Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro, ignorou alertas e criou rombo histórico nas contas públicas.
Desde 2013, técnicos do Tesouro Nacional alertaram o ex-Secretário Arno Augustin, assim como o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, para os riscos que as chamadas “pedaladas” fiscais ofereciam para o equilíbrio das contas públicas. Um ano antes da eleição, técnicos elaboraram um diagnóstico de 97 páginas sobre a situação fiscal e econômica do país.
Mantido em segredo, esse relatório, que escancara a forma irresponsável, para não dizer criminosa, com que a secretaria do Tesouro com o beneplácito do ministério da Fazenda e da presidência da República conduziu a gestão dos recursos do Tesouro, nos últimos anos, veio à tona nesta sexta-feira (11) na excelente reportagem de Leandra Peres, no Jornal Valor Econômico.
O trabalho investigativo do jornal, recheado de gráficos, links para documentos oficiais e informações preciosas para se entender o imbróglio em que o país está mergulhado, vai aos bastidores de reuniões do ex-secretário Arno Augustin – que muito provavelmente será responsabilizado pelo TCU – com técnicos que insistentemente fizeram relatórios de alerta sobre a chamada “contabilidade criativa” do governo. Lá em 2013, os técnicos projetavam um passivo de R$ 41 bilhões para o TN, ao final de 2015. Chega ao fim deste ano com um déficit de aproximadamente R$ 52 bilhões. Mas o documento foi tratado pela cúpula do Ministério da Fazenda apenas como “um ato de rebelião de escalões inferiores”, diz Leandra Peres.
Sem dúvida, a história pregressa das “pedaladas” é um documento para ser lido, discutido e analisado sob o prisma da irresponsabilidade com que se conduz os temas relevantes no governo e sob o aspecto da penalização que deve ser imputada a gestores públicos que atuam como militantes de uma causa. No caso, os atos irresponsáveis jogaram o país numa da maiores crises econômicas da sua história e ameaçam o mandato da presidente da República.
Não esquecer que as “pedaladas” fiscais foram reprovadas pelo TCU e “alimentam a crise política enfrentada pela presidente da República”. Os relatos de bastidores revelados pelo jornal mostram que o governo colocou em postos-chave gestores que tinham um compromisso com quem lhes indicou, com um projeto de poder, com um partido, e não com a boa gestão da coisa pública. Hoje, colhemos o amargo resultado dessa irresponsabilidade. Queda brutal nos investimentos, recessão econômica e mais de um milhão de empregos perdidos.
Alguns tópicos chamam a atenção na reportagem do Valor Econômico.
O aviso foi dado: pedalar faz mal
- Em novembro de 2013, “quando a burocracia do Tesouro Nacional alertava para uma trajetória fiscal arriscada, a economia brasileira era comandada pela “nova matriz macroeconômica”, definida por um câmbio artificalmente desvalorizado, juros reduzidos na marra e políticas de subsidios e desonerações setoriais, que, na prática jogaram o país na crise". O pior é que durante dois anos, o ex-ministro Guido Mantega especializou-se em enganar a população com um discurso tatibitate, sempre prevendo índices de crescimento e de queda da inflação que nunca se confirmavam. Enquanto ele previa o Paraíso, nos porões da Fazenda, a equipe dele fazia exercícios contábeis que jogaram o país no Inferno.
- Lá em 2013, os sinais de que a estratégia não estava dando certo já eram visíveis. Daí os alertas dos técnicos.
- Em vez de considerar e analisar os alertas dos técnicos, Arno Augustin, em reunião realizada em 22/11/13, deixou claro que havia convocado os presentes “para pôr fim ao que considerava uma rebelião contra a política econômica e não para tratar de cenários fiscais”.
- O temperamento do secretário incomodava tanto os funcionários “que cogitaram uma ação coletiva por danos morais”, que nunca foi adiante.
- O secretário “lembrou que a política econômica é definida por quem tem votos e ali, naquela sala, nenhum dos técnicos havia sido eleito”. O ato demonstra o caráter de subserviência de Augustin que seguia, certamente, as orientações caóticas de Mantega e de Dilma, as quais, ao fim e ao cabo, jogaram o país no túnel escuro em que se encontra.
- Os técnicos alertavam: "o prazo para um possível 'downgrade' é de até dois anos". Eles avaliavam o risco que, em função dos déficits apresentados, o país corria risco de ser rebaixado na avaliação de risco pelas agências de "rating". "Pouco mais de dois anos depois, em setembro de 2015, o rebaixamento da nota do Brasil ao grau especulativo foi anunciado pela Standard&Poor’s, principal agência de avaliação de risco soberano. O descrédito da política fiscal passou também a ser considerado um dos principais fatores responsáveis pela recessão de mais de 3% projetada para este ano", diz o Valor.
