Viracopos“O que pode dar errado, vai dar errado - e precisamos planejar as coisas com base nisso”, diz a jornalista Ezra Klein, do Washington Post. Essa teoria se aplica ao atabalhoado programa de privatização dos aeroportos brasileiros, conduzido pelo atual governo e que expõe, em toda a sua crueza, a fragilidade da Infraero, diante desse modelo, e um cenário de stress e insegurança aos milhares de empregados, terceirizados e concessionários da empresa.

Muita gente pode não acreditar. Mas em dezembro de 2002, no apagar do governo Fernando Henrique, os principais jornais especulavam e apontavam as “jóias da coroa” que os políticos cobiçavam para tomar conta e fazer a festa. Empresas sólidas, com bom orçamento, líquidas e desejadas: Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Infraero, entre algumas poucas. 

Não precisou mais de quatro anos, antes do fim do primeiro governo Lula, para que começasse o processo de sucateamento, para não dizer saque, na empresa de mais de 30 anos. O descalabro levou uma revista semanal a estampar, em uma reportagem sobre denúncias envolvendo a empresa, naquela época, a triste assertiva de que “a Infraero era o maior antro de corrupção do país”.

O que estava errado e não foi corrigido deu no que deu. Mais quatro anos e o governo Dilma assumiu pensando naquilo o tempo todo: privatizar os aeroportos pelas sucessivas crises ocorridas na empresa e no transporte aéreo, durante os dois mandatos do padrinho.

Se a empresa incomoda e não se consegue resolver as sucessivas crises, liquida a empresa. E assim veio a privatização apressada de três aeroportos. Exatamente aqueles, junto com mais seis ou sete, entre os grandes, que ajudavam a sustentar o faturamento da Infraero e, em consequência o orçamento de custeio e investimentos: Viracopos, Guarulhos e Brasília.

A mostra de que o projeto apressado de privatização estava errado ficou evidente não apenas pelos concessionários que ganharam os três maiores aeroportos do país - empresas sem tradição e experiência em administração de grandes aeroportos - mas pelo modelo de negócio aprovado, responsável pelo atual sucateamento da Infraero.

A propósito, até 2002, a Infraero era uma empresa líquida, que não precisava de recursos adicionais do Tesouro Nacional, para se manter e fazer investimentos vultosos em aeroportos. Mas essa é outra história que um dia poderá ser contada.

Deu no que deu. O jornal O Estado de S. Paulo, hoje, traz uma reportagem para deixar preocupados, não apenas os empregados da Infraero. Mas todos os usuários da aviação civil, empresários, transportadores de cargas, aeroviários e passageiros, que utilizam o modal aéreo, e precisam dos aeroportos e da estrutura que os suporta. “Cortes na Infraero” é um alerta de que se a coisa não andava boa, vai ficar ainda pior. E não por culpa dos empregados, nem da diretoria atual da empresa.

Tudo que está acontecendo com a Infraero e, por extensão, com o transporte aéreo brasileiro, incluindo os desmandos das empresas aéreas e a dificuldade da Anac em fiscalizá-las, é uma herança maldita que o atual governo herdou e não soube administrar. Durma-se com um barulho desses. Mas vamos ao Estadão:

“Aos sucessivos erros cometidos pelo governo no processo de concessão da administração de aeroportos à iniciativa privada, soma-se agora a pura e simples irresponsabilidade. A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) decidiu cortar seus gastos com manutenção preventiva dos aeroportos, situação que pode colocar em risco a vida dos passageiros, conforme alertaram superintendentes da própria estatal.”

E continua “O Estado”: “O enxugamento orçamentário da Infraero, noticiado pelo Estado, é consequência da previsão de prejuízo operacional de R$ 391,1 milhões e de insuficiência de recursos para honrar compromissos a partir de janeiro do ano que vem.

Tal rombo - que gerou uma "situação financeira crítica", segundo qualificou um memorando interno - resulta da perda de receita causada pela concessão dos aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos. Até 2012, ano em que a Infraero teve lucro operacional de R$ 594,2 milhões e lucro líquido de R$ 396,7 milhões, esses aeroportos respondiam por 38% da receita.”

