O caso Petrobras
Nenhum brasileiro tem dúvidas da importância da Petrobras para o país. É uma das “meninas dos olhos” do governo, daquelas empresas que todo o mundo gostaria de comandar. E todo o país gostaria de controlar.
É uma das maiores empresas da América Latina e a 13a. companhia de petróleo do mundo. A Petrobras, criada no segundo governo Getúlio Vargas, sempre esteve na vanguarda dos movimentos nacionalistas e por isso é um ícone do patrimônio nacional.
Infelizmente, vez ou outra a Petrobras aparece menos nas páginas econômicas e mais nas páginas de escândalos políticos, porque todos os governos, de uma forma ou outra, se acham no direito de usar a empresa politicamente, até mesmo para fazer política monetária, como agora acontece com a manipulação do preço da gasolina e do diesel. Sem falar nas nomeações de apaniguados políticos, que mais cedo ou mais tarde redundam em denúncias graves de corrupção. São esses fatos e não o questionamento da mídia ou da oposição que arranham a imagem e a reputação da empresa.
A Petrobras, desde o ano passado, tem ficado na berlinda exatamente pelas notícias que refletem menos o potencial e a tradição da empresa e muito mais a ingerência política que acaba sendo perniciosa para os resultados das empresas estatais, porque os interesses, nesses casos, são quase sempre mais privados do que públicos.
A mais clamorosa interferência e, segundo analistas, a causa dos maiores problemas da Petrobras, é manter congelados os preços dos combustíveis, como forma de conter a inflação e, por tabela, também obter dividendos políticos. Só que a benesse comprometeu a capacidade de investimento da empresa e, em consequência, afetou o seu valor de mercado.
A partir de 2013, principalmente, a Petrobras teve o “capital reputacional” comprometido, fato que se refletiu no preço das ações e a fez despencar no ranking internacional. Reportagem do jornal britânico Financial Times, desta sexta (21), diz que a Petrobras despencou do 12º lugar entre as maiores empresas do planeta, há cinco anos, para o 120º lugar atualmente. O valor de mercado caiu para US$ 76,6 bilhões, diz o jornal. No início de 2012, o Índice Forbes Global 2000 colocava a empresa como 10a. maior do mundo, com valor de mercado de US$ 180 bilhões. Uma queda, portanto, de US$ 103,4 bilhões em dois anos.
Segundo a última pesquisa internacional Edelman Trust Barometer 2014, da empresa de PR Edelman, com 33 mil formadores de opinião, em 27 países, cinco atributos são fundamentais para uma organização construir confiança e credibilidade no mercado: Engajamento (com clientes, empregados, por meio da boa comunicação); Integridade (práticas de negócios éticas; ações responsáveis, transparência e abertura nos negócios); Produtos e Serviços (modernos, inovadores); Propósito (respeito ao meio ambiente, parceria com a sociedade) e Operações (liderança do CEO, ranking global, desempenho operacional).
A queda sucessiva das ações da Petrobras, principalmente a partir do ano passado, resulta de vários fatores. Combinados, acabaram mergulhando a empresa numa crise de confiança. No caso, investimentos mal feitos ou retardamento deles em projetos que deveriam já estar operando; o loteamento de postos-chave, desprezando os critérios técnicos; associação a projetos vultosos, por orientação do governo, que se mostraram mau negócio para a empresa e a percepção dos analistas e investidores de que a gestão da Petrobras nos últimos anos perdeu muito do foco comercial, em beneficio do político.
"Os investidores veem o papel do governo como uma interferência política na gestão da Petrobras", explica à BBC Brasil, Robert Wood, especialista em Brasil da consultoria Economist Intelligence Unit. O endividamento da Petrobras continua alto, mantendo a desconfiança de acionistas. "Em parte, (a retomada da empresa) depende do ajuste no preço da gasolina e de uma política que dê mais previsibilidade à gestão da empresa", opina Wood.
Os acionistas internacionais, principalmente, não são ingênuos. Acabaram fugindo. O dinheiro é o ativo mais covarde que existe. Sentiu cheiro de crise, de uso político, ele foge. Por trás do que vem acontecendo com a Petrobras, há menos da responsabilidade da atual presidente, Graça Foster, que parece bem intencionada em recuperar a empresa, e muito da gestão aparelhada e midiática do queridinho de Lula, Sérgio Gabrielli. Foi para a Bahia se credenciar a candidato a governador, pretensão que, provavelmente, irá para o brejo, diante da herança maldita deixada para a sucessora.
Não bastasse o episódio mal explicado da compra de uma refinaria em Pasadena, Texas, que jogou até a presidente da República no imbróglio, a Petrobras enfrenta acusações de pagamento de propina a funcionários na Holanda. Segundo denúncia, a holandesa SBM teria pago US$ 139 milhões em propina a funcionários da estatal. A Auditoria da empresa e a CGU apuram mais esse escândalo.
Pode dar errado? Vai dar.
