Se 2008 será lembrado como o ano da crise econômica mundial, que derrubou bolsas, quebrou bancos e gerou desemprego em massa na Europa, Estados Unidos e outros países, 2014 ficará marcado como o ano da crise no Brasil. O país fracassou na economia, na política, no esporte, principalmente futebol, na segurança e na saúde. Sem falar no quesito da ética, ferida de morte pelo escândalo da Petrobras, talvez o maior caso de corrupção da história do país.
O pior é chegar ao fim do ano sem qualquer horizonte positivo para 2015. Enquanto países que mergulharam na crise econômica começam aos poucos a sair da crise, como EUA e Reino Unido, analistas avaliam que no Brasil nada irá melhorar antes de 2016.
As crises de 2014
Criou-se uma expectativa positiva para 2014, pelo menos desde que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo. Para o país, os negócios e a economia a Copa foi uma decepção. Os bilhões gastos em estádios, muitos deles elefantes-brancos geradores de despesas e ociosos, não foram compensados pelos dispêndios dos turistas, nem pelo crescimento do volume de negócios. Salvo alguns poucos segmentos e a Fifa, que leva a parte do leão, indústria e comércio tiveram desempenho pífio para um ano de evento da magnitude de uma Copa do Mundo.
Sob vários aspectos que se analise o desempenho do país em 2014, encontramos crises ou ameaça de crises graves. O país já experimentou aquela que promete ser uma das maiores crises de 2015, a de energia. Em fevereiro, apesar das negativas do governo quanto a uma ameaça, houve apagão geral no DF e em 13 estados do Nordeste. Durante o ano, principalmente com a dependência das termoelétricas, houve vários apagões pelo Brasil. E todas as análises criticam o modelo energético brasileiro, um cipoal de empresas, leis e exceções que acaba sempre no colo do contribuinte. Chegou-se ao cúmulo de existir energia para ser distribuída, mas o governo esqueceu de planejar as linhas de distribuição.
O ano foi marcado também pelas manifestações de rua. Apesar de o movimento ter nascido de uma reivindicação justa de jovens, acabou virando bagunça. Agrupamentos de baderneiros que começaram a causar danos ao patrimônio, foi visto também como ameaça às famílias, porque recebiam o apoio de jovens dispostos ao confronto, que depois iam se incorporar ao movimento.
Até a presidente da República foi surpreendida pela adesão de milhares de pessoas que foram para as ruas reivindicar melhorias no transporte, na segurança, na saúde. Só que a iniciativa foi abatida por uma minoria que não respeita a vontade da maioria. As passeatas ou manifestações vieram como uma onda e nem a eleição conseguiu manter a mobilização.
Elas foram engolidas pelos Black Blocs, movimento anarquista, com jovens que até recebiam dinheiro de grupos ativistas ou partidos para fazer arruaças e jogar a opinião pública contra governos locais ou estaduais. O ápice dessa anarquia foi quando assassinaram o cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, após lançarem um rojão que explodiu em sua cabeça. Aí os governos resolveram endurecer, até porque o movimento já tinha o repúdio da população.
O governo federal demorou a agir e os estaduais foram patrulhados quando policiais quiseram reprimir as manifestações violentas. Durante vários meses, o país ficou refém de uma minoria de vândalos que incendiavam ônibus, destruíam carros, lojas, bancos, bens públicos sob a complacência dos governos e da polícia. No Rio de Janeiro, até o governador e a Assembleia Legislativa foram acuados pelos arruaceiros.
Após o repúdio, quando as autoridades resolveram agir, muitos foram presos e condenados, apesar de advogados da OAB fazerem plantão nas delegacias para apressadamente libertar a maioria deles, que agiam como criminosos. Em alguns casos, houve violência também da polícia, mas nessa guerra que tomou conta das ruas brasileiras em 2014, todos nós saimos perdendo.
Crises políticas
A crise mais grave do ano no âmbito político foi a trágica morte do candidato a presidente, ex-governador Eduardo Campos, em plena campanha eleitoral. A tragédia desarticulou a campanha da presidente à reeleição e chocou a oposição. De repente teve uma candidata, Marina Silva, surpreendentemente, na frente das pesquisas eleitorais.
No fim do ano, a revelação ainda não oficial de que pelo menos 28 políticos estão nas listas dos informantes da PF e MP, que aceitaram a delação premiada, causou rebuliço em Brasília. Até a indicação de ministros atrasou por conta dessa lista.
Naturalmente que todos, sem exceção, negam qualquer contato ou envolvimento com os acusados. Mas não é à toa que os nomes apareceram. A lista ainda não circulou oficialmente. Mas no Congresso Nacional está todo mundo stand by para acompanhar a divulgação. E, pior: se o juiz Sérgio Moro não for desestabilizado pela "máfia" que tomou conta da Petrobras e de outras estatais, apoiada até por alguns políticos, muitos deles poderão – a exemplo dos empreiteiros e executivos da Petrobras – passar o próximo Natal na cadeia.
