Por que temos uma semana de 40 horas de trabalho (e porque devemos repensar isso)?
"Contanto que você faça suas oito horas de trabalho". Eu costumava ouvir muito essa frase. A ideia é, desde que você trabalhe durante um determinado período de tempo (normalmente pelo menos oito horas ou mais), você irá fazer bem o seu trabalho e será bem sucedido."
“Praticamente desde o dia em que pisamos em uma sala de aula, nós aprendemos que oito horas de trabalho por dia é o que devemos fazer. Os dias letivos duram oito horas e as aulas geralmente são estruturadas por faixas de tempo, ao invés do que é cumprido nesse período. Quando você começa um trabalho, geralmente parte ou a totalidade do seu salário é baseado em horas trabalhadas.”
O artigo sobre "por que trabalhamos 40 horas semanais", de autoria de Mikael Cho, foi originalmente publicado no Blog ooomf. Posteriormente foi também publicado no site TNW The next Web.
“Desde o início do Blog ooomf, tenho feito grandes avanços no modo como faço meu dia mais produtivo, contudo, às vezes, ainda me pego olhando para o relógio, calculando quanto tempo eu deveria estar trabalhando ao invés de me concentrar no que estou fazendo no momento presente", diz o autor.
Pela importância para o momento atual, resolvemos publicar o artigo de Mikael Cho na íntegra, nas versões português e inglês. É uma profunda reflexão sobre como ocupamos nosso tempo e o que significa aproveitá-lo melhor, essa obsessão que o homem do século XXI parece carregar, cada vez mais escravizado pelas novas tecnologias e pela necessidade de fazer múltiplas tarefas ao mesmo tempo. Sem terminar nenhuma.
O artigo é intercalado com apresentações de dois conferencistas internacionais sobre o tempo e sobre a vida. Uma reflexão inquietante e instigadora. Quem de nós, todos os dias, não vive o dilema de achar tempo para cumprir tantas tarefas ou desempenhar tantos papéis que o mundo contemporâneo nos coloca à frente? Quem escapa da "visita cruel do tempo", parodiando o título do excelente romance de Jennifer Egan? Vamos ver o que Mikael Cho tem para nos dizer.
“Nos dias em que trabalho menos de oito ou dez horas, me sinto um pouco culpado, como se não estivesse me esforçando o suficiente. Mas esta é a maneira errada de pensar. No Blog ooomf, nós não trabalhamos com um horário fixo. Dois dos meus co-fundadores preferem trabalhar até tarde da noite, enquanto eu gosto de começar a trabalhar no início do dia”, diz o autor.
Por que a empresa não tem horário fixo? “Porque nós temos diferentes níveis de energia em momentos diferentes, seria improdutivo para os meus co-fundadores trabalhar às 9 horas (assim como seria ineficiente para mim trabalhar às 2 horas da manhã).”
Horário de trabalho guiado pelo nível de energia
“É claro que há momentos em que é necessário agendar uma hora para nos reunir durante o dia e discutir assuntos importantes (e há muitos dias em que todos nós trabalhamos a noite toda), mas o importante é que o nosso horário de trabalho é raramente determinado por número de horas, mas é guiado pelo nosso nível de energia.”
“E, mais importante, nós vimos os resultados de trabalhar sem um cronograma definido na qualidade do nosso trabalho, na nossa produtividade e na nossa saúde. Mas trabalhar a partir de horários fixos é tipicamente a norma para profissionais que trabalham em tempo integral. Assim, eu gostaria de saber como esta agenda de trabalho de 40 horas surgiu e se há algum respaldo científico a respeito do porquê de termos trabalhado desta forma por quase um século.
Como a semana passou a ter 40 horas de trabalho
“Durante a Revolução Industrial, as fábricas precisavam estar funcionando o tempo todo, então os funcionários deste período frequentemente trabalhavam entre 10 a 16 horas por dia. No entanto, na década de 1920, Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, estabeleceu uma jornada de trabalho de cinco dias com 40 horas por semana.”