Leia a íntegra do artigo de O Estado de S. Paulo “Cortes na Infraero”.

Foto: Torre de Controle do Aeroporto de Viracopos.

Editorial de “O Estado de S. Paulo”, de 13/11/13

Cortes na Infraero

Aos sucessivos erros cometidos pelo governo no processo de concessão da administração de aeroportos à iniciativa privada, soma-se agora a pura e simples irresponsabilidade. A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) decidiu cortar seus gastos com manutenção preventiva dos aeroportos, situação que pode colocar em risco a vida dos passageiros, conforme alertaram superintendentes da própria estatal.

O enxugamento orçamentário da Infraero, noticiado pelo Estado, é consequência da previsão de prejuízo operacional de R$ 391,1 milhões e de insuficiência de recursos para honrar compromissos a partir de janeiro do ano que vem.

Tal rombo - que gerou uma "situação financeira crítica", segundo qualificou um memorando interno - resulta da perda de receita causada pela concessão dos aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos. Até 2012, ano em que a Infraero teve lucro operacional de R$ 594,2 milhões e lucro líquido de R$ 396,7 milhões, esses aeroportos respondiam por 38% da receita.

Com a concessão, a Infraero tornou-se sócia minoritária e, como em qualquer sociedade, passou a auferir ganhos conforme sua participação, de 49%. Assim, a receita caiu 31,5% de janeiro a agosto deste ano, com prejuízo de R$ 201,2 milhões.

Os cortes profundos determinados pela Infraero, que afetarão os aeroportos em ano de Copa do Mundo, provam que a empresa não estava preparada para a situação gerada pelas concessões, embora a perda de receita fosse uma consequência tão óbvia nesse caso que é difícil de acreditar que ninguém no governo a tivesse previsto.

Como resultado dessa falta de planejamento, a Infraero cortará, por exemplo, 57% de nove contratos de prestação de serviços de manutenção preventiva no Aeroporto do Galeão. O custeio médio mensal do Galeão, sem considerar os gastos com água e esgoto, cairá de R$ 4,272 milhões para R$ 1,823 milhão. O contrato para a manutenção do sistema elétrico será reduzido em 75,5%, o que inclui demitir 162 dos 206 funcionários que trabalham naquele setor.

Em relatório, o superintendente do Galeão, Emmanoeth e Jesus Vieira de Sá, alertou que os cortes no setor elétrico poderão causar interrupções não programadas nos sistemas de auxílios visuais e de navegação aérea do aeroporto.

Os sistemas eletrônicos do Galeão também entraram na contenção de despesas - que, nesse caso, chegou a 72,8%, incluindo a dispensa de 55 dos 70 encarregados da operação. Serão afetados, por exemplo, o trânsito de passageiros para o embarque, o controle de energia elétrica e as informações sobre os voos. "O perfeito funcionamento dos sistemas eletrônicos é de fundamental importância na segurança aeroportuária", salientou Vieira de Sá. Espanta que o superintendente do Galeão tenha de chamar a atenção para um risco tão evidente quanto este.

Mas há ainda mais. Vieira de Sá advertiu que a manutenção das pontes de embarque no aeroporto carioca, que já têm mais de 30 anos, terá de ser interrompida, o que causará "situação fora de controle" e "de gestão totalmente vulnerável frente aos órgãos de fiscalização".

Ante tal perspectiva, a eventual falta de ar-condicionado no Galeão, cuja manutenção também sofrerá cortes, apesar do calor do Rio de Janeiro, será um problema menor.

Em carta enviada à Direção de Operações da Infraero, cinco superintendentes da empresa pediram a revisão da contenção, sob o argumento de que haverá "impacto direto na área de manutenção", tornando impossível "realizar ações preventivas" e, "em algumas situações críticas, nem a corretiva para restabelecer a operação dos equipamentos em pane". Ou seja: se algum equipamento quebrar, não será consertado, o que gerará perdas adicionais em razão dos custos de reposição.

O problema principal, conforme alertam esses técnicos, não é o "prejuízo à imagem da empresa", de resto já bastante afetada, e sim a "situação de alto risco para os gestores dos processos operacionais que envolvem vidas humanas".

