FSP-3A imprensa brasileira exagera. Teima em repercutir declarações de autoridades e  até empresários sem qualquer questionamento. São teses vazias, projetos mirabolantes ou afirmações absurdas que aparecem em manchetes, viram pauta, mas não resistem a um debate mais sério. Parece existir uma gincana nas pessoas públicas em busca da manchete fácil, de anúncios precipitados, muitos calcados apenas em idéias em gestação ou em interesses eleitoreiros ou paroquiais.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, chegou da Europa com uma idéia brilhante: privatizar o aeroporto internacional do Rio, o velho Galeão.  Na pressa, teria recebido o sinal verde do presidente da República ainda quando se encontrava numa de suas muitas incursões pelo exterior. A imprensa repercutiu a boa nova e, claro, comemorou, até porque privatização é uma palavrinha mágica e doce na pauta jornalística.

Cabral quer habilitar o Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016 com um aeroporto novo, administrado por empresa privada, como se a escolha da sede de uma Olimpíada dependesse unicamente do aeroporto. Até agora não se viu qualquer matéria séria analisando o que o Rio de Janeiro precisa realmente para se credenciar na disputa e o que significa privatizar aeroportos no Brasil.

Primeiro, é um processo lento, a legislação e o marco regulatório da aviação precisam ser alterados e não basta a vontade do governador ou de ministros para que o fato aconteça. Ele chegou a mentir sobre a colocação do Aeroporto do Rio de Janeiro na pré-avaliação dos membros do Comitê Olímpico. E a mídia endossou. O pior item não foi o aeroporto, existem coisas piores no Rio de Janeiro.

É pena que o governador, empolgado com a idéia, deixou de conhecer a British Airports Authority-BAA, empresa privada que administra sete aeroportos ingleses, além do de Nápoles. Ela atravessa séria crise, questionada pelo governo inglês por não ter feito os investimentos previstos no processo de privatização ocorrido em 2006 e responsabilizada pelo caos ocorrido no Aeroporto de Heathrow no início do ano. A imprensa brasileira, empolgada com a boa nova, não publicou até agora uma linha sequer sobre essa e outras privatizações em aeroportos do exterior.

O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que também gosta de criar factóides,  aproveitou o vácuo e anunciou a construção de um terceiro aeroporto em São Paulo, por meio de concessão. Onde? Não sabe. Claro, não existe qualquer estudo sério que demonstre a necessidade de construir um terceiro aeroporto numa região metropolitana onde já funcionam três terminais, sendo dois internacionais. Só não foi um furo, porque a Ministra Dilma também havia anunciado um terceiro aeroporto ano passado, em pleno apagão aéreo, idéia que depois morreu por precipitada e sem sustentação técnica.

Mesmo nas grandes megalópoles, como Nova York, Tóquio, México ou Bombaim não existem mais de dois grandes aeroportos internacionais, porque seria antieconômico e certamente geraria uma dispersão de recursos, pelos altos investimentos necessários. Mas quem quer discutir isso?

No mês passado, o mesmo ministro cunhou uma frase lapidar: Congonhas vive, atualmente, uma situação de segurança “absoluta”. Só pilotos aposentados duvidaram. A mídia calou. Esqueceram de informá-lo: ministro, não existe segurança absoluta! Qualquer esquema de segurança é vulnerável.

Na última sexta-feira (12), foi a vez do ministro das Minas e Energia, em plena histeria pela crise na Bolívia, levar o troféu factóide da semana. Anunciou que o país terá mais 50 ou 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos. Não há qualquer definição do Conselho Nacional de Política Energética sobre isso. “Vamos construir no Brasil inúmeras outras usinas nucleares”. Nós quem, cara pálida? Com que dinheiro?

Os especialistas em energia nuclear dizem que o governo deveria, isto sim, viabilizar as próximas quatro usinas, que dependem de orçamento, financiamento e compra de equipamentos. “Cinqüenta anos é um horizonte de tempo tão amplo que a afirmação do ministro parece mais uma fantasia, um desejo do que um plano de governo”, diz o professor da UFRJ, Adilson de Oliveira.

O Ministro da Fazenda é outro que anuncia factóides com grande repercussão no noticiário econômico e depois precisa recuar. Por pressão do presidente da República ou porque o mercado não aceita. Há alguns meses anunciou com grande pompa e vistosas manchetes a criação de um fundo soberano para apoiar ações do Brasil no exterior. Como o estudo ainda não havia sido aprofundado, o Fundo recebeu torpedos de todos os lados, até mesmo de aliados no Congresso Nacional, porque implicaria mexer no superávit fiscal.

Mesmo no lançamento do Fundo, o ministro da Fazenda foi “vago e hesitante sobre alguns detalhes” como admitiu o jornal O Globo, em 23 de maio. Resultado, o presidente Lula mandou o ministro recuar. As notícias sobre o Fundo murcharam. Antes, a imprensa se empolgou e  fez extensas matérias sobre o tema. Não aprofundou e nem perguntou por que idéia tão brilhante veio à público sem estar devidamente amadurecida. Assim como nasceu, morreu.

A excessiva exposição de fontes oficiais com notícias vazias, insustentáveis, que não resistem a análises simples, não serve a ninguém. Nem à opinião pública, que acompanha com expectativa anúncios de obras ou ações que se mostram inviáveis e nem à imprensa, que perde a oportunidade de discutir temas importantes para a sociedade com mais profundidade.

O professor Carlos Chaparro, da USP, estudioso das relações entre a mídia e a opinião pública, diz que “a sociedade espera do jornalismo o relato veraz dos acontecimentos, e a explicação isenta de fatos e contextos”.

O jornalista e professor Rolf Kuntz, em artigo no Observatório da Imprensa diz que o presidente da República “tem-se mostrado igualmente hábil na produção de noticiário sem fato relevante. Quem precisa de fatos, quando é tão fácil ocupar espaço nos jornais e tempo nos meios eletrônicos?”, pergunta Rolf. Nos arroubos patrióticos, o presidente afirmou em recente evento que a Petrobras “é a mãe da industrialização no país” e ninguém, diz o jornalista, se deu ao trabalho de examinar a frase e  questionar tamanha besteira histórica. Antes, bastava Lula falar em etanol e todos saíam correndo, dando manchetes. O etanol sumiu. Agora, a menina dos olhos chama-se pré-sal.

O que tem acontecido nos últimos meses no Brasil é uma avalanche de factóides, notícias infladas por fontes de primeiro escalão, que recebem da imprensa um tratamento superficial, apressado e leviano. Na pressa pelo furo, os jornalistas saem correndo dos eventos oficiais e reproduzem tudo nos sites de notícias. A pauta diária está se transformando em busca pela manchete fácil. Não importa a inconsistência de projetos, idéias e fatos. O que vale é o discurso, ainda que vazio. Os anúncios oficiais começam a se vulgarizar, porque não resistem, são inócuos, apenas retórica para ocupar espaço na imprensa. Assim como nascem,  se evaporam, somem. São apenas factóides.

*Factóide – Segundo o dicionário Aurélio: ‘Fato, verdadeiro ou não, divulgado com sensacionalismo, no propósito deliberado de gerar impacto diante da opinião pública e influenciá-la’.

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