“Surpreendentemente, Ford não fez isso por razões científicas (ou unicamente pela saúde de seus empregados). Em vez disso, uma de suas principais motivações era reduzir as horas de trabalho de sua equipe para que seus funcionários tivessem tempo livre suficiente para sair e perceber que eles precisavam comprar coisas.
"Em uma entrevista publicada na revista World’sWork, em 1926, Ford explica por que ele mudou a rotina de trabalho de seus funcionários de seis dias e 48 horas semanais para cinco dias e 40 horas por semana, apesar de seus empregados continuarem a receber o mesmo salário:
"O lazer é um ingrediente indispensável em um mercado crescente de consumo, afinal as pessoas que trabalham precisam ter bastante tempo livre para encontrar usos para produtos de consumo, incluindo automóveis." - Henry Ford
“Assim, a jornada de cinco dias e 40 horas semanais de trabalho não foi escolhida como uma maneira de trabalhar por razões científicas. Em vez disso, foi em parte impulsionada pelo objetivo de aumentar o consumo."
Hábitos noturnos versus diurnos
Segundo Mikael Cho, “o corpo mantém a noção do tempo em uma parte do seu cérebro chamada núcleo supraquiasmático (ou SCN). Localiza-se atrás dos olhos, onde as fibras do nervo óptico se cruzam, permitindo que o cérebro use sinais de luz do ambiente para ajudar a manter o controle de tempo”.
"Luz e genética são os dois fatores principais que ajudam seu corpo a dizer o tempo, estabelecendo um ciclo natural de níveis de energia (um ritmo circadiano) durante todo o dia. Eis alguns dos principais eventos que acontecem em seu corpo, como parte de um típico relógio biológico de 24 horas:
“O comprimento do um ciclo de 24 horas pode ser mais longo ou mais curto devido à genética. Se o seu ciclo é um pouco mais longo, um indivíduo é considerado (night owl) de hábitos noturnos. Todavia, se o ciclo é um pouco mais curto, é mais provável que você tenha hábitos diurnos (early riser)”, diz Katherine Sharkey, MD, PhD, diretora associada do Sleep for Science Research Lab. Os pesquisadores ainda apontaram que o comprimento de um determinado gene, chamado Período 3 ou "gene do relógio", poderia ser o maior responsável pelo ciclo de sono-vigília."
Os “noturnos” superam os “diurnos”
“Um típico dia de trabalho para a maioria de nós geralmente começa às 7 horas e termina em torno das 17 horas. Este projeto de vida realmente só funciona bem para um tipo de indivíduo, o madrugador (early riser).
“Se você prefere trabalhar à noite (como 44% das mulheres e 37% dos homens), então você está sempre preso, se arrastando em um momento em que os seus níveis de energia estão baixos e seu trabalho, em última análise, sofre. Porque pessoas “noturnas” acordam mais tarde, elas às vezes ganham até a reputação de preguiçosas. Afinal, elas estão dormindo, enquanto o resto do mundo está a mil .
“Contudo, uma pesquisa recente da Universidade de Bruxelas sugere que os “noturnos” (night owl), ou noctívagos, podem superar os “diurnos” (early riser) na quantidade de tempo que podem permanecer acordados e alertas, sem ficarem mentalmente cansados. Os pesquisadores realizaram um estudo com indivíduos madrugadores e com noctívagos. Os madrugadores acordaram entre 5 e 6 horas da madrugada, enquanto os outros acordaram ao meio-dia .
“Os participantes passaram duas noites em um laboratório de sono, onde os pesquisadores mediram a atividade cerebral, observando a agilidade e a capacidade de concentração. Depois de dez horas acordados, os madrugadores mostraram atividade reduzida em áreas do cérebro associadas à atenção e também completaram tarefas mais lentamente dos que acordam tarde. "São os “noturnos" que possuem a vantagem, podendo superar os “diurnos", disse Philippe Peigneux , um dos editores do estudo.
“Forçar alguém a trabalhar cedo (ou tarde) não leva necessariamente a melhores resultados. Indivíduos noctívagos podem ser tão produtivos (se não mais) quanto diurnos. Eles simplesmente são mais produtivos, em um horário diferente."
