MadoffEm meio à crise econômica que há alguns meses atazana o mundo, ameaçando as economias dos países desenvolvidos, cortando investimentos, fechando bancos e empresas, aparecem outras crises para agravar ainda mais o cenário. Umas decorrem da própria natureza da crise, centralizadas na economia . São milhares de empregos que somem, na esteira de ajustes realizados por empresas de todo o mundo.

Se, como diz o megaempresário Warren Buffet, quando a maré baixa é que você vê quem estava nadando nu, a crise expôs não apenas aquelas empresas que perderam ativos, com a queda nas bolsas ou a retração nos negócios, mas mostrou as que não conseguiram manter base suficiente para sustentar seu negócio. Foi assim que estourou o esquema fraudulento das empresas do ex-presidente da bolsa Nasdaq, Bernard Madoff, mais um negro capítulo dessa trágica novela. Como amplamente divulgado pela mídia internacional, desde o dia 14 de novembro, quando Madoff foi preso, já foram reveladas perdas que se aproximam de US$ 50 bilhões, em cálculos aproximados, nesta que pode ser a maior fraude financeira da história. Sozinho, ele controlava volume de recursos maior do que o PIB de muitos países.

Como funcionava? Madoff não tinha lastro para suportar todas as aplicações que bancos, corretoras, fundos de pensão, casas filantrópicas, estúdios de cinema e até pessoas físicas, incluindo pequenos investidores, faziam no seu fundo de investimentos. Os tentáculos da pirâmide ultrapassam as fronteiras dos Estados Unidos, passam pela Europa e fizeram vítimas também no Brasil.

Madoff atraía investidores pela alta rentabilidade que oferecia. Pagava a remuneração aos investidores usando dinheiro aplicado por clientes novos. Quando a crise chegou, Madoff não suportou o volume de resgates e a pirâmide ruiu, expondo toda a fragilidade de quem confiou no aventureiro nos últimos 20 anos. Aposentados, empresas de comunicação, casas filantrópicas, até o fundo de caridade de Steven Spielberg e bancos globais, como HSBC e Santander, foram enganados pelo esperto gestor de fundos.

Ratos de enchente

Mais ao sul do Equador, as crises não são diferentes. Tivemos neste fim de ano em Santa Catarina a maior enchente dos últimos anos. Em alguns aspectos, superou até mesmo a grande enchente de 1984, que destruiu parte de Blumenau e atingiu várias cidades do Vale do Itajaí. Em meio à catástrofe, que no seu pico desabrigou 80 mil pessoas e matou 133, o povo brasileiro se solidarizou e enviou centenas de donativos: gêneros alimentícios, roupas e calçados. Também foram arrecadados R$ 24 milhões.

Passado o primeiro impacto da tragédia, quando pessoas comuns viram heróis no meio da calamidade, o que o Jornal Nacional,  da TV  Globo mostrou no dia 15 de dezembro envergonha a todos os brasileiros. As câmeras ocultas da RBS TV flagraram alguns espertos, que se passam por voluntários, desviando roupas e calçados do depósito das doações. E, mais grave ainda, soldados do Exército rateiam entre si roupas e calçados, saindo com uma bem nutrida mochila repleta de "donativos".

O fato pode parecer pequeno, diante da dimensão da crise internacional e do próprio rombo da Bernard Madoff. Mas é grave pela mesquinhez de tirar de quem não tem nada. Pode até se admitir, como disse o Comandante do Batalhão do Exército de Florianópolis, que o ato de 11 militares não  pode manchar a atuação de milhares de soldados que atuaram no resgate às vítimas. Fatos como esse, quando se fala de reputação ou imagem, é que o escorregão de 11 soldados, até por estarem de farda e em nome do Exército, mancham sim a instituição. Como qualquer deslize de um único deputado ou Senador mancha a reputação do Congresso Nacional.

Isoladamente, o fato pode ser apenas uma ameaça de crise, se o Exército souber conduzi-lo, como até aqui parece que está acontecendo. Reconhecer o erro, enquadrar e responsabilizar os envolvidos, com ampla divulgação das punições é a única solução para a instituição amenizar o natural arranhão na sua imagem. Quanto aos demais espertinhos, cabe às autoridades explicar como está sendo administrada a guarda e distribuição dos donativos. Como se vê, não bastasse a crise das enchentes e milhares de desabrigados, surgem os espertos que querem tirar vantagem em tudo.

Camelô de mandato

Como a dose de crise é interminável, mais uma dos Estados Unidos. Não bastasse ao povo americano tudo que já está acontecendo na economia, o governador de Illinois, estado de onde veio o Senador Barack Obama, foi flagrado pelo FBI negociando o mandato de Senador, a ser indicado no lugar do presidente eleito.

As acusações basearam-se em gravações autorizadas pela Justiça. Nos EUA, diferentemente de outros países,quando um Senador se afasta, o Governador de seu estado indica o substituto. O Governador de Illinois foi pego pelo FBI tentando vender, em benefício próprio, a vaga de Senador. A Procuradora-Geral do estado de Illinois pediu à Suprema Corte que declare o governador Rod Blagojevich incapacitado para o cargo.

Por pouco a crise do governador não respinga em Obama. O presidente eleito o apoiou na eleição, mas numa das gravações ele dizia que Obama estava atrapalhando suas negociações, o que pelo menos foi admitido pela mídia como um voto de confiança de que o presidente eleito teria passado ao largo dessa crise. Ainda longe de acabar, essa  crise talvez amenize apenas quando o governador for definitivamente afastado do cargo.

Na Itália, o fundador da Parmalat, Calisto Tanzi,  de 70 anos, foi condenado em 20 de dezembro a dez anos de prisão pela Justiça italiana, acusado de enganar os  investidores sobre a saúde financeira da empresa de laticínios antes de seu colapso, em 2003, na maior falência de uma empresa européia. Essa crise atingiu uma marca fortíssima no mundo dos laticínios e anos depois continua causando arranhões à imagem da empresa, que ainda mantém negócios em várias partes do mundo.

Voltando ao Brasil, no meio da crise econômica, mais um desfecho de crise. A Terceira Turma do STJ decidiu manter, no início de dezembro, mais uma ação de indenização contra a multinacional Laboratório Schering, fabricante de pílulas anticoncepcionais. A empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais de R$ 70 mil a mais uma consumidora que engravidou utilizando o anticoncepcional Microvlar, conhecido como "pílula de farinha". O entendimento da Justiça é que a empresa foi negligente no descarte dos materiais que não deveriam ter chegado aos consumidores.

O caso das "pílulas de farinha", como ficou conhecido, ocorreu em 1988, quando pílulas impróprias para consumo – produzidas para teste em uma máquina embaladora do laboratório – foram comercializadas por engano no mercado. Várias mulheres que engravidaram acionaram a empresa e as ações continuam sendo julgadas. Dez anos depois, o rastro dessa crise continua a assombrar a Schering.

Como se vê, se o cenário já não era bom para quem operava em situação normal, como ficará para aqueles que tiveram os ativos pulverizados ou viram-se no meio do turbilhão, vítimas do efeito Madoff. Qual será a reação dos brasileiros nas futuras doações ou ações filantrópicas, depois dos gestos debochados das voluntárias e dos soldados de Santa Catarina? Como reagirá o presidente eleito dos EUA, depois de um governador do seu partido e do seu estado se envolver em negociatas suspeitas para vender o mandato de seu sucessor no Senado? Qual a capacidade de empresas como a Schering e a Parmalat de reagir diante da crise econômica, se até hoje carregam passivos que se arrastam há dez anos, por conta de crises passadas?

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