A jornalista Ezra Klein, do Washington Post, ao comentar os vários acontecimentos cruzados que desembocaram na crise global de 2008, disse “Eis o que deveríamos ter aprendido com os acontecimentos da última década: Murphy estava certo. O que pode dar errado, vai dar errado - e precisamos planejar as coisas com base nisso”.
O que o mercado fica sabendo hoje sobre a Petrobras é resultado das trapalhadas de uma gestão anterior pouco profissional, com forte viés político, vista sempre com desconfiança pelos investidores e acionistas. Aproveitou um período bom na economia, mas não fez o dever de casa. Tinha muito marketing e pouca substância. Resultado: a empresa colhe agora o fruto de vários erros, corroborados pelo governo, que não apenas a enfraqueceram economicamente, mas batem no ativo mais precioso de uma organização, a reputação, que certamente levará muito tempo para ser recuperada.
Por isso, não foi surpresa, agora, o desenlace de uma operação da Polícia Federal, que culminou com a prisão do ex-diretor de Abastecimento, uma das áreas onde mais rola dinheiro na empresa. Para quem acompanhava as indicações políticas para a Petrobras, nos últimos anos, fatos como esse até demoraram para acontecer.
De certo modo, como dizia Ezra Klein, sobre a crise financeira global, os alicerces feitos na areia um dia derrubam a casa. Basta uma ventania. Ou seja, o que pode dar errado, vai dar.
Quanto mais mexe, pior
O episódio, que agravou a crise da empresa e fez o Palácio do Planalto acionar o “Gabinete de Crise”, para tentar acalmar o Congresso e evitar a criação de uma CPI, é apenas a ponta do iceberg. Nesse caso, como diz o jornalista Ilimar Franco, “a operação de comunicação do Planalto no caso Petrobras foi um desastre. Reunida com seu conselho de sábios, a presidente Dilma decidiu jogar no colo da estatal o negócio da refinaria de Pasadena. Sua versão ficou frágil ao não coincidir com a da empresa”.
O estopim do agravamento da crise veio com uma Nota da presidente Dilma, ao responder à revelação do jornal “O Estado de S. Paulo” de que ela quando presidente do Conselho de Administração da Petrobras, havia aprovado a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, transação, que agora se sabe, deu prejuízo à estatal.
A Petrobras, desde 2006, quando a operação foi realizada, já gastou US$ 1,19 bilhão na usina de Pasadena. Essa refinaria foi adquirida por US$ 42,5 milhões pela empresa belga Astra Oil Company, em 2005. Em 2006, com voto favorável do Conselho, do qual Dilma era presidente, a Petrobras foi autorizada a comprar, por US$ 360 milhões, 50% da refinaria.
Após desavenças societárias, e por cláusulas contratuais, em junho de 2012 a Petrobras é obrigada a adquirir os outros 50%, pagando US$ 820,5 milhões a outra sócia, Astra Oil. Em 2013, após o TCU investigar o negócio, por suspeitas de irregularidades, a Petrobras recebeu oferta de US$ 180 milhões, mas desistiu de vender.
Dilma declarou em nota que se todas as cláusulas do contrato fossem conhecidas, “não seriam aprovadas pelo conselho” e que o parecer era “técnica e juridicamente falho”. Ou seja, os conselheiros foram mal informados. Ao tentar se isentar da responsabilidade, a presidente mexeu com o corporativismo natural da Petrobras.
Executivos da empresa, ouvidos pela Folha de S. Paulo, após a precipitada nota, disseram que o Conselho de Administração tinha à disposição o processo completo da proposta de compra da refinaria em Pasadena. Se não leu, o problema não seria deles. Mas de quem aprovou. O governo disparou toda a tropa de choque para tentar conter a crise. O ex-presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, deu entrevistas, dizendo ter sido "um bom negócio para a Petrobras" a compra da refinaria.
Mas os acionistas continuam sem entender nada de declarações como essa do ex-presidente. "Bom negócio"? O saldo desta semana é que a crise da Petrobras subiu a rampa do Palácio do Planalto e a repercussão contribuiu para arranhar ainda mais a imagem da organização. Para quem lida com comunicação, uma lição desse episódio: faltou alinhar o discurso. Agora todo mundo corre para corrigir o "desalinhamento".
A compra da refinaria é apenas o estopim para a oposição, inimigos políticos, concorrentes e outras aves agourentas caírem sobre a empresa, num momento em que ela está bastante vulnerável. Há no país um sentimento de desconfiança em relação à capacidade da atual diretoria recuperar a empresa, após os últimos anos de oba-oba, em que não faltaram cenas do ex-presidente Lula e a então ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, anunciando a autonomia do Brasil em petróleo, com fotos com as mãos sujas de óleo. Puro marketing. Agora, se percebe, foram factóides até certo ponto perniciosos à empresa.
