O jornal britânico The Guardian revelou ontem à noite que a National Security Agency coletou registros telefônicos de milhões de clientes nos Estados Unidos da empresa Verizon, uma da maiores prestadores de telecomunicações da América. O “grampo” se baseou numa ordem superior de um tribunal, emitida em abril deste ano, sob o argumento da segurança.
O The Guardian obteve cópia da “ordem”, que prevê monitoramento diário das chamadas telefônicas de cerca de 115 milhões de clientes da Verizon, tanto dentro dos EUA, quanto entre os EUA e outros países.
A informação solicitada é classificada como "metadados", ou informações transacionais, ao invés de comunicação. Uma maneira de fugir de problemas legais; por isso, não necessita de autorizações individuais para serem acessadas.
A notícia bateu em Washington como mais um escândalo do governo Obama, menos de duas semanas após enfrentar um tiroteio com crises que envolveram o monitoramento de telefones dos jornalistas da Associated Press; a violação de e-mail de jornalista da Fox; o imbróglio com a história nunca bem contada do atentado na Embaixada americana na Líbia, que resultou na morte do embaixador; e a perseguição da receita federal americana a políticos conservadores. Todos os episódios constrangeram Obama.
A Verizon é um dos maiores fornecedores de telecomunicações e internet para corporações nos EUA. Até agora não se sabe se ordens similares foram dadas a outras áreas da empresa e se outras companhias telefônicas também foram acionadas. Apesar disso, existem documentos que apontam para a possibilidade de terem sido concedidos mandatos semelhantes a outras empresas de telecomunicações.
A ordem judicial proíbe expressamente a Verizon de divulgar ao público ou discutir, quer a existência do pedido do FBI para registros de seus clientes, ou a própria ordem judicial. Por isso, nenhuma empresa quis falar com o jornal britânico.
O FBI utilizou o Ato de Vigilância de Inteligência Externa, lei de 1978, que regulamenta a vigilância doméstica para propósitos de segurança nacional. Todas as justificativas apresentadas hoje, quando o escândalo estourou, foram baseadas na necessidade de monitorar telefonemas para prevenir ataques terroristas.
O mais grave da ação é que pela primeira vez se sabe, sob o governo Obama, os registros de comunicação de milhões de cidadãos norte-americanos estão sendo coletados de forma indiscriminada, independentemente de eles serem suspeitos de qualquer delito, disse o The Guardian.
O Foreign Intelligence Surveillance Court (Fisa), um órgão que trabalha secretamente, concedeu a ordem para o FBI em 25 de abril, dando autoridade ilimitada do governo ao órgão para obter os dados por um período de três meses, previsto terminar em 19 de julho. Mas políticos da oposição acreditam que essa ordem existe desde 2006.
De acordo com a licença, os números de ambas as partes que entram numa chamada são entregues, como dados de localização, identificadores únicos e o tempo e a duração de todas as chamadas. Os conteúdos das conversas em si não são revelados ou gravados, diz o The Guardian. Mas as informações colhidas permitiriam criar um perfil de quem contacta, principalmente pelo círculo de relacionamento, como contacta e quando.
A divulgação é susceptível de reacender debates de longa data, como aconteceu no governo Bush, sobre o poder e extensão apropriada de espionagem doméstica do governo, sob o argumento da segurança nacional.
Políticos, jornalistas e ativistas das liberdades civis descreveram as divulgações, reveladas pelo The Guardian nesta quarta-feira, como a intrusão mais abrangente para dados privados que já tinham visto pelo governo dos EUA. Mas a administração Obama , recusou-se a comentar sobre a ordem específica , dizendo que a prática era "uma ferramenta fundamental para proteger a nação de ameaças terroristas ao Estados Unidos".
A Casa Branca destacou que as ordens, como divulgadas pelo Guardian, cobririam apenas dados sobre as chamadas, em vez de seu conteúdo. Um alto funcionário do governo disse: "Informação do tipo descrito no artigo do Guardian tem sido uma ferramenta fundamental para proteger a nação de ameaças terroristas aos Estados Unidos, uma vez que permite que o pessoal de combate ao terrorismo para descobrir se os terroristas conhecidos ou suspeitos têm sido o contato com outras pessoas que possam estar envolvidas em atividades terroristas, em particular as pessoas localizadas no interior dos Estados Unidos.
"Como temos afirmado publicamente antes, todos os três ramos do governo estão envolvidos na análise e autorização de coleta de inteligência no âmbito da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira.
O Congresso aprovou esse ato e é regular e é plenamente informado sobre a forma como ela é usada, e pelo Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira, que autoriza esse monitoramento.. Há um regime legal robusto que regula todas as atividades desenvolvidas no âmbito do Ato de Vigilância de Inteligência Estrangeira ".
O comentarista polítito Jonathan Turley, do The Guardian, diz que o monitoramento das ligações dos clientes da Verizon pelo governo Obama revela uma progressiva erosão das liberdades civis nos Estados Unidos.
O tema, bastante polêmico, mostra como o avanço da tecnologia, se por um lado facilitou a vida do cidadão do século XXI, por outro, não tem limites para invasões de privacidade. Essa denúncia do The Guardian, confirmada hoje pelo governo americano ao The New York Times, pode ser a ponta do iceberg de um sistema que, a exemplo do Big Brother, de George Orwell, desconfia de todo mundo e, por isso, precisas monitorar dia e noite.
Foto: Matt Rourke/AP
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