Multidão de jovens na Espanha foi às ruas na semana passada, em adesão à greve geral que parou o país. O que deu errado numa sociedade baseada na política do bem-estar social e sonho de imigrantes, principalmente da América Latina, há bem pouco tempo?
A Europa pavimentou a história, após a crise da II Guerra Mundial, tentando construir uma sociedade com oportunidades iguais para todos. A geração baby boom, aquela nascida após a maior catástrofe humana do século XX, procurou trabalhar muito, recuperar a economia e reconstruir países destruídos pela guerra. E conseguiu. Não demorou muito tempo para Alemanha, Reino Unido, Espanha, Itália e França, entre outros países, darem a volta por cima, transformando-se em nações ricas e com qualidade de vida invejável.
Desde a década de 60, os países europeus foram aumentando os benefícios para a população. Só que esse bem-estar cresceu à custa de gastos cada vez maiores e os cofres públicos foram incapazes de garantir a festa. Muitos países europeus, até mesmo antes da crise econômica de 2008, começaram a rever alguns benefícios. No caso do Reino Unido, isso começou ainda no governo de Margareth Thatcher. Embora de forma tímida, outras nações européias também fizeram ajustes, principalmente a Alemanha. Talvez por isso seja um dos países que menos sofreu as consequências negativas da crise atual.
Anos de prosperidade, com regalias sociais cada vez maiores, acabaram criando um tipo de sociedade que mais cedo ou mais tarde teria de ser cobrada. Licença-maternidade de um ano; auxílio-salário para mães solteiras; aposentadorias com menos de 60 anos, para uma geração cada vez mais idosa; passagens gratuitas ou com desconto para estudantes; remédios gratuitos para menores eram alguns dos benefícios oferecidos por muitos países europeus, sem levar em conta que não existe almoço grátis.
Se os países mais adiantados e ricos sentiram o peso de carregar esses gastos, o que dizer de países mais pobres. A Grécia que o diga. Quem vê as passeatas nas ruas imagina um governo disposto a cobrar a conta da população pobre, com medidas impopulares, rigorosas demais, ao enxugar gastos para se credenciar aos créditos bilionários da União Europeia.
Em parte, é verdade. Mas o governo grego não tem alternativa. Se não fizer o dever de casa, a Grécia não tem muita saída, porque o país está literalmente quebrado. Não havia dinheiro nem para pagar a conta salarial dos funcionários públicos, num estado transformado em principal empregador e despreocupado em cortar despesas. 15 mil funcionários precisaram ser dispensados.
E como fica a juventude desses países, principalmente daqueles considerados adiantados, após a crise de 2008? Os protestos disseminados pelas ruas da Grécia, Portugal, Espanha e outros países – até mesmo Estados Unidos - nos últimos meses, e pelo Reino Unido, no ano passado, quando jovens da periferia de Londres e outras grandes cidades foram às ruas quebrar e incendiar lojas e prédios públicos, representam apenas uma pequena mostra da crise que atinge em cheio os sonhos de uma vida melhor para essa geração.
Milhares de jovens no Reino Unido, Espanha, Portugal e Itália procuram emprego há mais de dois anos. A crise agravou uma situação já por si só difícil. Muitos jovens não conseguem pagar a faculdade e acabam sem estudo e sem emprego. Há um desencanto da juventude com governos e sociedade que prometeram para eles um futuro promissor e hoje não conseguem entregar a encomenda.
Os institutos de pesquisa calculam: 1,3 milhão de pessoas, um quinto dos jovens entre 16 e 24 anos, estão fora da educação, treinamento e emprego, apenas no Reino Unido. Na Espanha, desempregados com idade até 30 anos estão voltando para a casa dos pais, pois não conseguem trabalho, num país onde a crise tem provocado efeitos cada vez mais perversos. Milhares de imóveis financiados estão fechados por falta de comprador e de inquilinos. E os bancos não sabem o que fazer com a dívida.
No Reino Unido, há um dilema. Os programas do governo britânico em conter gastos sociais acabaram agravando a situação de muitas famílias. Ao terem o padrão de vida rebaixado, com os cortes impostos pela crise, elas retiraram os filhos da escola. Como há escassez de programas de treinamento, sem educação e sem experiência, eles acabam também incapazes de conseguir emprego.
Outro fator agravante: atividades mais humildes, como serviço doméstico, pedreiros, carpinteiros, balconistas, arrumadeiras e outros estão dominados pelos imigrantes e não há qualquer razão para os empregadores dispensarem essa mão de obra considerada barata e eficiente. Muitos dos jovens desempregados, até mesmo de classe média, continuam recebendo assistência do governo para poder sobreviver. É comum jovens com diploma de doutorado aceitarem trabalhos burocráticos para pelo menos terem um emprego.
Mesmo a Alemanha, tido como o país com melhor desempenho nessa tempestade que assolou a Europa, foi criticada pela manutenção de empregos à custa de redução de salários. Enquanto a Espanha amarga uma taxa de desemprego de 23,6%, Grécia 21%, Portugal 15%, na Alemanha, mesmo no auge da crise, esse índice se mantém em 5,7%. Entre os jovens, os números sobre desemprego são assustadores: a média da Zona do Euro é de 21,6% de jovens desempregados; Espanha, 50,5%; Grécia, 50,4% e Portugal, 35,4%.
No caso da Espanha, uma massa de 5,5 milhões de desempregados. Para um país que teve longo período de crescimento e bem-estar, refúgio até mesmo de imigrantes da América Latina, a crise econômica é um desencanto total para a juventude. Ela não acredita mais nos governos e nas promessas de melhoria.
Por isso, na semana passada, quando os sindicatos espanhóis decretaram uma greve geral, das mais fortes manifestações coletivas dos trabalhadores nos últimos anos, a maioria dos 800 mil manifestantes nas ruas eram jovens. Se nos países árabes, a juventude tomou as praças por liberdade e democracia, na Europa os gritos são por estudo, emprego, menos impostos e mais oportunidade. Os idosos, naturalmente, também estão desencantados com os cortes nas pensões, nos benefícios sociais e planos de saúde. Mas eles não têm mais força para lutar.
Na Inglaterra, a imprensa tem chamado atenção para a quantidade de idosos que esperam na fila por exames de saúde e cirurgias que o sistema público demora em atender. Tudo por conta do corte de gastos. Como manter um sistema eficiente num país em que o número de pessoas com mais de 65 anos passou de 10 milhões, numa população de 63 milhões?
Durante pelo menos 50 ou 60 anos, a geração pós-guerra procurou preparar os países europeus para que filhos e netos recebessem um mundo bem melhor do que eles herdaram, tristemente castigado por guerras, restrições econômicas e o fantasma da Guerra Fria. Embora a qualidade de vida ainda seja preservada, principalmente em relação à segurança e transportes, se comparada com países da América Latina, eles já admitem que o sonho de toda uma geração foi adiado por pelo menos mais 10 ou 15 anos.
Foto: Protestos na Espanha.