Logo após o início da crise na Petrobras, foi criada uma CPI mista no Congresso Nacional para apurar as denúncias e irregularidades que emergiram das ações da PF. Jogou-se fora o dinheiro do contribuinte, porque essa CPI nasceu morta. Não queria, como conseguiu, chegar a lugar nenhum. Não foi útil para os órgãos fiscalizadores, nem para o Congresso, para a opinião pública ou para a própria Petrobras.
Crise econômica
O Brasil teve o pior desempenho na economia dos últimos dez anos. Todos os indicadores foram negativos. Enquanto a inflação subia para o teto da meta, os índices de crescimento do PIB afundavam. O Brasil fechará 2014 com crescimento praticamente zero. O pior entre as economias emergentes, num ano em que países como Estados Unidos e Inglaterra deverão apresentar crescimento acima de 2% e os emergentes, exceção apenas à Rússia, também crescerão mais do que o Brasil.
As entrevistas do então ministro da Fazenda eram verdadeiras peças de ficção e só não eram piores dos que as suas previsões, que nunca davam certo. O mercado, os empresários passaram a não acreditar mais na equipe econômica, o que gerou um clima de desconfiança e insegurança em relação ao próximo ano. Resultado: caiu o volume de investimentos no país e a Bolsa de Valores afundou junto com as promessas de lucros e de royalties da Petrobras nas águas do Pré-Sal.
A crise econômica no país se agravou na medida em que a inflação subiu, o crédito escasseou e o número de brasileiros endividados chegou a 57 milhões, mais de um quarto da população. O nível de emprego ainda é bom no país, mas pela primeira vez nos últimos anos as vagas não cresceram, principalmente no segundo semestre.
Para encerrar o ano, os brasileiros tiveram que engolir a fórceps um projeto de Lei aprovado pelo Congresso, em meio a protestos da oposição, que autoriza o governo a reduzir o superávit primário e, com isso, poder fechar as contas de 2014. Esse decreto desmoraliza o esforço do país para tornar as contas mais transparentes e os governantes mais responsáveis. Quando o governo patrocina um “estupro” dessa natureza, condenado por todos os analistas de bom-senso do mercado, o que mais esperar do Congresso e do Palácio do Planalto?
Crise da Petrobras
2014 também será lembrado pelo ano em que se revelou o maior esquema de corrupção numa empresa brasileira da história. Até agora ninguém sabe o montante de recursos desviados da Petrobras; em propinas, aplicações em projetos fajutos ou que estão sob suspeita dos órgãos reguladores de terem servido para sonegação, evasão de divisas e pagamento de propinas. Estimativas do banco americano JP Morgan, calculam os desvios na Petrobras na ordem de US$ 21 bilhões. O MP já conseguiu mapear e atribuir responsabilidades sobre US$ 10 bilhões.
Uma verdadeira quadrilha (que outra palavra usar?) criou um esquema de propina na Petrobras de dar inveja à máfia italiana. Diretores, gerentes superfaturavam obras para empreiteiras amigas, que ganhavam licitações com preços combinados num cartel, e elas deveriam pagar uma propina aos prepostos indicados, valor este para ser repassado a três partidos: PT, PP e PMDB, cabendo também aos intermediários uma comissão bilionária. Um único gerente da Petrobras, no acordo de delação premiada, já concordou em devolver o equivalente a US$ 97 milhões (R$ 260 milhões). A crise da Petrobras não apenas tirou a presidente e a empresa do foco dos negócios, como teve um efeito perverso sobre toda a cadeia de negócios e fornecedores da empresa.
O Cartel de São Paulo
O fato não começou em 2014, mas durante o ano as investigações avançaram. A Justiça apura um esquema de fraudes em licitações do metrô de São Paulo e da Cia Paulista de Trens Metropolitanos, envolvendo várias multinacionais. Esse esquema teria sobrevivido a vários governos do PSDB (entre 1998 e 2008) e foi revelado quando, em 2013, a Siemens confessou ter participado e negociou a delação premiada para fugir de penalidades e multas.
Quem mandou a filial brasileira da Siemens se acusar foi a matriz alemã, até porque a empresa já vinha sofrendo pressão internacional desde que a imprensa brasileira divulgou seu envolvimento nos desvios do trem metropolitano de S. Paulo. Várias empresas, além da Siemens, estão citadas no inquérito que apura o cartel nas licitações do metrô da capital: Alstom, Bombardier, CAF e Mitsui.
