Obama no cemiterio"O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, empilhados pedra por pedra por milhares de anos", escreveu o grande filósofo espanhol José Ortega y Gasset em seu livro, "Para uma filosofia da História", no ano de 1941. Embora nos orgulhemos de sempre "querer começar de novo", a civilização exige que nós nunca quebremos a nossa continuidade com o passado. Afinal, a própria memória do que se passou gravemente errado se torna exigência clara para o progresso."

Assim começa artigo de Robert Kaplan, publicado no site de notícias Real Clear World, a propósito de líderes que erram e, apesar dos erros, se levantam e conseguem se transformar em personagens decisivos da história. Muitos enfrentaram crises graves, muitas de âmbito pessoal. Mas aprenderam e conseguiram em parte se recuperar. 

“Não falhar, não cometer erros, é desumano. E não há mais personalidades inexperientes e desinteressantes do que aquelas que dizem ou sentem que sempre têm razão e que nunca conheceram a humilhação. Fracassar e estar errado são coisas que devemos valorizar como prêmios caros, e aprender constantemente; isso é mais valioso que dinheiro no banco ou diplomas de escolas de elite. Os jovens são vistos como imprudentes e superficiais, não porque eles foram feitos assim, mas porque ainda não acumularam os anos suficientes para cometer os tipos de erros humilhantes e sofrer as dificuldades que são uma pré-condição para o verdadeiro enriquecimento do caráter.”

Robert Kaplan*, jornalista americano, correspondente da revista literária e cultural The Atlantic, colunista de vários jornais americanos, entre eles o The Washington Post, The New York Times e Wall Street Journal, além de colaborador de sites de análises de cenário, faz uma incursão pela história, dos gregos à Idade Média, para explicar porque os erros nem sempre representam uma derrota. “Sem os erros de carreira cometidos por Tucídides e Maquiavel, poderíamos nunca ter tido a Guerra do Peloponeso e “O Príncipe”, indiscutivelmente as duas maiores obras seminais de relações internacionais.

“Tucídides era um general ateniense cujo exército em 424 aC não conseguiu retornar de Tasos a tempo de salvar a cidade de Amphipolis das forças espartanas. A Guerra do Peloponeso foi escrita por Tucídides em pleno conhecimento de sua própria desgraça. A objetividade escaldante e realista do livro que lhe deu uma quase sensibilidade moderna, é, sem dúvida, integralmente ligada à própria apreciação do autor aos limites e restrições de base que, por sua vez, ocorreram em decorrência de sua própria vergonha e desgraça.

No início do século XVI, Maquiavel foi um dos principais diplomatas de Florença. Mas em 1512 a sua carreira terminou abrutamente quando a família Médici, ao retornar do exílio, o demitiu do cargo e o acusou de participar de uma conspiração anti-regime. Após a prisão, Maquiavel retirou-se para sua fazenda e em 1513 e escreveu "O Príncipe" - um clássico que desenhou a partir de sua própria experiência política: seus numerosos sucessos juntamente com sua humilhação pública.”

A visão de Kaplan sobre erros poderia se aplicar ao estudo da gestão das crises. Sabemos que cerca de 80% das crises vêm de erros de gestão, fracassos de governança, incluindo também os desvios de conduta, crimes de colarinho branco, fraudes, tudo nascido dentro das organizações. “Erros e fracassos de julgamento – diz o jornalista - não tornam o indivíduo automaticamente um sábio, mas eles podem levar a sabedoria, caso a pessoa esteja disposta a utilizar esses contratempos para crescer emocionalmente.

“Richard Nixon conseguiu a transição de um presidente americano em desgraça a um estadista respeitado. Embora essa transição tenha contido uma medida justa de cálculo por parte de Nixon, também contou com o seu crescimento pessoal. Bill Clinton observou entusiasticamente que poucos encontros que teve durante todos os seus anos como presidente dos Estados Unidos foram tão instrutivos quanto o seu encontro com Nixon, cuja sabedoria naquele momento tinha que ser indissociável do seu próprio fracasso.”

Kaplan recorda que muitos estadistas, hoje consagrados pela história, cometeram erros graves durante sua trajetória. Para alguns, a carreira política e a própria história de vida despontaram a partir desses erros. “Até os grandes estadistas possuem um registro de falhas. Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, calcularam mal a determinação dos norte-vietnamitas em 1969. Eles pensaram que poderiam bombardeá-los até a submissão; eles não conseguiram.

O ex-secretário de Estado James Baker pensou que a guerra na Iugoslávia não importava para os Estados Unidos em 1991-92, contudo importou. Como um membro do parlamento, Winston Churchill subestimou o perigo fascista japonês no início da década de 1930.  Uma década mais tarde, quando Churchill já era o primeiro-ministro britânico, os japoneses viriam a conquistar Singapura - indiscutivelmente a posse asiática mais valorizada da Grã-Bretanha.”

