11 de março de 2011. Um terremoto de magnitude 9,0 atingiu a costa do Japão, causando um tríplice desastre: terremoto, tsunami e explosão do reator nuclear da usina de Fukushima. Calcula-se o número de mortos e desaparecidos em 20 mil.
Um ano depois, o Japão ainda se recupera da maior tragédia do país, após a II Guerra Mundial. Especialistas se debruçam agora sobre a crise do Japão, para analisar a situação do país e reconhecem: "O terremoto e tsunami levou à procura da alma de uma nação já desgastada por duas décadas perdidas de crescimento econômico, com uma população envelhecendo rapidamente e agora encolhendo, a paralisia política e o rápido crescimento da seu rival de longa data, a China ".
A primeira grande lição: por mais preparado que um país ou uma organização estejam, uma crise de proporções pode causar um estrago histórico. E o Japão era um país preparado. Como mostra o exemplo japonês, a prevenção e o treinamento ainda são as únicas formas de minimizar as consequências das crises. Como ocorreu.
Uma análise interessante foi feita por Maggie Epstein e Lina Yamashita, de uma organização americana dedicada a ensinar alunos sobre histórias e culturas, que estudaram a crise japonesa. As conclusões trazem muitos ensinamentos para quantos se dedicam à gestão de crises e à prevenção de desastres naturais.
- A crise no Japão ainda não acabou, continua
Enquanto muitos japoneses foram capazes de voltar à vida, como era antes, milhares de outros não foram sequer capazes de retornar às suas casas. O terremoto e o tsunami afetaram uma vasta extensão do nordeste do Japão (a região de Tohoku), mas nem todas as aldeias e cidades foram atingidas da mesma maneira.
O devastador desastre no Japão oferece oportunidades para ensinar e aprender sobre meio ambiente, economia, geografia, ciências da terra, literatura, memória, além de despertare muito mais interesse pela cultura japonesa, aproveitando, agora, o primeiro ano da tragédia.
Mas por possuir a população mais velha do mundo, o país agora tenta recuperar o ânimo das pessoas, abatido por deixarem os lugares onde nasceram e viveram a vida toda. A indústria pesqueira, segundo analistas, pode levar até dez anos para voltar ao nível anterior à tragédia; cerca de 90% dos 30 mil barcos de pesca foram destruídos ou danificados. São gerações de pessoas, muitos idosos, que só sabiam fazer isso. A reconstrução da vida da população pode ser muito mais difícil do que recuperar estradas e prédios.
- O que aconteceu em 11 de março de 2011?
Para uma melhor compreensão do tamanho do desastre, convém voltar às imagens da época, vídeos, fotos e comparar como está o país hoje. Os efeitos causados pelo terremoto e tsunami, além da explosão na usina nuclear de Fukushima, provocaram uma comoção, não apenas no país ou na cultura oriental, mas em todo o mundo. É interessante aprender como o país se apresenta, após um ano da catástrofe. Cidades, estradas, escolas, aeroportos, todos devastados, hoje funcionam normalmente, como se há um ano aos olhos do mundo tudo não significasse destroços. É uma boa lição para governos, cidadãos comuns e até para as crianças, como forma de mostrar o poder de recuperação de uma sociedade mesmo nas tragédias.
Após o terremoto em Kobe, em 1995, e este de 2011, houve muitas críticas da população sobre a rapidez do governo em responder à crise. Mas, algum país poderia estar preparado para um evento dessa magnitude? Para os cientistas e economistas, se havia um país no mundo bem preparado para uma catástrofe dessas proporções, seria o Japão.
Com base na experiência de Kobe, quatro pilares foram aplicados no sistema de emergência japonês, alguns dos quais vieram da aprendizagem e erros de Kobe. Um é a super-avançada tecnologia do sistema de alerta; segundo, os mais rígidos códigos de construção do mundo, que levantam estruturas de prédios, pontes e viadutos praticamente imunes a terremotos de intensidade elevada; terceiro, os treinamentos para desastres que toda comunidade periodicamente deve fazer; e quarto, os gastos com infraestrutura. Talvez 5% do orçamento anual do país vai para prevenção de desastres naturais e construção de defesas contra tempestades ao longo da costa.
Mas por que, mesmo com todas essa preparação, o número de mortos e desaparecidos foi tão grande? Para Bruce Parker, ex-cientista-chefe do Serviço Nacional de Oceano do NOOA, "o fato de morrer tantas pessoas, independentemente do acidente nuclear, foi porque os japoneses tornaram-se complacentes com tsunamis e superestimaram as medidas que deveriam ser tomadas para protegê-los. Apesar de ter havido recentemente terremotos, não ocorreu um tsunami mortal desde 1933. E as pessoas esqueceram". Ou seja, eles tinham a falsa impressão de estarem preparados para tsunamis, o que se comprovou um fato.
- O Japão continua a utilizar a energia nuclear?
"Todos, menos dois, dos 54 reatores nucleares comerciais do Japão, foram desligados, desde o desastre nuclear de um ano atrás, após o terremoto e tsunami, e não está claro quando o programa nuclear possa ser reiniciado", começa um artigo publicado na primeira página do The New York Times sobre uma indústria que gerava um terço da eletricidade do Japão.
