Francisco Viana*
Crises custam caro. Falhas éticas custam reputações e carreiras. Quanto consumirá, em dinheiro, o escândalo da falsificação dos poluentes em carros a Diesel pela Volkswagen, ainda ninguém sabe. Mas as cabeças começam a rolar: a primeira foi a do presidente executivo da VW, responsável pela operação, agora anunciada. O que virá a seguir?
Na mídia, o caso pode ser assim resumido: a marca, famosa pela popularidade, falsificou os testes de emissão de poluentes com a instalação de um dispositivo de trapaça: seus veículos emitiam uma quantidade de dióxido de carbono e óxidos de nitrogênio de cinco a 40 vezes superior ao permitido pela legislação dos EUA. Mas graças ao dispositivo, um inocente soft, a realidade era camuflada. Pelos cálculos divulgados, a distorção alcança 11 milhões de veículos em diferentes países. Somados às multas e às quedas do valor das ações, os valores que a montadora irá pagar são estratosféricos. Haveria como justificar tamanha falta de imprevisibilidade quanto ao futuro?
O problema vivido pela VW põe em questão a ética corporativa. E, reafirma, igualmente, a evidência de que na sociedade de massa nada permanece ilícito por muito tempo. Na parte da ética, fica claro que entre o lucro e a transparência, a ideia do lucro sempre prepondera. Seria possível ser diferente? Claro. Se houvesse, efetivamente, cuidado com as reputações e a alienação não surgisse como uma força inimiga do homem. Talvez, isso aconteça porque para o executivo a única glória que sobra na sociedade atual seja ganhar dinheiro. Uma psicanálise do episódio, certamente, conduzirá a um hedonismo mórbido: como hoje em dia nada passa desapercebido por muito tempo, por causa inclusive dos interesses antagônicos em jogo, pode-se dizer que há uma compulsão pela notoriedade negativa, própria das crises. Não seria melhor optar pelo bem comum e promovê-lo discretamente?
Sim, é uma realidade cruel, mas além de criminosa a prática da fraude é patológica. Uma patalogia redutível a uma ideia: a glória hoje inexistente num mundo em que os heróis deixaram de existir, salvo nas histórias de ficção. Não se trata apenas de uma recusa de curvar-se aos imperativos da lei, há uma compulsão a negar a realidade impossível de ser negada. Filosoficamente, esse tipo de drama não parece despertar grande interesse por parte das organizações. Gastam-se fortunas em construção e monitoramente de imagem, mas os modelos de negócios não mudam. O meio ambiente, por exemplo, virou uma quase obsessão social. As organizações empunham tal bandeira no discurso.
E a prática?
Essencial no caso do escândalo da VW é se perguntar por algo bem maior que o problema agora tornado público. É o sentido da ética. Esta deve sair dos manuais para a prática das pessoas. Deve ser um hábito incorporado ao dia a dia, não uma norma abstrata. Responsável não é apenas um executivo envolvido por comportamento não ético e ahistórico - por ser repetitivo. Responsáveis são todos os envolvidos em atividades ilegais camufladas pela busca de lucros ilegítimos. Ou, melhor dizendo, ilusórios.
Afinal, viver o mundo atual exige a procura da totalidade das relações entre o homem na sua interioridade e nas suas relações sociais. Caso essa totalidade não seja construída, crises como a da VW se repetirão. É uma questão de tempo. Basta desviar os olhos dos carros da marca alemã e ver quantas empresas no Brasil estão sendo investigadas por práticas não éticas. Quantas?
Os investigadores do Lava Jato acrescentam novos nomes à relação de presos quase que diariamente. Cabe, contudo, a pergunta: por que cogitar um mundo irreal, o da ilegalidade, se o mundo real está diante de todos, a exigir novas atitudes, nova consciência, nova primazia da ética social sobre a não ética individual? O mundo não é controlado mais pelos executivos, mas pela justiça e os grupos de pressão. São questões que as organizações privadas - e também públicas - podem começar a entronizar no temário cotidiano. Queira-se ou não, a ética tornou-se um imperativo categórico da existência. No mundo global e no Brasil, sem dúvidas. Talvez, na raiz de tudo esteja a ilusão das organizações que podem viver, como na passado cada vez mais distante, isoladas do mundo, mergulhadas nos números que colhem da venda de fantasias. Não podem. Uma filosofia social de responsabilidade toma cada vez mais lugar da ideia de impunidade.
* Francisco Viana é jornalista, consultor de empresas e mestre em filosofia política (PUC/SP)
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