O país enfrenta uma grave crise econômica, que só os otimistas da Esplanada dos Ministérios fingem não enxergar. Como disse o jornalista Cristiano Romero, do Valor Econômico, "Estamos no pior dos mundos: crescimento baixo, inflação alta, real desvalorizado e juros altos".
Enquanto isso, o Senado brinca com uma CPI para investigar as invasões de privacidade com os EUA e o Itamaraty agrava a própria crise, por causa de um senador boliviano acusado de corrupção.
Os avós já sabiam
A surpresa de alguns membros do governo brasileiro – pelo menos aparente – com a constatação de que os EUA monitoram telefonemas e emails de autoridades só pode se justificar porque não conhecem a história ou são ingênuos. Nossos avós, nos anos 1930 e 1940, já sabiam que os americanos sempre monitoraram os passos de governantes e empresas das chamadas “repúblicas de bananas”.
Getúlio, Dutra, Juscelino, Jânio, Jango, todos os presidentes da República, posteriores ao período pós-revolução de 30, e antes da ditadura militar, sempre souberam que os americanos monitoravam seus movimentos. Quem tiver dúvida, assista a dois documentários recentes sobre o ex-presidente João Goulart: “O dia que durou 21 anos”, de Camilo Tavares, e “Dossiê Jango”, de Paulo Henrique Fontenelle. Os americanos sabiam tudo que o ex-presidente fazia.
Não há como deixar de se indignar com o poder invasivo e intrusivo dos Estados Unidos na vida de qualquer país, principalmente dos países menos desenvolvidos e onde há grandes interesses americanos. O Brasil é alvo desde os anos 50, quando Getúlio criou a Petrobras e alguns governadores, como Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, estatizaram empresas americanas, como os serviços de transportes, Bond and Share, e telefônicos da AT&T. Desde então, nunca mais Brizola se livrou do Big Brother americano, mesmo nos anos de exílio no Uruguai.
Ao se outorgar o papel de “guardião do mundo livre” nos anos da Cortina de Ferro, os EUA se acharam no direito de invadir a privacidade de outros países sob a velha retórica de proteger o Ocidente da ameaça comunista. Essa prática não acabou com o fim do império soviético. Os argumentos agora decorrem da ameaça terrorista. Para isso, não existem limites para a intrusão americana.
Saber que os EUA monitoram todo mundo não é surpresa, portanto. Mas é diferente de aceitar passivamente. Que o Brasil proteste, exija retratação das autoridades americanas, ou até faça retaliação, suspendendo a visita da presidente Dilma Roussef, até pode soar como um “jus sperneandi”. Mas nada disso vai desligar os fios e desativar o Big Brother internacional dos Estados Unidos.
Todos os serviços de inteligência brasileiros, da Abin à Secretaria de Assuntos Estratégicos, sabem que os Estados Unidos monitoram as comunicações mundiais, como também fazem a China e a Rússia com os americanos. É uma guerra de informação que se desenrola nos bastidores dos servidores internacionais. A NSA é um braço do governo americano que trabalha com o beneplácito dos governantes, tanto Republicanos quanto Democratas. A surpresa não foi descobrir o monitoramento. Foi a facilidade com que Edward Snowden, o jovem que trabalhou na CIA, conseguiu roubar e fugir com tantas revelações.
O 11 de setembro foi o álibi para o governo Bush se achar no direito de invadir a privacidade de americanos, muçulmanos e, por extensão, de qualquer cidadão de outros países. E Obama nada fez para reduzir esse poder. Ao contrário, os poderes extraordinários dessas agências de inteligência dos EUA se fortaleceram. O controle delas é frouxo. EUA se defendem dizendo que não controlam conteúdos. Quem garante, quando interesses de segurança se misturam com os econômicos e estratégicos?
Não sabemos o que é pior. A descoberta de que os EUA monitoram emails e telefonemas da presidente da República ou a reação do Senado e do próprio governo. O Senado, na falta de ações efetivas para responder às demandas das ruas, quando jovens expuseram a inércia e inoperância do Congresso Nacional e dos Poderes da República aos problemas efetivos do país, resolve pegar carona no imbróglio e criar uma CPI. Nada como uma CPI de um assunto charmoso, que está na pauta, para alguns senadores desconhecidos aparecerem na mídia e se cacifarem para a próxima eleição.
Nem os senadores que irão conduzir a CPI acreditam em sua efetividade, até porque não têm qualquer poder de investigar a máquina invasiva americana, nem de ouvir pessoas ligadas aos serviços de espionagem. Ou seja, essa CPI já nasceu morta. Não chegará a lugar nenhum.
Infelizmente, já se tornou recorrente em artigos anteriores neste site, o registro de a gestão pública brasileira, em todos os poderes, do Executivo ao Judiciário, viver de espasmos. Aparece um tema que dá Ibope, correm parlamentares e governantes para apresentar soluções apressadas que não chegam a lugar nenhum. Assim foi a reação da presidente Dilma, em pronuncimento à Nação, quando o governo e a população foram surpreendidos pela força das manifestações de rua. Alguma coisa efetiva aconteceu de lá para cá, após aquele pronunciamento? Até agora nada.