Costuma-se dizer que só não erra quem não faz. Para Kaplan, “Fracassos e análises falhas fazem parte de uma carreira normal. Eles não devem ser dispensados, mas podem ser internalizados como uma forma de melhorar o desempenho de um líder mais tarde. A história de sucesso é muitas vezes a história de voltar de algum tipo de falha e adversidade. O sucesso vem de frequência perguntando: O que eu errei, e como posso ter certeza que não cometerei um erro semelhante de novo?”

O artigo do jornalista faz essa introdução sobre a probabilidade do erro, a propósito do que está acontecendo hoje no mundo. Obama reconheceu na semana passada que os Estados Unidos subestimaram a criação e fortalecimento do Estado Islâmico, o ISIS. Foi, portanto, uma falha grave de prevenção. Para Kaplan, “Isso tudo vem à mente por causa da recente implosão do Iraque. Os defensores mais proeminentes da Guerra do Iraque, como o ex-vice-presidente americano Dick Cheney e o ex-vice-secretário de Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, não estavam há muito tempo na mídia culpando o presidente dos EUA Barack Obama pelo mau rumo dos acontecimentos.”

Ele não perdoa os chamados falcões de Washington, muitos ex-colaboradores do governo Bush, que  ajudaram a empurrar os EUA para as guerras mais recentes. “Eles podem ter uma razão para culpar Obama. Eles também podem ter um ponto em defender a invasão americana ao Iraque em 2003, mas o que irritou as pessoas, creio eu, é menos suas posições em si do que a ausência de qualquer sutileza que emana de seu remorso pessoal em seus argumentos. Quaisquer que sejam suas opiniões particulares, suas declarações públicas em si não indicam que eles aprenderam alguma coisa mais do que simplesmente a questão política mais comovente de suas vidas profissionais.”

“Isso é uma vergonha porque, a partir de seus currículos, homens como Cheney e Wolfowitz deveriam ter muita sabedoria para transmitir. Afinal, Cheney antes de ser vice-presidente foi um dos secretários de defesa mais impressionantes da América da era moderna, sob o presidente George HW Bush. Cheney também foi chefe de gabinete do presidente Gerald R. Ford na década de 1970. Isto é, em qualquer medida, uma longa carreira no governo. No entanto, suas declarações não trazem a profundidade da visão que deveria vir junto com essa carreira. Em uma palavra, ele não parece ter usado o seu fracasso no Iraque para qualquer utilidade.”

“O mesmo se passa com Wolfowitz, o muito poderoso ex-subsecretário de defesa sob George HW Bush, antes de se tornar o vice-secretário de Defesa do presidente George W. Bush. Wolfowitz também foi ex-embaixador na Indonésia, ex-secretário de Estado adjunto para a Ásia Oriental e ex-chefe de gabinete de planeamento da política do Departamento de Estado - outra longa carreira a partir do qual muita visão normalmente deve emergir. E, de fato, Wolfowitz é sábio em uma série de temas, especialmente Ásia Oriental.

“Mas, novamente, como Cheney, ele não se expressou publicamente de uma forma que emanasse sabedoria de que ele fez a respeito do Iraque. Não parece ter havido pouco crescimento pessoal, ainda que, dada a extensão da vergonha amontoada sobre ele por causa do Iraque, deve ter havido. O fracasso deve levar a pessoas mais profundas e interessantes que essas”, diz o jornalista.

O jornalista, como grande parte da mídia americana, há cerca de 13 anos, se penitencia por ter apoiado a guerra no Iraque. “Eu também apoiei a Guerra do Iraque, algo que lamento e que eu nunca deixei de mencionar quando escrevo sobre o Iraque ou um assunto relacionado. Já escrevi longamente em outros lugares sobre o que eu aprendi com a experiência. Só espero que isso tenha me feito uma pessoa melhor e um analista melhor, mas isso é para os outros julgarem.”

Finalmente, diz Kaplan, “De qualquer modo, o fracasso deve levar a mais do que apenas culpar alguém pelo rumo dos acontecimentos, como esses apoiadores da guerra do Iraque acusam Obama. E deve levar a mais do que apenas oferecer um simples ponto de vista contrário, por mais interessante e útil que este possa ser muitas vezes. O fracasso realmente oferece riquezas a serem sondadas. Como Ortega y Gasset observaram, é de falhas que o progresso humano e pessoal são feitos.

Ou, para citar o escritor irlandês Samuel Beckett: "Tente sempre. Erre sempre. Não importa. Tente novamente. Erre novamente. Erre melhor.”

*Robert Kaplan é Chefe de Análise Geopolítica da Stratfor, empresa de inteligência geopolítica, e autor do livro Asia's Cauldron: The South China Sea and the End of a Stable Pacific

Tradução: Jessica Behrens – Edição: João José Forni

A íntegra do artigo em inglês está disponível em

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