Sete empresas são suspeitas de participar do esquema e a Justiça Federal mandou bloquear R$ 600 milhões desses acusados. No fim deste ano, a PF concluiu o inquérito que denuncia à Justiça 33 pessoas por corrupção ativa, cartel, crime licitatório, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Segurança
Considerado um dos maiores problemas do país em várias pesquisas realizadas ao longo do ano, a insegurança continua sendo uma marca brasileira. Os governos, incluindo os estaduais, não conseguem conter a onda de violência. Nem as UPPs, cartão de visita eleitoreiro do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, que saiu corrido do governo, mas elegeu o sucessor, conseguem amenizar a insegurança que reina nas grandes cidades, principalmente. Além de matarem e confrontarem policiais, a ação dos bandidos coloca em xeque até que ponto essa é uma política correta, pelo alto custo de estendê-la.
Só no Rio de Janeiro, este ano, foram mortos mais de 100 soldados da polícia. Nem o Exército conseguiu reprimir a ação dos bandidos na favela da Maré, uma das mais violentas do Rio. Em São Paulo, o crime organizado continua dando as cartas. Comandam ações de bandidos e mandam incendiar ônibus. Só na capital paulista e entorno, o número de ônibus incendiados este ano passa de 150.
Em 2013, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou 53,6 mil assassinatos no Brasil. A ONU classifica como uma epidemia a taxa que supera a incidência de óbitos superior a 10 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, esse índice é de 26,6 casos.
Desastres Naturais
O Brasil não viveu grandes tragédias ecológicas em 2014. Mas São Paulo enfrenta a maior seca dos últimos 80 anos, comprometendo já a distribuição de água para alguns bairros. Apesar dos desmentidos do governo de S. Paulo de que não haveria racionamento de água, após a eleição o discurso oficial mudou. Governantes podem não ser culpados de crises climáticas, como uma seca. Mas podem ser responsabilizados se não tomaram as precauções enquanto a crise dava sinais de que ia se agravar.
Em São Paulo, o discurso oficial sempre negou sequer a ameaça de faltar água. Com isso, atrasou a mobilização da população para a necessidade de economizar água. No limite entre ter que admitir escassez grave de água e um discurso nebuloso, o governo preferiu o último. Mas a seca não ocorre só em S. Paulo. O Nordeste padece há anos de uma seca histórica que inviabiliza a agricultura em várias regiões. Trata-se de uma calamidade, esquecida pelos governantes, numa região historicamente só lembrada em época de eleição.
A transposição do Rio São Francisco, um projeto megalômano, mas questionado por ambientalistas, atrasado e também eivado de irregularidades, não resolverá a crise da seca no Nordeste. Poderá amenizar algumas áreas da região, sob o risco, este sim grave, de destruir o chamado "rio da integração nacional".
As crises nossas de cada dia
Difícil fazer um resumo, ainda que pontuado pelos acontecimentos mais graves cobertos pela imprensa, das crises de um país em 2014. Existem várias outras crises que perpassam pelo dia a dia dos brasileiros e aparecem vez ou outro na mídia. Mas não se pode falar em crise no Brasil sem mencionar, por exemplo, a autêntica guerra do trânsito, uma das mais cruéis crises brasileiras, que ceifa a vida de aproximadamente 55 mil pessoas por ano.
A maioria das vítimas, mortas ou inválidas, está numa idade produtiva. A cada 12 minutos morre um brasileiro em acidente de trânsito. Corresponde à lotação de um Boeing com 120 pessoas caindo por dia no Brasil. É isso mesmo. E não vemos tristeza, contrição, disposição para reverter isso com se vê em acidentes de avião.
A outra crise diária brasileira ocorre no silêncio ou na omissão das portarias dos hospitais, principalmente públicos. Milhares de pessoas diariamente ficam sem atendimento ou são mal atendidas por médicos, enfermeiros e servidores inescrupulosos. Alguns faltam ao trabalho pelas mais diferentes razões, inclusive salariais. Outros por falta de compromisso.
Mas não há dúvida de que pelo Brasil existem milhares de médicos e profissionais de saúde abnegados que, mesmo sob precárias condições de atendimento, sem material, sem equipamentos, fazem das tripas coração para salvar vidas ou amenizar o sofrimento. Mas esses são as exceções. A saúde brasileira continua muito doente. Mais por culpa dos governantes do que dos profissionais de saúde. E não há perspectivas de cura a curto prazo.
Lamentavelmente, as greves que marcaram o ano de 2014 e deixaram milhões de pessoas sem transporte; sem aulas nas universidades ou colégios; a burocracia que emperra os negócios e a vida do cidadão, que procura as repartições públicas; a falta de saneamento básico que teima em persistir nas grandes cidades, sob o olhar complacente dos governos; as obras faraônicas, que torram o dinheiro do contribuinte, tão escasso para outras prioridades, enfim, são essas as crises que todos os dias incomodam a vida do brasileiro e deixam o nosso país cada vez mais distante de se tornar desenvolvido, e onde os governos estejam comprometidos com as demandas sociais e não em fazer acordos políticos para sobreviver politicamente.