*João José Forni
No ano passado, em várias cidades americanas rádios e jornais locais foram fechados, por dificuldades econômicas ou estratégia empresarial. Muitos dos jornais fechados eram centenários. Entre eles o Rocky Mountain News, de Denver, Colorado, alguns dias depois de completar 150 anos. Um jornalista resumiu em poucas palavras o que significava para Denver ficar sem o seu jornal: “É com grande tristeza de nós dizemos para vocês até logo. É um dia simplesmente triste. É um dia para ser esquecido em nossa cidade”.
Pois 30 de abril de 2010 pode também ser considerado um dia triste para os gaúchos. Naquela sexta-feira, saiu do ar o mais antigo programa jornalístico do rádio brasileiro: o correspondente Guaíba, ex-correspondente Renner, que toda uma geração de gaúchos se acostumou a ouvir durante mais de cinco décadas.
Por problemas na grade da programação e interesses comerciais, a organização que detém hoje o controle da Rádio Guaíba resolveu acabar com esse ícone da radiodifusão da Região Sul. Comparável, no Rio G. do Sul, ao que representou para o país o Repórter Esso, nos tempos áureos do rádio. Ou ao que hoje, ressalvadas as dimensões, representa na TV o Jornal Nacional. O programa estava no ar desde a fundação da Rádio Guaíba, em 1957.
Durante 46 anos pelo menos, dos 53 do programa, os gaúchos se acostumaram a ouvir “Aqui fala o Correspondente Renner”, na voz inconfundível de Milton Ferreti Jung. Grande parte da geração, que está hoje na faixa dos 40 aos 70 anos, cresceu e se acostumou a acompanhar de hora em hora os principais acontecimentos do Rio Grande, do Brasil e do mundo pela voz do locutor. Desde a famosa cobertura da Cadeia da Legalidade, até a subida do homem à lua. Da inauguração de Brasília à chegada do Papa. Todos os mundiais, desde 1958, sendo a Guaíba a única rádio fora do eixo Rio-SP a estar presente na Suécia. Enfim, a história dos últimos 50 anos, para quem não tinha tevê ou não podia assinar jornais, passou pelas ondas do Correspondente Renner, com um jingle também inconfundível.
Mas não era apenas pelo programa jornalístico que a Guaíba se destacava. Criou uma grife, com a qualidade do repertório musical e pela característica de divulgar comerciais sem spots e jingles. Propaganda única e exclusivamente através da própria voz dos locutores. Um caso único no país, certamente.
A tristeza não decorre apenas por ter desaparecido um ícone da comunicação do estado, Mas porque, ao sair do ar um programa jornalístico, perdem todos: jornalistas, anunciantes e ouvintes, principalmente a população menos informada, que não tem acesso à internet e aos jornais. Provavelmente vai ser substituído por programas gravados, mais baratos e que cada vez apequenam mais a imprensa brasileira. Se a internet já é uma ameaça aos jornais, às tevês e ao rádio, quando acabamos com programas de qualidade, principalmente aqueles voltados à difusão da informação jornalística, não há dúvida de que isso representa um tremendo retrocesso.
Infelizmente, esse fenômeno não se restringe ao Rio Grande ou ao Brasil. Em todo o mundo, cada vez mais as dificuldades econômicas e as novas tecnologias têm obrigado pequenas empresas de comunicação a se incorporar a grande grupos de mídia ou fechar. Ao serem engolidas pelos grandes conglomerados, a sociedade corre o risco de ter um direcionamento do noticiário muito perigoso para a liberdade de opinião. A idéia do pensamento único, de uma única voz dominar a linha editorial de grande parte da mídia de um país e até de continentes assusta e pode se tornar uma ameaça.
A pluralidade de idéias e linhas editoriais é benéfica para a democracia. E isso passa pelos jornais locais, rádios e canais de tevês independentes. No momento em que alguns países como China, Venezuela, Coréia do Norte e Irã restringem a liberdade de imprensa e perseguem jornalistas; em que até no Brasil ouvem-se vozes oficiais esboçarem projetos destinados a cercear a independência dos meios de comunicação, é bom ficarmos atentos ao que está acontecendo. Com a retirada do ar de um programa consagrado como o Correspondente Guaíba (Renner), não é apenas a história ou nossas memórias que saem arranhadas. Mas o interesse público que mais uma vez se curva ao poder de sedução da área comercial.
*Jornalista, Consultor de Comunicação. Editor do site www.comunicacaoecrise.com E-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.