Nota Oficial da Diretoria da Infraero, encaminhada ao jornal O Estado de São Paulo.

“Em relação ao editorial Cortes na Infraero, publicado hoje (13/11), pelo jornal O Estado de S. Paulo, a Diretoria Executiva da Infraero esclarece:

1. as medidas de contenção de despesas aprovadas por esta Diretoria não comprometem absolutamente os níveis de segurança e operacionalidade dos aeroportos da rede e estão sendo monitoradas diuturnamente, sem risco algum de que a qualidade e a tempestividade dos serviços sejam comprometidos;

2. o montante global de recursos alocados em 2013, para fazer frente aos gastos com os serviços terceirizados de manutenção, segurança e operações, foi de R$ 630 milhões ante R$ 646,1 milhões em 2012, uma queda de R$ 16,1 milhões, equivalentes a 3%;

3. no caso do Galeão em 2013 foram alocados R$ 122,9 milhões, ante R$ R$ 128,6 milhões em 2012, representando uma redução de 5%;

4. os ajustes aprovados pela Diretoria Executiva para o Galeão não colocam em risco os serviços prestados no aeroporto; as reduções de custeio estão sendo discutidas e negociadas com os respectivos gestores, utilizando metodologia de benchmarking interno, já testada em grandes organizações, mediante a identificação das melhores práticas e das médias de desempenho e custo já verificadas em aeroportos da própria rede, elegendo-se tais parâmetros como metas perfeitamente alcançáveis nos aeroportos que apresentem desvios em relação a essas médias;

5. as manutenções preventivas e corretivas de todos os sistemas do aeroporto estão sendo feitas normalmente, inclusive com a substituição de prestadores de serviços terceirizados por profissionais integrantes do quadro de empregados da empresa;

6. a Infraero contesta as conclusões expostas na matéria, baseadas em meras projeções hipotéticas, em alguns casos refletindo apenas estimativas de perda de receita por prestadores de serviços que não costumam focar sua atuação no aumento de produtividade e de eficiência exigíveis em qualquer atividade;

7. as equipes técnicas integrantes das áreas de engenharia, manutenção e operações aeroportuárias, formadas por empregados concursados, habilitados profissional e tecnicamente, estão trabalhando normalmente e preservando as condições de operacionalidade e funcionalidade dos aeroportos e, especialmente no caso do Galeão, têm mostrado isto reiteradas vezes – como ficou evidenciado durante a Copa das Confederações e o Jornada Mundial da Juventude – oportunidade em que o Galeão atingiu o recorde de movimentação de passageiros – 65 mil passageiros num único dia;

8. a descrição de cenários que tenham sido objeto de consideração em documento interno firmado por superintendentes da empresa teve e tem o saudável objetivo de antecipar avaliações de risco extremo, fornecendo subsídios para o monitoramento diário das atividades e operacionalidade dos serviços. Tal monitoramento, no caso do Galeão e de toda a rede Infraero, está sendo feito por esses mesmos superintendentes titulares das áreas envolvidas, com as medidas de correção necessárias;

9. a Infraero – com a experiência de 40 anos em operação aeroportuária no país – está consciente de suas responsabilidades para com a sociedade brasileira e segura do acerto de suas decisões de natureza econômica e financeira, e não se desviará do objetivo primordial de prestar serviços eficientes na operação aeroportuária, sem descaso algum com o dinheiro público;

10. quanto aos impactos resultantes das concessões dos aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos – inclusive das próximas concessões do Galeão e Confins – a Infraero informa que desde março de 2011 vem adotando medidas de reestruturação e replanejamento de processos e métodos administrativos, que asseguram a manutenção do equilíbrio financeiro e operacional da empresa;

11. por último, informa que, diferentemente do que afirma o jornal “O Estado de S. Paulo”, o resultado operacional previsto para o final do exercício de 2013 será positivo em R$ 108 milhões, garantindo caixa operacional para honrar os compromissos assumidos pela empresa.

Atenciosamente,

Diretoria Executiva – Infraero”

 

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