Será que o recorrente recall salva ou ajuda a melhorar a reputação das grandes indústrias? A Toyota acaba de anunciar o recall de 2,87 milhões de veículos por possíveis falhas com unidades de controle de emissões. Além disso, também faz recall de 1,43 milhões de veículos por defeito em airbags, o que totaliza 3,3 milhões de veículos Toyota sofrendo reparos num curto período de tempo. O defeito no airbag de modelos como Prius e Lexus teria causado pelo menos 11 mortes em acidentes em diferentes países.
Na mais grave crise da empresa, ocorrida a partir de 2009, a montadora japonesa teve que fazer recall de mais de 10 milhões de veículos no mundo, por defeitos no pedal, que teriam provocado também várias mortes nos EUA. A montadora atribuiu esse defeito à aceleração involuntária em situações em que o pedal do acelerador ficava preso, em alguns casos no tapete do lado do motorista; e a erros dos condutores, alegação esta não aceita pelo Departamento de Transportes Americano, conhecido pela sigla NHTSA.
A Toyota, que disputa com a Volkswagen o topo de vendas no mundo (em 2013 foi a líder mundial) admitiu que iludiu consumidores norte-americanos, omitindo e fazendo declarações enganosas sobre dois problemas de segurança, sendo que cada um deles causava um tipo de aceleração involuntária, segundo informou o Departamento de Justiça dos EUA.
Foi das mais graves crises da empresa nos últimos anos. Apenas nos EUA, essa crise custou US$ 1,2 bi em multas e indenizações na Justiça americana.
Será que o recall já foi incorporado à prática das indústrias como forma legal e ética de corrigir erros ou defeitos de produtos, que ocorrem, na maioria das vezes, por falhas no controle de qualidade da produção; por economia, fraude ou até mesmo incompetência no atendimento? E, com isso, estariam tentando preservar a reputação e se salvar de ações legais que implicariam indenizações?
Risco para crianças
A gigante sueca IKEA, empresa especializada em venda de móveis domésticos práticos e de baixo custo, detentora de uma das melhores reputações do mundo, anunciou na semana passada o recall de 36 milhões de cômodas para crianças. São seis modelos MALM, produzidos de 2002 a 2016, além de 100 outras linhas de cômodas e baús. Foram constatadas seis mortes de crianças e outros 36 casos de acidentes. A pressão veio da Comissão de Segurança de Produto ao Consumidor dos EUA.
Esses móveis cairiam com facilidade, quando não fixados na parede, ferindo crianças de três anos ou até menos, segundo a Comissão de Segurança dos EUA. A IKEA preferiu investir milhões de dólares no recall do que correr o risco de enfrentar ações judiciais milionárias.
Recall atrasado
Ninguém compra um produto, principalmente um carro, pensando que está dando carona a um defeito. O recall pode parecer um ato de respeito ao consumidor, eticamente elogiável e rotineiro. Até certo ponto pode ser. Recentemente, compradores do Toyota Corolla, no Brasil, receberam uma carta da empresa anunciando um recall. Detalhe: os carros contemplados pelo recall foram fabricados em 2005, 2006 e a carta convidando para o recall foi enviada em 2015 e 2016. A maioria já havia vendido os carros e nem lembrava mais para quem.
Os proprietários usaram esse carro com defeito, durante anos, e correram sério risco de acidentes ou pelo menos de dissabores, despesas. Não seria mais lógico uma indenização em dinheiro ou descontos na compra de um veículo novo da marca? Qual o efeito desse recall para quem confiou na marca e comprou um carro zero naquela época? Ou o defeito foi descoberto anos depois? O que também denota uma grave falha no controle de qualidade da empresa. Para se ter uma dimensão da Toyota, a empresa faturou em 2015 US$ 252 bilhões, valor maior do que faturaram a Grécia, África do Sul e Ucrânia juntos.
A derrapada da Volks
A Volkswagen ainda enfrenta a crise do software que fraudava os índices de poluição de veículos a diesel, problema descoberto no ano passado pela fiscalização dos EUA. Depois da demissão do CEO e inúmeras tratativas, a empresa acaba de fechar acordo com as autoridades americanas para pagar US$ 14,7 bilhões em indenizações a 480 mil proprietários dos veículos a diesel, além de contribuição a um fundo antipoluição.
Foi a forma de tentar evitar milhares de ações na Justiça por ter vendido carros que poluíam, mas eram aprovados no crivo da fiscalização, mediante fraude. A montadora tenta salvar a reputação seriamente abalada pela besteira da engenharia.
Quando alguém toma a decisão de comprar um carro, investimento bastante elevado nos padrões brasileiros, onde o governo leva mais de 40% do preço final, em impostos, supõe estar comprando um produto de qualidade, seguro, garantido. O anúncio do recall, portanto, apesar de parecer uma benesse ou um mimo da indústria, na verdade é o reconhecimento de um erro grave e que precisa ser penalizado. Houve risco no passado e transtorno no presente.
Recalls constantes, questões de segurança e admissões de pura mentira com os reguladores, como os registrados na indústria automobilística ou outros produtos, deixa os motoristas e os clientes céticos e frustrados. Até que ponto podemos confiar no produto, ainda que seja de marcas globais, como aconteceu com Toyota, Ikea e Volkswagen.
A indústria não tem levado a sério essa ameaça. Segundo o especialista em gestão de crises dos EUA, Erik Bernstein, temos novos “players” na indústria automobilística que mostram como algumas montadoras se movem lentamente para oferecerem produtos de qualidade. “Hoje, nós temos tecnologia que está nos trazendo mais perto de verdadeiras escolhas sobre se queremos ou precisamos realmente possuir um carro. E, ao mesmo tempo, a reputação continua sendo mais valiosa do que nunca.”
A pergunta pertinente que ele faz: será que os fabricantes que erram serão capazes de mudar a forma como eles operam para manter-se, ou continuarão convivendo com essa tempestade perfeita que está abrindo o caminho para novos “players” aparecerem no centro do palco?
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