A importância de dar um descanso
“Porque nossos corpos foram projetados para trabalhar em ritmos, não por horas intermináveis a fio, pausas são muitas vezes tão importante quanto o trabalho que fazemos. Uma pesquisa discutida no livro Creativity and the Mind mostrou que pausas regulares melhoram significativamente as habilidades de resolução de problemas, em parte tornando mais fácil o acesso à memória para encontrar pistas.
“Concentrar-se apenas no seu trabalho durante quatro ou cinco horas, sem parar, limita as chances de fazer novas conexões neurais perspicazes, dificultando quando é necessário ser criativo. Algumas empresas têm adotado essa necessidade de remover o trabalho para melhorar a produção e a criatividade.
Em uma palestra no TED* (íntegra aqui), o designer gráfico Stefan Sagmeister, explica a importância do tempo livre e por que ele fecha seu estúdio de design por um ano. Sagmeister diz que este retiro do trabalho permite que ele e seus colegas ganhem novas perspectivas e se atualizem, produzindo, em última análise, um trabalho melhor. TED é uma organização não lucrativa dedicada a divulger ideias, com artigos, estudos, pesquisas e conferências curtas sobre temas das mais diferentes disciplinas e culturas.
“Uma empresa de web, Quirky, está trabalhando em um experimento para encerrar as atividades por quatro semanas a cada ano. Aqui está um trecho de um email do CEO, Ben Kaufman, enviado ao pessoal do Quirky:
“Nós vamos desligar toda a máquina durante quatro semanas no próximo ano. Em vez de trabalhar por 52 semanas, trabalharemos 48. Este é um completo e obrigatório desligamento de todas as atividades internas. Luzes apagadas. Respire fundo ... Nossa tese é centrada em torno do fato de que isso vai levar a um melhor trabalho, a mais belos produtos e a uma equipe emocionalmente equilibrada.”
Tire uma folga não apenas pela sua criatividade (mas pela sua saúde)
“Dar-se uma pausa pode não só beneficiar a sua criatividade, mas também a sua saúde. Dan Buettner, um escritor da NationalGeographic recentemente montou uma equipe de pesquisadores para observar três comunidades ao redor do mundo que têm as mais longas e mais saudáveis vidas no planeta.
“Em uma instigante palestra no TED* (íntegra aqui), Como viver até os 100+, Buettner mostra uma dessas comunidades, os Adventistas do Sétimo Dia, na Califórnia. Os membros dos Adventistas do Sétimo Dia devem ter um dia completo de folga por semana, não importa quão ocupados eles possam estar.
Buettner assinala que essa oportunidade para se reconectar com as pessoas e o mundo ao seu redor permite o alívio do stress. É provável que isso explique a razão pela qual os adventistas do Sétimo Dia têm cinco vezes mais o número de pessoas que chegam aos cem anos do que o resto do país. O palestrante também mostra outros núcleos populacionais do mundo onde é comum grande número de idosos terem mais de 100 anos e mostra muitas coisas em comum entre grupos de pessoas que vivem em regiões distantes entre si."
Quatro passos para a felicidade no trabalho
“Eu experimentei muitas técnicas diferentes para melhorar a forma como trabalho. Algumas semanas atrás, tentei não olhar para o relógio por um dia e, ao invés disso, confiar apenas em meus níveis de energia para me dizer o que deveria fazer (achei isso quase impossível e logo falhei nas duas primeiras horas) .
“Contudo, através de tentativa e erro, encontrei um sistema que já fez maravilhas para mim. Continuarei a tentar mais coisas para melhorar constantemente a forma como trabalho e então relatarei minhas descobertas, mas aqui está o que até agora descobri e que me ajudou a produzir o melhor trabalho da minha carreira."
1. Escreva uma lista realista de afazeres
"Faça uma lista de coisas que você deve fazer durante o dia, que tenha três ou quatro tarefas principais que você deseja que fiquem prontas. Porque os seus dias irão naturalmente encher-se com outras coisas, David Heinemeier Hansson, autor de 37signals, recomenda: Planeje 4 ou 5 horas de trabalho real por dia.
