A presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, ofereceu um contrito pedido de desculpas em rede nacional, nesta segunda-feira, a propósito do naufrágio ocorrido em 16 abril, com um Ferry Boat, que vitimou 286 pessoas, com 18 ainda desaparecidas. Somente 172 pessoas foram resgatadas com vida. A maioria das vítimas eram estudantes adolescentes de uma escola de Incheon, no noroeste do país, em viagem de férias.
O pedido de desculpas da Presidente coreana, o segundo em menos de um mês, demonstra a vergonha do governo pela falta de fiscalização sobre o transporte marítimo, evidenciada pela quantidade de erros dos responsáveis pela empresa de navegação, que acabou no mais grave acidente naval da Coreia dos últimos 30 anos. Veja artigo neste site, com os principais erros cometidos nesse acidente.
Desculpas nas crises
O pedido de desculpas nas crises graves faz alguma diferença para amenizar o efeito negativo do evento? A maioria dos especialistas acredita que sim. No livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar crises corporativas” esse tema foi abordado e fica claro como desculpas sinceras podem mitigar o efeito da crise.
“Não é pecado nem humilhante pedir desculpas. Uma simples e sincera descupa. Nós lamentamos profundamente o que aconteceu. Ou Nós cometemos um erro e admitimos a parcela de culpa. Estamos empenhados em reparar o erro cometido pela empresa (ou por nosso empregado) e faremos o possível para minimizar o prejuízo/ou o mal causado pelo acontecimento. É aquele sentimento de pesar que qualquer pessoa gostaria de receber de alguém que lhe causou profundo dissabor, tristeza, prejuízo.”
Pedido de desculpas é uma forma de reconhecer o erro e humilhar-se perante as pessoas prejudicadas. Mas desculpas, prossegue o livro “Gestão de Crises e Comunicação”, “muitas vezes, podem parecer uma panaceia na gestão de crises. E nem sempre funcionam. Principalmente, quando a opinião pública percebe que a empresa não fez nada ou não está fazendo nada para resolver o problema ou demorou a tomar uma atitude. A reação pode ser contrária: de indignação. Não adianta publicar uma nota como “Nós lamentamos profundamente...”, se o público percebe apenas palavras, discurso, mera formalidade."
Isso ocorre nos casos em que a empresa ou autoridades públicas foram relapsas no fato que gerou a crise e não demonstram de modo efetivo nenhuma atitude concreta para amenizá-la. Em outros casos, há um pedido de desculpas formal, logo após a crise, mas passado o primeiro momento de comoção a empresa responsável ou o próprio governo esquece das “vítimas”, entendido aqui como as pessoas atingidas pela crise.
Isso aconteceu, por exemplo, na pior tragédia climática da história do país, em 2011, no Rio de Janeiro, quando morreram ou desapareceram mais de mil pessoas. Os governos federal e estadual prometeram moradias para os desabrigados, anunciaram liberação de milhões de reais em recursos para recuperação de encostas, estradas, pontes, viadutos. Quatro anos depois, muitos desabrigados continuavam morando em abrigos ou recebendo auxílio-aluguel. As promessas não foram cumpridas. Prefeitos das cidades da região desviaram recursos destinados à recuperação. Não há desculpas que funcionem num caso desses.
As desculpas dos coreanos
Nos países orientais, como é o caso da Coreia do Sul, desculpas são sentimentos que realmente demonstram o estado de tristeza e vergonha das pessoas, incluindo governantes. Aquilo que a literatura de Crisis Management chama de “compassion”, palavra sem uma tradução exata em português, mas que demonstra aquele sentimento de pesar, mais do que compaixão, pena, comiseração pelo acontecido.
O sentimento expresso pelas autoridades coreanas, após os erros primários de fiscalização cometidos nesse acidente, realmente se aproxima do sentido da palavra “compassion”. Como se o governo quisesse dizer aos parentes das vítimas, principalmente aos pais: sinto muito, gostaria de estar no seu lugar para sentir a dor que você está sentindo. É um sentimento interpretado pelo Budismo como destinado a aliviar o sofrimento das pessoas atingidas por um ato de responsabilidade de outros, e expresso quando estes sentem um grande parcela de culpa. No caso, o governo coreano.
O acidente com o Ferry Boat, que causou grande constrangimento ao governo, foi levado tão a sério, a ponto de causar a demissão do Primeiro Ministro coreano. Certamente, pelo fato de ter ficado evidente falhas gravíssimas de fiscalização do transporte marítimo e, posteriormente, à lentidão e incapacidade operacional de fazer um resgate rápido dos jovens presos no navio. Os parentes não pouparam críticas ao governo e aos responsáveis pelo resgate.
Além do professor responsável pela excursão dos alunos, que estavam no navio (aproximadamente 200 vítimas fatais eram estudantes da mesma escola), ter cometido suicídio, houve outras tentativas de suicídios de parentes, devido à comoção pela forma irresponsável como os alunos, muitos deles crianças, morreram.
Ao pedir desculpas, novamente, pelo acidente, a presidente coreana anunciou reformas, incluindo a dissolução da Guarda Costeira, responsável pela fiscalização dos transportes e também pelo resgate dos náufragos, ocasião em que também aconteceram vários erros.
Entre os principais pontos do plano de crise, a presidente anunciou:
- criação de uma nova agência anti-desastre, para prevenir e responder a desastres;
- dissolver e integrar a guarda-costeira nacional, incorporando-a ao novo órgão anti-desastre;
- criar centros de monitoramento de tráfego marítimo, sob a guarda dessa nova corporação anti-desastre;
- restringir funcionários do governo de ocuparem postos de trabalho em empresas privadas, relacionadas com órgãos públicos, para evitar conluio entre reguladores e as que regulam;
- indicar um promotor independente, se necessário, para se concentrar nas ações sobre o naufrágio do Ferry Boat Sewol;
- ter uma lei especial promulgada para definir um painel de averiguação, se necessário;
- Designar o dia 16 de abril como o Dia Nacional da Segurança;
- Fortalecer ou incrementar exercícios de segurança.
Para se ter uma ideia de como é difícil aceitar desculpas, quando os erros são tão evidentes, como nesse caso, o Wall Street Journal fez uma enquete pela internet, a partir do momento do anúncio das desculpas e medidas emergenciais da Presidente coreana. O resultado , até agora, é implacável: 95% dos respondentes optaram por dizer que não ficaram satisfeitos com as ações anunciadas. Talvez porque, quando o erro toma essa dimensão, seja extremamente difícil admitir o perdão para os responsáveis, mesmo com toda a sinceridade das desculpas.
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