Ao ver os festejos de passagem de ano em várias capitais pelo Brasil, no último dia de 2015, me perguntei: o que o povo brasileiro está comemorando? A saída de 2015 ou a entrada de 2016? Para qualquer dos dois lados que olhe, o cenário, lamentavelmente, foi e será o pior possível. Ao ver o esforço das prefeituras em rapidamente montar palcos, contratar bandas, gastar milhares de reais com fogos de artifício (mesmo com os cofres zerados), voltam à lembrança as cenas de guerra mostradas pela televisão dos hospitais do Rio recusando pacientes, nas últimas semanas; e enfermeiros e médicos lamentando a impossibilidade de dar um mínimo de assistência aos doentes que saem chorando de hospitais, casas de saúde ou das badaladas UPAs.
Ao mesmo tempo, imagino o que passa na cabeça da presidente da República e dos governadores, na calada da noite, quando encostam a cabeça no travesseiro e fazem uma mínima reflexão sobre o o ano que passou... Como qualquer um de nós. O que pensam eles sobre o cumprimento do dever, assumido na campanha e na posse, de trabalhar para melhorar a vida do cidadão? Discursos bonitos, burilados pelos marqueteiros, com tantas promessas, se transformaram em ações realmente? Será que dormem tranquilamente, vendo as cenas do Brasil de 1915, como mostrou a série da Rede Globo, apresentada no “Jornal Nacional”, sobre a seca no Nordeste? Onde nada mudou em 100 anos? Apesar dos projetos bilionários de irrigação?
E os governadores e prefeitos do Rio de Janeiro e Minas Gerais, apenas para citar dois estados, sobre a crise da saúde ou a guerra das propaladas UPPs, onde crianças continuam morrendo com balas perdidas na eterna troca de tiros entre traficantes e policiais? E, no caso de Minas, sobre a omissão dos órgãos ambientais e de fiscalização sobre as poderosas mineradoras, grandes doadoras de campanhas políticas, como aconteceu com o rompimento da barragem da Samarco, controlada pela Vale e pela BHP, o maior acidente ecológico do país? Que matou, destruiu, poluiu rios, flora e fauna e deixa centenas de pessoas na passagem de ano sem qualquer perspectiva de recuperar o que perderam; muito menos de esperança e de futuro.
Por trás dessas crises, seja na saúde, na indústria, na seca do Nordeste, entre as dezenas de outras, o que comemoramos? A omissão do poder público, que não cumpre o seu dever? A omissão dos governantes, que abrem as comportas de recursos para museus do século XXI, para shows da virada, ou megaeventos tipo Copa e Olimpíadas e vão à televisão confessar, com a maior cara de pau, que o estado está quebrado e não há recursos para comprar esparadrapos ou remédios?
Convenhamos, a maioria dos brasileiros, que só fica sabendo dos grandes eventos pela TV, como algo muito distante da sua realidade, não está nem um pouco ligando se vai dar certo ou não; ou quantos turistas esses eventos atraíram. Até porque seu dia a dia está tão complicado, com dívidas acumuladas, falta de água ou excesso de água, pelas enchentes, preço da energia duas ou três vezes mais caro, transporte ou trânsito cada vez mais difícil, sucateado ou congestionado, e em cada família pelo menos um ou dois desempregados, que não dá tempo de pensar no que vai acontecer em 2016. Porque 2015 ainda não acabou. Deixou um rastro de destruição, de contas atrasadas, e de sonhos frustrados que poderão se estender por este ano e talvez até 2017...
2015 se despede com aquele gosto amargo de fracasso. Em qualquer sentido que olhemos. Recheado de notícias diárias dos desvios de bilhões, perpetrados nas barbas do governo por políticos, agentes públicos, empresários, lobistas, operadores, todos indicados, amigos do peito ou muito próximos dos governantes que deveriam primar pela ética e pela boa gestão dos recursos públicos. E não fingir que não sabiam, para se esquivar da responsabilidade.
O pior é ouvir da presidente da República recados pelo Twitter de que fez isso ou aquilo e que fará aqueloutro. Depois de tudo que prometeu ano passado, na campanha, e não cumpriu, será que restou algum crédito para acreditar no que diz? Apenas palavras desacompanhadas de ações efetivas de nada servem. Os cortes de ministérios, salários, cargos comissionados anunciados com pompa e circunstância há três meses, ficaram apenas na promessa. Lamentavelmente, chegamos num ponto em que o principal mandatário da nação não passa a mínima credibilidade. E não fosse pelas claques contratadas para ouvi-la em auditórios fechados, não poderia mais falar à nação.
Mais ou menos como um diretor-presidente na empresa, ter fracassado em todos os quesitos que marcam uma boa gestão. No último dia do ano, resolve reunir os empregados para se desculpar, como também para pedir motivação, mais trabalho, esforço, compreensão, porque, lamentavelmente, em 2015 a gente não conseguiu vender mais nem atender bem; não conseguiu melhorar o salário; não foi possível distribuir participação nos lucros, porque a empresa deu prejuízo; está quase quebrada, com a imagem no chão; porque descobriu que alguns executivos desviaram bilhões da sua maior filial; gastou mais do que tinha em caixa, com investimentos que não deram certo; não conseguiu reduzir os cargos da diretoria, porque a família controladora não deixa; ou porque não choveu e não havia reserva de água para melhorar a produção; a energia ficou tão cara, que precisou desligar algumas máquinas. Mas, pede ele, "se vocês se esforçarem bastante, abrirem mão de parte do salário para recuperar o prejuízo desta empresa, se acreditarem em mim, nós poderemos chegar ao fim de 2016 um pouco melhor."
Algum empregado sairia dessa reunião motivado? Disposto a suar a camisa para recuperar a empresa durante 2016? Ou sairia de lá preocupado e, quem sabe, até mesmo pensando em mudar de emprego, se tivesse oportunidade? É mais ou menos o sentimento dos brasileiros, pelo menos de 95% dos que não têm nenhum motivo para comemorar, a não ser o próprio sacrifício, o seu trabalho pessoal, o apoio da família e a saúde que, unicamente por esforço próprio, ainda que o governo tenha tentado atrapalhar, eles conseguiram manter e realizar no ano que passou. Esses são os únicos vitoriosos, porque conseguem sobreviver e ainda dar exemplos de seriedade, ética, respeito aos outros. Felizmente, uma boa parcela do povo brasileiro.
De resto, os governantes e políticos, de Brasília ao menor município brasileiro, de qualquer agremiação partidária ou tendência, deveriam se envergonhar se não entregaram o que prometeram e têm o dever de entregar, pedir desculpas e, como aquele líder empresarial fracassado e, no limite, poderiam pensar em abrir mão do cargo para que surgisse alguém, talvez um iluminado, que infelizmente o Brasil no momento parece não ter, que viesse disposto a resgatar tudo aquilo que perdemos neste últimos anos e dificilmente conseguiremos recuperar em 2016.