Imprensa casa brancaO novo secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, estreou um dia depois da posse fazendo tudo aquele que não se recomenda na relação com os jornalistas. Irritado, gritando, atacou a mídia, de forma geral, acusando-a de "falsos relatos" sobre a inauguração como parte daquilo que ele chamou de uma tentativa "vergonhosa" de minimizar o entusiasmo pelo presidente Trump. Até a Fox News, simpática ao republicanismo, registrou com desagrado a forma como o porta-voz debutou no cargo, muito importante para o governo, lendo uma nota feita às pressas, com termos duros e bastante combativa. Ele leu esse comunicado e não permitiu perguntas.

O novo “cão de guarda” de Trump convocou a imprensa para a sala de briefing para condenar especificamente dois relatos - uma afirmação errônea de um repórter, depois corrigida, de que um busto de Martin Luther King fora removido do Gabinete Oval. Ele se referia a Zeke Miller da revista Time, e por extensão aos demais colegas, por colocar e repercutir um tweet na noite de sexta-feira, registrando a substituição do busto pelo de Winston Churchill. Na verdade foi um mal-entendido. O fato não ocorreu e, para fazer justiça, o jornalista já havia corrigido e pedido desculpas pelo erro, no que foi seguido por outros jornalistas. Trump, no sábado, disse: "This is how dishonest the media is", ao se referir ao erro.

Se a crítica do porta-voz foi procedente no conteúdo, foi desastrosa e mal-educada na forma, mostrando uma atitude abominada pela imprensa, quase sempre vaidosa e ciosas do seu trabalho, avessa a críticas, até mesmo quando erra. Neste caso particular, os dois erraram, mostrando que as relações entre o novo governo e a mídia vai ser uma batalha. O porta-voz tem o respaldo de Trump, que no sábado disse, quando visitou a CIA: ""Estou com vocês 1.000%. E a razão de vocês serem a minha primeira opção é que, como vocês sabem, eu tenho uma guerra em curso com a mídia, eles estão entre as pessoas mais desonestas da Terra".

A outra dura crítica veio do que mais deu repercussão mundial: fotos onde aparecem duas mostras de multidões, uma na posse de Obama e outra na sexta-feira, na posse de Trump, mostrando nesta última um grande clarão.

Posse Trump boa fotoNa disputa sobre quem atraiu mais gente, Trump com a empáfia que já é sua marca, inflou o público da posse, dizendo ser de 1,5 milhão de pessoas. Pelo espaço ocupado, alguns órgãos de imprensa calcularam 250 mil pessoas, baseados nos tickets adquiridos e dados do metrô de Washington, o que não seria um público pequeno. Na posse de Obama, em 2009, o Serviço Nacional de Parques, que administra a região da posse, anunciou 1,8 milhão de pessoas. Nada de admirar, quando comparados os dados com a de Trump, dada a histórica posse de um presidente negro na história da nação, o que gerou uma euforia sem precedentes em Washington. Ele venceu a eleição numa campanha arrebatadora, de forma brilhante, por uma margem popular esmagadora, ao contrário de Trump, que teve 4 milhões de votos a menos do que Hillary Clinton. Além de Washington ser um reduto democrata.

O porta-voz chamou a divulgação no Twitter de "irresponsável e imprudente" Ele disse que as fotos de inauguração foram enquadradas para minimizar o "enorme" apoio no National Mall, enquanto explicou a razão pela qual as multidões pareciam menores. A cobertura de piso usado para proteger a grama era realçada onde as pessoas não estavam de pé, o que permitiria que os presentes pudessem rapidamente chegar ao local da posse.

Spicer também criticou o que ele chamou de “estimativas imprecisas” de pessoas, enfatizando que "ninguém tinha números", uma vez que o National Park Service, que supervisiona o National Mall, onde os espectadores se concentram, deixou de tornar públicos o número de pessoas em eventos oficiais.

