Em alemão, essa palavra que se pronuncia "Zestmord", sem grandes dificuldades, significa "suicídio".
Ilustra a capa da edição de número 40, de 26/09/15, da tradicional revista alemã Der Spiegel, com as imagens de um enterro tradicional: homens vestidos a rigor, com chapéus negros e casacas bem talhadas, carregam o morto, um carro da Volkswagen, como que anunciando que a marca está sendo enterrada. Motivo: o escândalo de fraude em testes de emissão de poluentes, nos EUA.
Nas páginas internas, a revista reforça sua tese com as seguintes observações: arrogância e megalomania comprometem o futuro da indústria alemã. Explicação: a VW cometeu fraude porque ambicionava se transformar na maior montadora do mundo. Em lugar disso, o que significaria ampliar significativamente a margem de lucro sobre o patrimônio, a Volks viria a amargar o primeiro prejuízo trimestral em pelo menos 15 anos e já reservou 6,7 bilhões de euros para cobrir custos relacionados à fraude que envolve 11 milhões de carros (Folha de S. Paulo, 29/10/15, p. A20). Quanto a crise irá custar, ninguém pode prever ao certo.
No Brasil, o número é quase inexpressivo, 17 mil unidades da picape Amarok. Pelo menos, por enquanto.
Seria essa a razão da escassa repercussão do drama da expressiva montadora alemã? Não se sabe. O certo é que o tema passaria quase despercebido não fosse uma densa reportagem da revista Veja e informações que basicamente se concentraram na mídia impressa. Contudo, o caso da Volks, nascido de uma ação premeditada, é dos mais emblemáticos como referência para as organizações brasileiras.
De um lado, porque a Volks ensinou o País a dirigir com o saudoso “fusca” e, além disso, foi pioneira na comunicação corporativa. E sempre inspirou confiança. Sem a VW, o Brasil teria dificuldade para fazer sua revolução industrial nos anos 50 e, dificilmente, teria galgado os patamares que galgou como centro industrial e automotivo. A simples referencia à marca VW era sinônimo de qualidade, seriedade e transparência. Carro e VW parecem ser a mesma coisa.
De outro lado, a crise da VW revela como a reputação de uma marca pode beijar a lona de uma noite para o dia. No passado, a reputação – aquilo que a sociedade pensa de uma marca, por exemplo – era mais resistente e podia caminhar em paralelo às crises de imagem e identidade das organizações. Hoje, dada à velocidade das comunicações, reputação, identidade e imagem são uma coisa só. Se uma das pernas do tripé cai, todas as outras caem também. Foi o que a Der Spiegel quis dizer com a capa "Suicídio".
Alias, segundo Camus, o suicídio é a única questão filosófica séria a ser enfrentada pelo homem. A ideia, lançada logo na abertura do livre, O mito de Sísifo, retorna agora com nova força. À primeira vista, pode-se imaginar que as grandes ameaças às organizações estão fora delas: há leis em excesso, tributos em excesso, movimento reivindicatórios em abundância, isto sem falar as restrições inerentes ao controle de poluição, à qualidade da produção industrial e à concorrência cada vez mais acirrada. Fora das portas das empresas, há crescente efervescência social. É muito diferente do passado quando era quase impossível processar um grande executivo ou mesmo um funcionário graduado. Hoje, tudo mudou.
O caso da Volks parece mostrar o contrário: o inimigo das organizações estão no interior delas. São aqueles que com seus atos impensados e rebeldia constante ao cumprimento da lei, podem destruir uma organização com a rapidez com que se arranca um dente ou que se envia um e-mail.
E eles estão alojados essencialmente no corpo executivo. Significa dizer que as organizações precisam estar mais e mais atentas à esses destrutivos personagens, pesar e medir com sensatez suas metas, estratégias e, sobretudo, a arrogância. Entre nós no Brasil, podemos olhar esses tristes personagens (mas, destrutivos) no espelho da Lava Jato e ver nele refletidas as imagens de grandes empreiteiros e antigos dirigentes da Petrobras. Com o case da VW, a prevenção de crises ganha nova relevância e sentido.
*O suicídio
** Jornalista, consultor de empresas, doutor em filosofia política (PUC-SP).
Outros artigos sobre o tema
Automobile. Volkswagen: le suicide
Crise da Volkswagen atropela ética e derruba CEO
Volkswagen: onde está a reputação que estava aqui?
"Técnicos da Volkswagen agiram criminalmente", diz diretor
A Volkswagen, a ética e a alienação
Fraude na Volkswagen pode ter atingido outros modelos
Presidente da Volks nos EUA diz que sabia desde 2014 sobre irregularidades