Crises de gestão
A pior crise brasileira no momento não é a dos grampos americanos, nem a do Itamaraty. No cerne da crise do Itamaraty, há erros graves de gestão. Como o senador Roger Pinto, acusado de crimes na Bolívia, permanece na embaixada brasileira durante 420 dias e ninguém, nem o embaixador, nem o ministro das Relações Exteriores, nem a presidente da República tomam qualquer atitude para resolver o imbróglio? O diplomata que cometeu o disparate de fugir com o senador, secundado pela marinha brasileira, é o menos culpado dessa operação tabajara. Ele apenas esgarçou uma falha de gestão de responsabilidade direta dos seus superiores.
Os desacertos do Itamaraty estão mais no board do ministério do que no staff. A tradição de se manter uma instituição fechada destoa de uma era de transparência de empresas e governos. Daí os vazamentos que aconteceram e do silêncio cômodo de quem devia assumir os problemas, reconhecer e defender a instituição. A crise do Itamaraty não é o ato de Eduardo Saboia. Há um choque de gerações e um acomodamento do governo brasileiro de que o Itamaray saberia resolver as próprias crises pela tradição e a reputação. Mas tudo isso é um ativo intangível que hoje pode se esvair rapidamente.
Na maioria das crises ocorridas nas instituições, há uma elevada incidência de problemas de gestão. Neste caso, é evidente a falha das autoridades em administrar a crise desde o início. Provavelmente, jogou-se com o tempo para resolvê-la, ao natural. O tempo, ao contrário, acabou agravando a crise e derrubando o ministro, de quem, especula-se, Dilma já queria se livrar. De qualquer forma, manchou a imagem do sisudo e tradicional Itamaraty, já desgastado por acusações de super salários, assédio moral e sexual e de ser pouco transparente na condução de suas mazelas.
A verdadeira crise
A verdadeira crise brasileira, que merece uma análise à parte, não está na bisbilhotice dos serviços secretos americanos, nem no Itamaraty. Está em outros edifícios da Esplanada. É a crise econômica. O Brasil comemorou, nos últimos anos, navegar num mar sem grandes sobressaltos, enquanto o mundo naufragava diante dos ventos ou tsunamis da crise econômica.
Estados Unidos, Europa e Japão, o tripé da economia mundial, antes da ascensão da China, desde 2008 enfrentam a pior crise pós II Guerra Mundial. Alguns países, como Grécia, Portugal, Espanha, Chipre e Irlanda praticamente quebraram, se formos analisá-los como uma empresa. O desemprego em alguns deles supera 25% da população ativa e o dos jovens está acima de 50%.
E o Brasil? Aqui, sempre se ouviu promessas não cumpridas de crescimento sustentável da economia. Começava com previsões otimistas do ministério da Fazenda, no início do ano de 5%, 4% e chegava no fim do ano, como em 2012, com pífios 0,9%. Malabarismos contábeis no ministério da Fazenda, falta de confiança dos consumidores, empresários e investidores nacionais e estrangeiros na política econômica, falta de controle nos gastos públicos, que estouraram depois da farra de aumentos salariais e contratações de companheiros no governo Lula, acabaram deixando o rei nu. Não há mais como esconder a realidade.
Segundo o comentarista econômico Cristiano Romero, “a inconsistência da política macroeconômica, a manutenção de uma política fiscal expansionista em meio a uma política monetária contracionista e a absoluta ausência de credibilidade da política fiscal”, tudo isso contribui para não se acreditar num desempenho econômico que, a curto prazo, estanque a crise atual. “O reflexo desse desastroso gerenciamento de expectativas” alimenta um clima de pessimismo e fuga para buscar proteção dos ativos.
O Banco Central acabou se rendendo à realidade de uma inflação alta, combinada com uma crise cambial, e teve que aumentar a taxa de juros, uma das mais altas do mundo. Resultado: empresários frearam os investimentos, a mola do crescimento, porque não acreditam nas autoridades. Na boca do caixa, a realidade é outra. Apesar de um suspiro de alívio com o PIB do segundo trimestre, de 1,5%, ninguém com bom senso acredita num bom desempenho da economia este ano.
A produção industrial brasileira caiu 2% em julho em relação a junho, segundo o IBGE. Sinaliza que o crescimento do PIB é apenas uma miragem. Os otimistas de plantão na Esplanada, que não fazem compras em supermercados, não andam de ônibus e nem pagam médicos ou contratam empregados enxergam sempre um céu de brigadeiro onde outros veem nuvens carregadas e turbulência. Os empresários que investem e contratam e o povo que faz compras todo dia perceberam que o avião começou a trepidar. Por precaução, apertaram os cintos e começaram a rezar.
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