aquela é a face permissiva de um certo Carnaval, que ele condena. Ou do Brasil. E que é preciso refletir sobre isso. Além do estrago na imagem do País no exterior, pelo fato de a fonte ser o presidente da República e ter exposto uma face permissiva do Carnaval, que sempre existiu, pelo pouco que trouxe de contribuição para melhorar os “costumes” dos foliões, a postagem por si só se torna inócua. Como dizem os gaúchos, o presidente - ao entrar nessa seara - “gastou pólvora em chimango”. 

Escolha errada

Bolsonaro live facebookPresidente da República não precisa expor pornografia na rede social para opinar sobre o Carnaval ou sobre o Brasil que na visão dele seria errático. As verdadeiras mazelas brasileiras são expostas com toda a crueza pela mídia, todos os dias. Ainda nesta quinta-feira (7), o Jornal Nacional da Rede Globo mostrou bebês recém nascidos, internados no hospital, e deitados nos bancos dos corredores, no Hospital Materno Infantil, de Goiânia, sujeitos à sujeira e à contaminação. Se a estratégia do presidente seria divulgar um fato polêmico, para ser discutido nos feriados, a estratégia e o fato foram equivocados. Porque o número de menções negativas, após o Twitter, foi duas  vezes maior do que os que apoiavam a atitude do presidente. 

A mídia não perdoa. Os movimentos do presidente sempre estarão na mira. Se não, vejamos alguns comentários editoriais. “O que fica de tudo isso – além dos fundos arranhões na imagem presidencial – é que Bolsonaro precisa descer de vez do palanque, arregaçar as mangas e trabalhar com afinco para executar o que prometeu na campanha”. (O Globo). “Chega a ser comovente o esforço de comentaristas para encontrar nas destrambelhadas manifestações do presidente Jair Bolsonaro algum sentido estratégico, como se fizessem parte de um plano racional de comunicação”. (O Estado de S. Paulo). 

Imitar Trump representa um risco

Se a estratégia do presidente é imitar Donald Trump, nem para este, até agora, parece estar dando certo. Trump vai trombando a cada dia com a mídia, os grandes conglomerados, a oposição democrata, imigrantes, como um destrambelhado trem que transita pelos trilhos prestes a descarrilar. Vários assessores se viram no constrangimento de depor, expondo os atos pouco republicanos de Trump na campanha presidencial. 

“O uso da mídia social pelo presidente Trump tem sido criticado por ser destrutivo para suas metas e objetivos políticos declarados e confuso para seus aliados políticos em casa e no exterior. A maior parte desse comentário apareceu nas principais redes de transmissão e TV a cabo, bem como nas principais agências e páginas online de mídia impressa, como o The New York Times.” Essa conclusão é do Reitor Maurice Hall*, em artigo publicado no site Inside Higher ED, onde ele analisa o comportamento de Trump nas redes sociais

“Essencialmente, o argumento tem sido que o presidente deveria parar de twittar e relegar a si mesmo o uso das saídas esperadas para a comunicação presidencial - sua assessoria de imprensa, meios de comunicação tradicionais cuidadosamente selecionados e escritores/historiadores que construirão narrativas mais ortodoxas e de múltiplas camadas de sua presidência e sua tomada de decisão.

“Trump tem quebrado todos os protocolos de comunicação da Casa Branca. Pelo seu destempero, ojeriza pela mídia e desrespeito ao que a opinião pública pensa, ele vai muito rapidamente do deboche ao ataque. Aliás, a forma afetada com que fala, a própria linguagem corporal dele são extremamente soberbos e arrogantes. Lembra aquele amigo “dono da verdade”: sabe tudo e só ele tem razão. 

“Segundo Maurice Hall, “Trump pode ser examinado de forma produtiva através das lentes do que passamos a entender sobre a comunicação eficaz do líder sobre a mídia nos últimos 50 anos ou mais. Trump fará com que os acadêmicos em comunicação e gestão e alguns antropólogos, entre os de outras disciplinas acadêmicas, repensem nossa compreensão da comunicação do líder.

Ainda segundo Maurice Hall, “Trump virou esse conceito de cabeça para baixo. Sua ascensão à influência e poder derivou de sua capacidade de usar linguagem e fraseado altamente polarizadores para definir sua perspectiva de mundo para seus seguidores. Trump rejeitou nosso entendimento de liderança como próspero em apoio popular e, em vez disso, exemplificou um tipo de liderança que está ancorada em uma base de apoio muito estreita, mas intensamente apaixonada e um modelo de governo que usa políticas principalmente para recompensar a lealdade em seus seguidores. Sua comunicação pública como líder tem sido frequentemente recebida como divisora ​​e destrutiva para qualquer visão de uma sociedade pluralista e multicultural.”

Twitter é apenas uma rede social

Por que a mensagem do presidente fazendo alusão a um vídeo com pornografia foi condenado pela maioria? “A repercussão causou desconforto no núcleo central do governo. A polêmica publicação do presidente gerou críticas entre opositores e mesmo entre os apoiadores, nas redes sociais”, segundo o jornal “O Estado de S, Paulo". Ao final do dia (6), o Palácio do Planalto precisou divulgar uma Nota Oficial para explicar o que o presidente quis dizer com uma mensagem que talvez nem ele mesmo tenha pensado nas consequências, antes de publicar. Pesquisa da Presidência apontou que no dia em que circulou o famoso anúncio, 69% das mensagens apuradas eram negativas para o vídeo. 

