Ainda meio atordoada pelo que aconteceu com a Igreja Católica, nos últimos 40 dias, a mídia correu para o Vaticano para tentar entender o que está acontecendo. Levando dois dribles num curto período de tempo – a renúncia do Papa, jamais cogitada pelos jornalistas "vaticanistas" e a eleição do Cardeal argentino, uma zebra, segundo alguns deles – agora aparecem artigos mais completos sobre o que realmente sacudiu o Vaticano.
Um dos artigos lúcidos, como sempre, é do jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa. Ele, sempre um crítico inteligente e consistente sobre o comportamento dos “donos da mídia” e dos jornalistas, tenta ajudar na compreensão do que realmente representou a surpreendente renúncia do Papa e os novos rumos da Igreja Católica, que pegou de supresa, não apenas os católicos e quantos estudam religiões, mas também a imprensa.
O modelo “franciscano” de jornalismo
Alberto Dines
Em apenas 29 dias – do Carnaval à metade da Quaresma – a igreja católica deu uma das mais surpreendentes guinadas nos seus 20 séculos de história. Com uma abdicação – e não com um golpe de poder – desatou-se o nó que enredava enorme teia de escândalos, malfeitorias, desvios morais e espirituais. Um formidável conjunto de transformações foi magicamente acionado e a mídia, ainda ofegante e embasbacada, não consegue avaliar o que está efetivamente acontecendo.
A perturbação dos mediadores patenteou-se simbolicamente no próprio ato da renúncia de Bento XVI, que poderia ter passado despercebido não fosse uma jornalista italiana, proficiente em latim, ter entendido que aquele comunicado aparentemente burocrático continha uma inédita e retumbante proclamação.
Leia a íntegra do artigo de Alberto Dines no Observatório da Imprensa.
Audiência do Papa Francisco com os jornalistas
Sala Paulo VI, no Vaticano
16 de Março de 2013
Boletim da Santa Sé
Queridos amigos,
É para mim uma alegria poder, no início do meu ministério na Sé de Pedro, encontrar-vos, a vós que estivestes empenhados aqui em Roma num período tão intenso como este que teve início com o inesperado anúncio do meu venerado Predecessor Bento XVI, no dia 11 de Fevereiro passado. Saúdo cordialmente a cada um de vós.
Ao longo dos últimos tempos, não tem cessado de crescer o papel dos mass media, a ponto de se tornarem indispensáveis para narrar ao mundo os acontecimentos da história contemporânea. Por isso, vos dirijo um agradecimento especial a todos pelo vosso qualificado serviço – trabalhastes… e muito! – nos dias passados, quando os olhos do mundo católico e não só se voltaram para a Cidade Eterna, nomeadamente para este território que tem como “centro de gravidade” o túmulo de São Pedro. Nestas semanas, tivestes ocasião de falar da Santa Sé, da Igreja, dos seus ritos e tradições, da sua fé e, de modo particular, do papel do Papa e do seu ministério.
Um agradecimento particularmente sentido dirijo a quantos souberam olhar e apresentar estes acontecimentos da história da Igreja, tendo em conta a perspectiva mais justa em que devem ser lidos: a perspectiva da fé. Quase sempre os acontecimentos da história reclamam uma leitura complexa, podendo eventualmente incluir também a dimensão da fé. Certamente os acontecimentos eclesiais não são mais complicados do que os da política ou da economia; mas possuem uma característica fundamental própria: seguem uma lógica que não obedece primariamente a categorias por assim dizer mundanas e, por isso mesmo, não é fácil interpretá-los e comunicá-los a um público amplo e variado.
Realmente a Igreja, apesar de ser indubitavelmente uma instituição também humana e histórica, com tudo o que isso implica, não é de natureza política, mas essencialmente espiritual: é o Povo de Deus, o Povo santo de Deus, que caminha rumo ao encontro com Jesus Cristo. Somente colocando-se nesta perspectiva é que se pode justificar plenamente aquilo que a Igreja Católica realiza.Cristo é o Pastor da Igreja, mas a sua presença na história passa através da liberdade dos homens: um deles é escolhido para servir como seu Vigário, Sucessor do Apóstolo Pedro, mas Cristo é o centro. Não o Sucessor de Pedro, mas Cristo. Cristo é o centro. Cristo é o ponto fundamental de referimento, o coração da Igreja. Sem Ele, Pedro e a Igreja não existiriam, nem teriam razão de ser. Como repetidamente disse Bento XVI, Cristo está presente e guia a sua Igreja. O protagonista de tudo o que aconteceu foi, em última análise, o Espírito Santo. Ele inspirou a decisão tomada por Bento XVI para bem da Igreja; Ele dirigiu na oração e na eleição os Cardeais.