Nesta sexta-feira (21), o governo fez uma "cartilha" para ajudar membros do executivo e parlamentares da base a defender a Petrobras e o próprio governo da saraivada de pancadas que começou a receber durante a semana, por causa da falta de transparência e as trapalhadas com os negócios da empresa. O PT também resolveu "defender a empresa" dos ataques da mídia e da oposição. Não é preciso nota para "defender" a empresa. Todos os brasileiros a defendem.
Não vimos até agora nenhum pronunciamento oficial da Petrobras sobre essa série de denúncias. Na página Fatos e Dados, “espaço para diálogo e transparência”, no site da companhia, a última notícia é sobre seleção de jovens aprendizes.
Na noite de sexta-feira (21), Comunicado dava conta da demissão do diretor Nestor Cerveró, apontado como responsável pelo "estudo" parcial e omisso, segundo a presidente Dilma, apresentado ao Conselho de Administração. Foi demitido, porque o problema veio a público, após a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Se a motivação da demissão foi o suposto "erro" do parecer, que levou a então presidente do Conselho autorizar a compra, por que não foi demitido lá, quando se descobriu a pisada na bola? Não fosse o escândalo agora, ele teria continuado e ficado tudo por isso mesmo. Ele também é o responsável pelo negócio que está gerando toda essa polêmica: a aquisição da refinaria em Pasadena, no Texas.
A empresa nega irregularidades na aquisição da refinaria. A Petrobras diz que não comenta o caso, porque ele está sendo apurado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A postura conservadora e cautelosa não contribui para melhorar a imagem da empresa, nesse momento. As versões que circulam acabam repercutindo a opinião de outras fontes, a maioria criticando o negócio e a empresa.
Diretor preso
Não bastasse todo esse tiroteio em cima da Petrobras, como as crises não vêm sozinhas, nesta semana a Polícia Federal prendeu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, por suspeita de participar de quadrilha de lavagem de dinheiro. Não faltou nem mesmo imagens comprometedoras. A polícia apreendeu R$ 1,2 milhão na casa do ex-diretor, o que aparenta, pelo menos no cenário de acusações, algo realmente estranho.
A teia da crise da Petrobras acaba se entrelaçando. Essa é a grande ameaça que perdura sobre a companhia. Foi sob a gestão desse diretor, na área de Abastecimento, que a Petrobras comprou a refinaria de Pasadena, no Texas, negócio que está na berlinda da atual crise. Nessa hora, é importante saber quem indicou esse diretor? Os padrinhos somem, quando os afilhados mergulham em crises, porque têm medo de ver o nome manchado junto com o do afilhado.
Segundo o jornal O Globo, considerado fiel ao PP, Costa ganhou a simpatia do PMDB (ala de José Sarney e Renan Calheiros). Impressionante, como esses dois políticos conseguem indicar tanta gente enrolada, quase sempre aparecendo como figurantes ou protagonistas de malfeitos.
- Como diretor, era arrogante e gostava de mandar e impor suas ideiais. Atuava junto com Nestor Cerveró, e depois com José Zelada, disse uma fonte a O Globo. Quem é Cerveró? É o diretor que acaba de ser demitido. Aparece também no imbróglio da Usina de Pasadena, por ser quem encaminhou o estudo ao Conselho da Petrobras.
Não é à toa que a mesma fonte disse: a prisão dele (Costa) é apenas a ponta da iceberg. Aos poucos as peças desse xadrez (sem trocadilho com prisão) vão se encaixando. Vira-se daqui, dali, e o que aparece? Esqueletos que resultam de aparelhamentos políticos, nos últimos anos, como aconteceram com os Correios e a Infraero, duas estatais que também tinham alta credibilidade e hoje vivem crises crônicas. Para o jornalista Rolf Kuntz, "Degradadas pelo uso político, estatais ficam sem rumo e deixam de operar como empresas".
A Polícia Federal também prendeu Costa porque estaria destruindo provas da suposta ligação com o doleiro Alberto Youssef. Além do negócio mal explicado da compra da usina em Pasadena, EUA, que agora se revela um tremendo “mico” para a Petrobras, também tem seu DNA a compra da refinaria Okinawa, no Japão, em 2008, além da construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujo preço começou com US$ 2,5 bilhões e chegou a US$ 20 bilhões.
Esse negócio da Abreu Lima é tão embrulhado que até o fantasma de Hugo Chávez perambulou por lá. Foi convidado por Lula para sócio, mas depois caiu fora e a Petrobras teve que assumir tudo sozinha. Resultado: até hoje a refinaria não está pronta. Outro escândalo, onde não faltam esqueletos ainda dentro do armário, mas que podem aparecer de uma hora para outra em forma de assombração. Eles não saíram ainda, para assombrar o país.
Como diz a colunista Miriam Leitão, de O Globo, na análise desta sexta (21) sobre a Petrobras: “Quando uma empresa do tamanho da Petrobras, com excelentes quadros em todas as áreas, começa a fazer tanto negócio ruim, a melhor resposta é investigar, explicar e punir”.
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