moeda dinheiroFrancisco Viana*  

Sim, a recomendação é de Thomas Piketty e está em "O capital do século XXI". Ele diz textualmente: “ … Me parece que os pesquisadores em ciências sociais de todas as disciplinas, os jornalistas e comentaristas, os militantes sindicais de todas as tendências e, sobretudo, os cidadãos deveriam se interessar com seriedade pelo dinheiro, por sua medida, pelos fatos e pela evolução que o rodeia”. Piketty está preocupado com a concentração da renda, que desafia a gravidade, mas bem que poderia dar essa recomendação aos brasileiros. Nós precisamos fazer contas.

Simples. Quando se debruça sobre a história, o autor percebe que nos séculos XVIII e XIX os preços e o salário evoluíam sem ter muita relação com a política. No século XX em diante a política se tornou dominante e não há mais dissociação. Isto obriga a estudar o Estado, os impostos e as dívidas, em outras palavras, o fluxo do dinheiro, nessa dimensão concreta e deixar de lado os “esquemas simplistas e abstratos” sobre superestrutura política e a infraestrutura econômica. Fundiram-se. Virou uma coisa só e impõem, ao cidadão, um custo crescente.

Há, entre nós, uma prática abusiva que compromete a todos: sai governo, entra governo e a carga tributária sempre fica maior, os juros mais altos e a burocracia mais complexa, a ponto de não se saber quantos impostos se tem de pagar, tal o número de obrigações fiscais. No ano passado, o impostômetro, mecanismo criado pela Associação Comercial de São Paulo para medir os impostos, taxas e contribuições pagas pela população, rompeu o marco dos R$ 2 trilhões. Nunca isso tinha acontecido antes. A moderna derrama é paralisante, como foi nos idos do Brasil Colônia e no Império.

Esses temas – cortes de juros, impostos e burocracia - não fazem parte do discurso da nova (e interina) equipe econômica, como não fez do governo Dilma Rousseff. Claro, o equilíbrio das contas públicas é fundamental, mas mesmo esta medida, tão comentada e celebrada pelos economistas, não se torna possível com os juros no patamar que estão. A trajetória explosiva já atinge 67 por cento, a julgar pelos dados do FMI, e a persistirem os juros altos, a expectativa é que se chegue ao patamar dos 90 por cento do PIB em 2021. Ou seja, ficará cada vez menor o capital para investimentos e, com isso, haverá também retração por parte dos investidores internacionais. O ambiente brasileiro não é favoravel aos negócios. O mundo sabe dessa nuança. É preciso mudar a narrativa.

Também, é fundamental a reforma da Previdência, fonte permanente de endividamento do sistema, praticamente à beira da insolvência e há anos adiada, como de resto todas as reformas essenciais têm sido adiadas. Não por acaso os estados somam dívidas impagavéis e algumas das principais empresas brasileiras seguem pelo mesmo caminho. A armadilha dos juros e dos impostos precisa ser desmontada. Temos impostos que nem os países considerados ricos podem ter e serviços que deixam muito a desejar. São 36 por cento do PIB, distante da média dos países emergentes, em torno de 26 por cento. Há um circulo vicioso que precisa ser rompido: não se mexe, por exemplo, com o ICMs, principal fonte de receita dos estados, quando se poderia ter uma única legislação, pondo fim à guerra fiscal e superando uma etapa de caos tributário, com 27 legislações diferentes.

É preciso acordar para a realidade. Não há mais como adiar o futuro: é reformar ou permancer em crise. Talvez, se transformar numa nova Grécia. Quem sabe? As contas não fecham, nem para os muito ricos. Porque os credores atrasam. É uma espiral de dívidas que não acaba nunca. Sendo assim, resta ao governo ousar. Se os impostos caem, se os juros recuam, se a burocracia caminha para trás, as força produtivas serão, imediatamente, liberadas e o caminho do crescimento deixará de ser uma incógnita. Voltaremos a ter empregos, renda e investimentos. E estará aberto o caminho para se repensar toda a estrutura do Estado. Seja no que se refere ao papel das grandes empresas e, também, das pequenas e médias.

Porque não há dúvidas: o empresário, independente do seu porte, trabalha hoje para pagar impostos e, o que é pior, não consegue. Vive-se como numa bicicleta ergométrica: se parar, pode-se perder o equilíbrio e cair. Um caminho para a queda é a retração das vendas. Se não se vende, deixa-se de pagar as contas e, geralmente, a opção é fechar as portas. O drama é que quem cai dificilmente se levanta. Levantar alguém nessa situação é como tentar erguê-lo pelo cadarço do sapato.

Falta dinheiro no mercado. Sobram dívidas. Falta motivação para acreditar que o amanhã será melhor do que hoje. Sobra pessimismo. O custo social tem sido brutal. Onze milhões de desempregados. Uma recessão do tamanho dos nossos fantasmas. Esse é o ponto nevrálgico. Torna-se imperativo a motivação para a virada. O país parou. Daí serem oportunos os conselhos e avaliações de Piketty (a taxa de rendimento do capital é bem mais elevada que o crescimento da renda e da produção, o que desestabiliza as economias). Se forem ouvidos, não deixaremos mais nos iludir. E faremos reformas de verdade. Dinheiro é dinheiro, mesmo que centavos sejam.

*Francisco Viana é doutor em Filosofia Política (PUC-SP).

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