O Twitter é um instrumento poderoso para jornalistas, professores e políticos, até porque os recados são curtos, cirúrgicos e objetivos. Os posts podem ser consumidos em poucos minutos, atualizando-se online, para acompanhar as fontes que a pessoa segue. Rapidamente, é possível rolar a tela e manter-se atualizado sobre o que acontece no mundo. Como rede social para recados diretos e atualizações constantes funciona muito bem. O risco é a fonte se empolgar com o espaço de 140 caracteres e, mesmo num espaço limitado, escrever besteira. “Temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades”, tuitou o presidente com as imagens que provocaram a polêmica. Que prioridades? Um presidente não precisa sair por aí publicando todas as mazelas do País nas redes sociais. Melhor seria, então, mostrar postos de saúde improvisados, com pacientes no corredor; escolas de lata, que se transformam em micro-ondas no calor, torrando os alunos; crianças consumindo crack, nas capitais, embaixo de viadutos. Enfim, há mazelas “mais importantes” no país para serem expostas nas redes sociais, com a opinião do presidente, de como vai trabalhar para resolvê-las. Talvez isso funcionasse. Entrar em polêmicas que sempre trazem na bagagem um viés ideológico não parece ser a melhor prática a ser seguida. 

Segundo o jornal "O Estado de S Paulo”, no “Palácio do Planalto o episódio foi considerado um “constrangimento imensurável”, conforme um dos militares no governo. O clima de desconforto só foi atenuado no fim do dia, quando nova parcial de análise mostrou que o percentual crítico ao tuíte caiu para menos da metade”. 

Não há atenuante para essa divulgação. Por mais que a equipe do Planalto tente botar panos quentes, após declarações atabalhoadas do presidente. O lamentável é que a postagem mostra também a fragilidade dos “filtros” (assessores) do presidente, se realmente eles existem e funcionam. Assessores com experiência em relações com a imprensa, RP, ou relações governamentais jamais concordariam com essa postagem como estratégia de comunicação. Ah, mas ele quis realmente gerar essa polêmica para que não ficassem discutindo a reforma da previdência, dizem alguns analistas. Para outros, essa exposição pode constituir “quebra de decoro social”, até porque um presidente tem uma audiência cativa e se pronunciou numa rede aberta, inclusive a menores. 

A liturgia do cargo

Outro ponto que merece reflexão. Estamos falando do mais alto cargo do país. Talvez Bolsonaro ainda não tenha a dimensão de que um Twitter do presidente não é a mesma coisa do que o de um deputado, ou candidato a presidente, onde eram permitidas certas liberdades retóricas, obviedades e até palavrão que, agora, não se coadunam com o cargo que ocupa.

Além disso, exercer a presidência da República tem algo especial que Bolsonaro deveria seguir: a liturgia do cargo. Ele não é um brasileiro qualquer, por mais que tente posar de homem simples, que come pão com leite condensado; que usa camisa pirata do Palmeiras e sandálias para receber autoridades. A distância entre ser uma pessoa simples, despojada e o provincianismo e a vulgaridade é muito pequena. Um presidente pode ser simples, como Abraham Lincoln, Juscelino Kubitschek, Luiz Inácio Lula da Silva, mas não pode abrir mão da “liturgia do cargo”. Lincoln, Getúlio e Juscelino eram, acima de tudo, estadistas. Nem todos conseguem ser.

Juscelino e Getúlio, apenas para citar dois exemplos, levavam muito a sério a liturgia do cargo. Getúlio, mais refinado. JK, mais popular. As imagens que perpetuam os dois mais populares presidentes da história do país (Lula também se autoproclama, mas há controvérsias) os mostram de terno, bem vestidos, rosto alegre, abanando, próximos do povo. Não constam fotos nem de Getúlio, nem de Juscelino, sem camisa, short ou coisa parecida. Este, nem mesmo na inclemente aridez do cerrado, quando Brasília era construída, se dava alguma liberdade no vestuário. 

No exterior, principalmente entre presidentes americanos, isso é quase um mantra: além de Abraham Lincoln, presidentes mais recentes, como Ronald Regan, Barack Obama, George Bush e Bill Clinton só apareciam de terno e suas presenças eram um “acontecimento”. Não importa se estivessem numa lanchonete, numa visita a uma tragédia, ou numa reunião em Davos. Raríssimas vezes se permitiam uma camisa social. 

E pronunciamentos? No Brasil, em anos bem recentes, quando os presidentes falavam pelo rádio ou em praça pública, as crianças respeitosamente tinham que ficar caladas. Para que todos ouvissem, porque ali vinha uma mensagem importante para o país. Essa quebra do protocolo litúrgico começou com Lula, que fazia um showmício praticamente todos os dias e, com isso, o país já não prestava mais atenção. Dilma foi um caso à parte, nem ela entendia o que dizia. Bolsonaro, portanto, está precisando de uma reciclagem, sob grave risco de ressuscitar uma retórica enigmática e confusa que foi sepultada no impeachment

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