No entanto, o porta-voz passou a fazer sua própria estimativa, com base na capacidade de certos espaços que se estendem do Capitólio ao Monumento de Washington, mostrando que aderiu rapidamente ao estilo falastrão, esnobe e arrogante do chefe. Ele declarou: "Este foi o maior público a assistir a uma posse oficial, tanto em número de pessoas, quando em qualquer lugar do mundo". Ninguém sabe como ele calculou.

Trump fez comentários semelhantes algumas horas antes, durante uma visita ao quartel-general da CIA, onde ele disse que a divulgação, minimizando o número de pessoas presentes, foi a última tentativa da mídia de maltratá-lo, bem como também pelo fato de a mídia ter exagerado nas divergências entre ele e os serviços de inteligência dos EUA sobre a Rússia se intrometer na eleição presidencial de 2016.

O porta-voz também argumentou que Trump visitou a CIA sem a presença de um diretor de agência – fato também ressaltado pela mídia -  porque os democratas do Senado estão atrapalhando a confirmação, no Congresso, do representante Mike Pompeo. "Isso é o que vocês deveriam estar cobrindo", disse o porta-voz, puxando a orelha dos jornalistas, acrescentando que Trump recebeu uma ovação de cinco minutos na sede da agência.

O jornalista Ethan Ralph, no Blog, Ralph Report, disse que a coisa que mais o divertia do porta-voz não era o conteúdo real. Foi a maneira beligerante de ele se comunicar com a imprensa. E, após as críticas, tão logo concluiu, ele simplesmente saiu e se recusou a responder a quaisquer perguntas dos jornalistas reunidos, que vieram ali não apenas para ouvir, mas para perguntar. Muitos membros da imprensa ficaram indignados com isso. “Eu não conseguia fazer nada além de rir.  Os jornalistas passaram o dia todo inventando esta "Marcha das Mulheres" em puro estilo de propaganda e esperavam que Spicer elogiasse os protestos, ou algo assim. Por que ele? É claro que as pessoas têm o direito de protestar pacificamente se assim o desejarem, mas a Casa Branca não tem obrigação de elogiá-las por isso”, concluiu o jornalista.

Mas o site "Politico", também criticado por Spice, não aliviou. As relações de imprensa de Trump se tornam duras rapidamente. E repercute que a "insólita repreensão de Sean Spicer à imprensa anuncia uma guerra mais longa sobre a cobertura da administração."  "Mas não foram os méritos relativos das queixas de Spicer - ele insistiu, sem oferecer evidências, que a multidão na inauguração de Trump foi a maior da história - que se destacou. Pelo contrário, era o tom de queixa furiosa de Spicer", diz o site.

Pelo jeito, o porta-voz está querendo inaugurar uma nova forma de cobrir a Casa Branca, desde que o presidente e o governo não sejam criticados. De resto, vai ser uma boa briga, porque não se conhece nenhum governante que tenha feito um bom governo, sem ter uma boa ou pelo menos amistosa relação com a imprensa. Até mesmo no Brasil, temos exemplo recente. Nessa guerra, não há vencedores. Quem pode perder é a democracia e a opinião pública. Como aconteceu no governo Bush, com mentiras, como a de que o Iraque tinha armas de destruição em massa, o que teria justificado a declaração de guerra àquele país, fato esse respaldado por grande parte da imprensa americana e até mesmo por outros líderes internacionais, como Tony Blair, no Reino Unido. Isso não é bom.

Lamentavelmente, o 20 de janeiro de 2017 pode ser marcado pelo início de um grande retrocesso num dos grandes ícones da relação de tapas e beijos da imprensa com o poder público, que são as conferências de imprensa da Casa Branca. Cada vez que Obama ali comparecia, todos aprendiam um pouco mais, os jornalistas e os homens públicos, que devem dar satisfação das atividades. Por patética essa estreia, sentimos que nuvens carregadas sobrevoam a América.

Com informações da Fox News, The Guardian, The Hill, Folha de S. Paulo, Politico, Vanity Fair e Ralph Report.

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