Quem disse que desastres naturais são inevitáveis e muito difíceis de prever? A tragédia do Japão, ocorrida em março de 2011, poderia ser prevista e evitada? Quanto ao acidente na Usina Nuclear de Fukushima sim, conforme relatório divulgado nesta segunda-feira no Japão.
O documento considera que a Tokyo Electric Power-Tepco, empresa proprietária da central nuclear de Fukushima, e o governo do Japão “ignoraram os riscos e confiaram demasiado nas medidas de segurança da planta nuclear para fazer frente a um tsunami como o que provocou o acidente de março de 2011”. Segundo o documento, a empresa tinha uma capacidade “fraca” para responder a uma crise como a que ocorreu, porque seus empregados não haviam sido treinados.
“A empresa e os órgãos reguladores estavam demasiado confiantes e consideraram que acontecimentos piores do que os incluídos em suas estimativas não sucederiam, e não foram conscientes de que as medidas para evitar o pior dos cenários apresentava muitos falhas”, diz o relatório de 450 páginas da Comissão.
“Os dois, o governo e as empresas, devem estabelecer uma nova filosofia sobre a prevenção de desastres naturais, independentemente da probabilidade de que eles ocorram”, conclui o relatório.
O documento, com as conclusões finais do comitê criado pelo governo para investigar a catástrofe de Fukushima, foi publicado 18 dias após outro informe, assinado por um painel de especialistas convocado pelo Parlamento do Japão, considerando também que o desastre “poderia ter sido evitado” se as autoridades reguladoras e a empresa Tepco tivessem adotado as normas de segurança internacionais.
Esse relatório do Parlamento foi considerado "demolidor" para a atuação do governo e da Tepco nessa crise. Chega a afirmar que a empresa responsável pela usina de Fukushima “manipulou seu relacionamento próximo com os reguladores para deixar os dentes fora da regulação”. E detalha como os reguladores intencionalmente interromperam ou retardaram tentativas da Tepco de cumprir códigos de segurança. "Como é possível que o acidente de Fukushima tenha ocorrido em um país da tradição e excelência em tecnologia como o Japão?", pergunta.
Também denuncia a Tepco por ter usado o tsunami como bode expiatório, alegando que um grande tsunami foi um evento inteiramente previsível, cujo impacto potencial foi ignorado no interesse de lucros potenciais. Como se isso não fosse suficiente, o relatório também detona a gestão da crise pelo governo japonês, afirmando que a intromissão do Gabinete do Primeiro Ministro foi diretamente responsável por acrescentar ainda mais confusão em torno da crise.
O relatório divulgado nesta segunda-feira é muito duro para os responsáveis, dizendo que os órgãos reguladores estavam empenhados em manter intacto o mito de segurança nuclear, antes do acidente. O documento salienta que a Agência de Segurança Nuclear se opôs firmemente em 2006 a implementar um plano para reforçar a preparação ante um possível desastre nuclear por temor de que a população fosse se assustar e colocar em dúvida a segurança das instalações atômicas do Japão.
O custo da omissão
A tragédia que se abateu sobre o Japão em março é apontada como o desastre natural mais caro da história para um país, com avaliações de que os gastos totais chegarão a US$ 300 bilhões. Só o acidente na usina de Fukushima obrigou o país a paralisar 52 usinas nucleares, com um custo industrial e operacional incalculável. Quatro usinas tiveram que ser reabertas neste verão, apesar da pressão popular contrária, pela falta de energia suficiente para dar conta do consumo.
Não bastasse isso, o custo social com o deslocamento e instalação de milhares de famílias, mais o isolamento de uma área de 30 km ao redor da planta, causam prejuízos à agricultura, indústria e comércio locais.
O relatório também culpa o governo. Considera que as autoridades poderiam ter reduzido a exposição às emissões radioativas das pessoas que viviam próximo a Fukushima, se tivessem utilizado eficazmente um sistema informatizado de alerta para prever a propagação dos elementos de contaminação. Isso só foi feito, após o acidente na usina nuclear.
A tragédia do Japão vai deixar marcas por muitos anos, principalmente nas 100 mil famílias que tiveram que abandonar suas residências e cidades, em função da onda radiativa. Mas a crise está longe de acabar. O documento de 450 páginas determina ao Estado aprofundar as investigações sobre o acidente, porque muitos pontos ainda não foram esclarecidos.
Lições a tirar dessa crise: o país sempre considerado o mais preparado para acidentes naturais falhou no momento crucial. Por mais que os especialistas em gestão de crises recomendem, que a prevenção é o item mais importante em qualquer programa de gestão, o descuido dos dirigentes da empresa Tepco, somados à falta de fiscalização, e os erros de gerenciamento do próprio governo , deixarão marcas na economia e na população japonesa por muitos anos.
Alguns desastres naturais podem ser difíceis de prever. Mas, quando agora fica evidente a sucessão de falhas apontadas por dois relatórios independentes, podemos inferir que a falha humana, relaxando nos procedimentos de segurança e não levando em conta mecanismos e alertas para evitar a extensão da catástrofe, contribuíram bastante para sua dimensão.
Fonte: El País e Blogs.
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