- “Questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do governo e davam margem a broncas, em vez de discussões”.
- Uma autoridade resumia o estilo bolivariano de Dilma e cia governar: “É um governo de muitas certezas e quase nenhuma dúvida”.
- A reportagem do Valor Econômico expõe o nível rasteiro e amador de discussões que terão impacto no país nos próximos 20 ou 30 anos, como, por exemplo, o projeto de privatização dos aeroportos, onde até o preço do pão de queijo (pasmem) ocupou a agenda presidencial. Tudo para viabilizar as viagens da Classe “C”, enxotada agora dos aeroportos pela política capenga e populista dos “gênios” que comandavam o Tesouro.
- Arno era a voz da Chefe (Dilma) nas reuniões, diziam os colegas. Em uma reunião, o menino de recados se afastou da sala para cumprir a ordem da Chefe: “Arno, seu cabelo está desarrumado, vá lá arrumar”. Ele era, dizem fontes ouvidas pela reportagem, “um homem do partido”, “um soldado”; “um cumpridor de tarefas”. Esses áulicos que rodeiam a burocracia dos governos são extremamente subservientes e perigosos, porque cumprem tarefas que atropelam a boa prática da convivência, da lealdade, quando não a lógica e a ética. Colegas de Arno diziam que “havia uma proximidade ideological entre os dois” (Ele e Dilma).
- As desonerações de impostos, que batiam a casa dos R$ 70 bilhões nos anos escuros de Mantega, “nunca foram tratadas como risco fiscal”. Eram discutidas apenas como “estímulo ao crescimento”. A megalomania que começou no governo Lula, inventor dos "campeões nacionais" como O Grupo "X" de Eike Batista, Oi, Sete Brasil e outras, contaminou os militantes instalados no governo. O resultado dessa farra, que foi omitida durante a campanha de 2014, e não pôde ser contida pela burocracia do Tesouro levou o país a "um processo de desajuste fiscal que deságua neste ano num déficit primário de R$ 119 bilhões, dívida bruta chegando a 70% do PIB e uma trajetória vista pelo mercado como insustentável."
- Ex-integrante do governo disse ao Valor que “o Mantega queria atingir a meta de superávit primário no fim do ano, não importava como”. O resultado foram operações bilionárias envolvendo o BNDES, a Caixa e o Fundo Soberano.
- Os descalabros não tardaram. “Com a tecnologia em mãos e sem dinheiro em caixa, o Tesouro passou a atrasar sistematicamente os repasses de recursos para a Caixa para o seguro-desemprego e o abono salrial ainda no segundo semestre de 2013, depois que as manifestações populares fizeram a popularidade presidencial despencar."
- O auge da crise entre o Tesouro e a Caixa se deu em maio e junho de 2014, em plena campanha presidencial. O presidente da Caixa deixou de falar com Arno sobre o assunto. Hereda alertou Mercadante (Casa Civil) e Mantega para o risco que a Caixa corria, levando o Conselho Fiscal ameaçar uma renúncia coletiva. Tudo em segredo. O Banco do Brasil também era credor e chegou a cobrar dívida de R$ 7,5 bilhões, No TCU, documentos dos técnicos alertavam que a dívida total com o BB, com as pedaladas, chegava a R$ 9 bilhões.
- À medida que as contas não fechavam e eram manipuladas, descobriu-se que “o secretário do Tesouro “pedalava” também os pagamentos de aposentadorias feitos pelos bancos privados”.
- Pior cego é aquele que não quer ver. “O Arno nunca enxergou o risco que estava correndo e nunca concordou que estivesse expondo o governo”, resumo um integrante do alto escalão que acompanhou as negociações, ainda segundo Leandra Peres.
- “Tudo no governo em 2014 foi decidido e pensado considerando o calendário eleitoral”. A preocupação de Arno ao longo de 2014 era produzir números bons na área fiscal para não prejudicar o debate eleitoral. No fundo, os burocratas posavam de estadistas em entrevistas; nas coxias, eles detonavam a economia apenas pelo apetite pelo poder, embevecidos com teses econômicas furadas, que pretendiam transformar o Brasil numa potência. Em lugar de caminharmos para nos transformarmos numa China, o que se vislumbrava no horizonte era uma Venezuela.
- Descoberto pelos erros e denunciado por criar dados positivos sem a devida comprovação, o governo tentou regularizar os pagamentos, abrindo mão da meta fiscal de 2014. Produziu um déficit de R$ 32,5 bilhões. Em 30/06/14, de acordo com o Tesouro Nacional, havia um rombo de R$ 57 bilhões.
- “Fizemos tudo o que ela pediu e agora ela nomeia o Levy? Isso não vai dar certo” (Arno Augustin).
Ilustração: Cícero - Charge publicada no jornal "O Globo", 10/06/15
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