É importante, queridos amigos, ter em devida conta este horizonte interpretativo, esta hermenêutica, para identificar o coração dos acontecimentos destes dias.Destas considerações nasce, antes de mais nada, um renovado e sincero agradecimento pelas canseiras destes dias particularmente árduos, mas também um convite para procurardes conhecer cada vez mais a verdadeira natureza da Igreja e também o seu caminho no mundo, com as suas virtudes e os seus pecados, e conhecer as motivações espirituais que a norteiam e que são as mais verdadeiras para entendê-la.
Podeis estar certos de que a Igreja, por sua vez, presta grande atenção ao vosso precioso trabalho; é que vós tendes a capacidade de identificar e exprimir as expectativas e as exigências do nosso tempo, de oferecer os elementos necessários para uma leitura da realidade. O vosso trabalho requer estudo, uma sensibilidade própria e experiência, como tantas outras profissões, mas implica um cuidado especial pela verdade, a bondade e a beleza; e isto torna-nos particularmente vizinhos, já que a Igreja existe para comunicar precisamente isto: a Verdade, a Bondade e a Beleza «em pessoa». Deveria resultar claramente que todos somos chamados, não a comunicar-nos a nós mesmos, mas esta tríade existencial formada pela verdade, a bondade e a beleza.
Alguns não sabiam por que o Bispo de Roma se quis chamar Francisco. Alguns pensaram em Francisco Xavier, em Francisco de Sales, e também em Francisco de Assis. Deixai que vos conte como se passaram as coisas. Na eleição, tinha ao meu lado o Cardeal Cláudio Hummes, o arcebispo emérito de São Paulo e também prefeito emérito da Congregação para o Clero: um grande amigo, um grande amigo! Quando o caso começava a tornar-se um pouco «perigoso», ele animava-me. E quando os votos atingiram dois terços, surgiu o habitual aplauso, porque foi eleito o Papa. Ele abraçou-me, beijou-me e disse-me: «Não te esqueças dos pobres!» E aquela palavra gravou-se-me na cabeça: os pobres, os pobres. Logo depois, associando com os pobres, pensei em Francisco de Assis. Em seguida pensei nas guerras, enquanto continuava o escrutínio até contar todos os votos. E Francisco é o homem da paz. E assim surgiu o nome no meu coração: Francisco de Assis.
Para mim, é o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e preserva a criação; neste tempo, também a nossa relação com a criação não é muito boa, pois não? [Francisco] é o homem que nos dá este espírito de paz, o homem pobre… Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres! Depois não faltaram algumas brincadeiras… «Mas, tu deverias chamar-te Adriano, porque Adriano VI foi o reformador; e é preciso reformar…». Outro disse-me: «Não! O teu nome deveria ser Clemente». «Mas porquê?». «Clemente XV! Assim vingavas-te de Clemente XIV que suprimiu a Companhia de Jesus!». São brincadeiras… Amo-vos imensamente! Agradeço-vos por tudo o que fizestes. E, pensando no vosso trabalho, faço votos de que possais trabalhar serena e frutuosamente, conhecer cada vez melhor o Evangelho de Jesus Cristo e a realidade da Igreja. Confio-vos à intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, Estrela da Evangelização.
Desejo o melhor para vós e vossas famílias, para cada uma das vossas famílias. E de coração a todos concedo a minha bênção. Obrigado.Disse que de coração vos daria a minha bênção. Uma vez que muitos de vós não pertencem à Igreja Católica e outros não são crentes, de coração concedo esta bênção, em silêncio, a cada um de vós, respeitando a consciência de cada um, mas sabendo que cada um de vós é filho de Deus, Que Deus vos abençoe!
Ouça o pronunciamento do Papa aos jornalistas.