Planeje suas tarefas diárias com isso em mente. Isso o ajuda a criar uma lista de tarefas que você possa realmente executar, ao invés de uma que possua muitos itens e o faça se sentir mal, com a sensação de que está constantemente ficando para trás."
2 . Crie ciclos com o seu trabalho
"Você provavelmente tem diferentes tipos de tarefas para se preocupar. Para realizar mais coisas importantes, enquanto mantém seus níveis de energia equilibrados (para que você não tenha um ataque de “burnout”), tente quebrar o seu dia assim:
- Uma tarefa criativa: começar com sua tarefa mais criativa ou importante, antes que aquele email urgente apareça, irá ajudá-lo a sentir-se realizado. Quanto a mim, costumo acordar e trabalhar uma sessão de 90 minutos, na minha tarefa mais criativa, antes que eu sinta o meu cérebro e a minha concentração começarem a cansar.
- Uma pausa não cronometrada: seu intervalo pode ser 20 minutos de corrida, um cochilo, um lanche, ou simplesmente não fazer nada por alguns minutos. Isso lhe dá uma chance de refrescar e recuperar o poder mental antes de iniciar sua próxima tarefa. Mantendo sem cronometração, você estará usando seus níveis de energia como um guia para quando deva começar a trabalhar de novo, em vez de adotar uma quantidade rígida de tempo.
- Uma tarefa mundana: ao juntar suas tarefas mundanas e fazê-las todas de uma vez, você irá economizar tempo. Verifique todos os seus emails ou tente fazer todas as ligações de uma vez. Dessa forma, quando você voltar a uma tarefa criativa, não terá a nuvem de uma centena de emails pairados sobre sua cabeça.
- Outra pausa não cronometrada.
- Repita: tente passar por este ciclo de três a quatro vezes por dia."
3. Um dia sem trabalho
"Steve Blank, o pioneiro do movimento Lean Startup usa um dia por semana para se retirar completamente do trabalho. Minha noiva e eu fazemos a mesma coisa. Uma noite por semana, temos um período previsto onde passamos o tempo todo sem falar nada relacionado ao trabalho.
Tente esquecer completamente o trabalho por um dia. Quando você retornar ao trabalho no dia seguinte, provavelmente se sentirá inspirado e impulsionado. Isso te ajudará a manter-se longe de distrações."
4. Encontre uma verdadeira métrica para medir suas tarefas
"É fácil contar horas, mas não é tão fácil descobrir uma outra forma de medir o trabalho que você faz em sintonia com o verdadeiro objetivo do que se está produzindo. Por exemplo, é fácil medir quantas horas você escreveu hoje, mas qual é o objetivo da sua escrita? É para simplesmente clarear seus pensamentos? Então talvez você devesse medir quantos dias seguidos você está escrevendo.
"É para aumentar seu público de modo a que mais pessoas comprem o que você está vendendo? Então, talvez, você deva avaliar as vendas que resultam de cada post que você escreve no Blog e não o número de mensagens escritas.
"Acompanhe o seu progresso usando uma dessas métricas e sua mentalidade pode mudar de "eu trabalhei x horas para fazer isso" para "eu fiz isso que produziu x resultados". Este sistema é difícil de manter, porque um monte de coisas no mundo são projetadas para roubar sua atenção e eu me vi caindo nessa armadilha de vez em quando.
“Mas, se você tentar (mesmo que apenas por um dia ou algumas horas) poderá descobrir uma das formas mais produtivas de você trabalhar, assim como eu fiz. Não estou dizendo que você deva se demitir ou que esteja sem saída, se você trabalha em uma empresa que exige que você esteja lá por um determinado número de horas. A coisa importante a lembrar é que não é sobre a quantidade de horas trabalhadas, mas é o que você faz nessas horas que conta."
Tradução: Jessica Behrens. Edição: João José Forni
*Palestras no site do TED. Ao abrir, clique em Download, e escolha se quiser assistir com legenda em português.
Fontes