Em setembro de 2011, um novo primeiro-ministro, Yoshihiko Noda, chegou ao poder e prometeu eliminar gradualmente a utilização da energia nuclear no Japão. Mais recentemente, porém, ele tem empurrado a decisão de reiniciar a utilização de reatores ociosos, embora reconheça que o governo é parte da culpa pelo desastre.
Em dezembro de 2011, foi anunciado que o reator de Fukushima iria ficar num estado de "desligamento frio." Muitos são céticos sobre essa alegação. De fato, recente relatório independente descrevendo a falta de comunicação e confusão, nos dias imediatamente após o terremoto, revela a precariedade da situação e questiona a preparação das autoridades para a crise. Existem análises, feitas antes da tragédia, que se levadas em consideração teriam reduzido e quem sabe eliminado a extensão do vazamento nuclear, numa planta antiga e com vários problemas de manutenção.
Não há consenso sobre quem está certo nessa polêmica, até porque o povo japonês, desde a catástrofe, desconfiou dos relatórios governamentais. É um debate em aberto na comunidade internacional. Artigos publicados na mídia descrevendo um esforço confuso nos processos de limpeza, a reação negativa sobre a informação pouco transparente das autoridades, e argumentos de que o Japão está ignorando os riscos nucleares, poderiam servir de base para reforçar a reação dos movimentos anti-nucleares. A população, principalmente dos grandes centros, não acredita na versão oficial sobre os níveis de perigo do vazamento. Não há evidências, pelo menos no momento, de efeitos a longo prazo na população japonesa. Mas quem acredita?
Os que estão do lado pró-nuclear poderiam ler a opinião de especialsitas sobre Chernobyl, que expressam a esperança de Fukushima, e também examinar o argumento do CEO da segunda maior empresa de energia do Japão, ou assistir podecasts com manifestações de cientistas, com o argumento de que o país precisa de energia nuclear.
- A reação global sobre o desastre nuclear do Japão
A crise em duas usinas nucleares do Japão inspirou pessoas de todo o mundo a reconsiderar o próprio uso da energia nuclear. Reações na Alemanha e França foram particularmente fortes. A Alemanha, em particular, proibiu a construção de novas usinas. Uma decisão recente nos Estados Unidos mostra que nem todos estão dispostos a parar o desenvolvimento de usinas nucleares. O canal de tevê pública PBS "Frontline" apresentou em janeiro um programa “Aftershocks”, em que aborda a questão nuclear em três continentes.
De qualquer forma, os técnicos em energia nuclear do mundo acreditam que o Japão precisa dar muitas respostas sobre acidente; além das que já foram dadas pelo terremoto e tsunami, o acidente nuclear permanece como a grande pedra no sapato das autoridades japonesas, por melhor que o país responda à crise, com obras e compensações financeiras. .
- Como recuperar perdas pessoais e a memória
Muitas pessoas que fugiram da devastada região de Tohoku tentaram salvar fotos e lembranças de família. O projeto Photohoku está trabalhando para recuperar álbuns de fotos da família para aqueles que perderam tudo. Outros estão trabalhando para restaurar fotos danificadas e fazê-las chegar aos seus proprietários.
Nas escolas, os alunos que perderam tudo e foram obrigados a deixar suas casas, convivem com outros que devem trazer seus próprios objetos pessoais ou fotografias e descrever o seu significado. Para quem nunca passou por uma experiência dessas, pode parecer estranho. Mas recuperar a memória pessoal é uma forma de voltar à vida, tentar recomeçar com mais esperança e conforto.
- Como educar a prevenção de desastres
Preparação para desastres tem sido parte importante do currículo nas escolas japonesas desde o grande terremoto de Kanto, em 1923, que devastou Tóquio e Yokohama, duas das maiores cidades japonesas. Em memória deste terremoto, foi criado, em 1960, o Dia de Prevenção de Desastres. Todos os anos, neste dia, treinos e eventos relacionados com a preparação de desastres são realizadas em todo o país.
Kamaishi, uma cidade na província de Iwate, que foi atingida pelo tsunami de março passado, teve quase todos os 2.900 alunos do ensino fundamental e médio na cidade preservados na catástrofe, em grande parte como resultado de exercícios regulares e rigorosos anti-desastres que as escolas realizaram. Isso demonstra que a prevenção de crise funciona.
Os educadores recomendam compartilhar a experiência de Kamaishi para ensinar as crianças japonesas o que fazer em caso de um tsunami. Nessas aulas, as crianças compartilham eventuais treinamentos que tenham realizado e o que eles pensam ser a maneira mais eficaz de aprender como se preparar para um desastre natural.
- Como aprender com os desafios da reconstrução
Especialistas em planejamento urbano ficaram surpresos e admirados pela capacidade e rapidez do Japão se recuperar da tragédia de março de 2011. “Nós vimos fotos terríveis nos dias que se seguiram ao tsunami. Cerca de seis meses depois é como se nada tivesse acontecido em alguns lugares pelas obras do governo local". Estradas, viadutos e pontes destruídos foram reconstruídos, alguns em uma semana, 15 dias.
Aeroportos, cidades cheias de entulho e devastadas pela água, que invadiu o Continente, foram rapidamente limpas e reconstruídas, até como forma de ajudar psicologicamente a população a retomar a vida normal. Nesses momentos, quando mais cedo a população puder retomar sua vida, mais rápido a catástrofe é esquecida, funcionando como efeito motivador da população.
A comparação inevitável foi com o terremoto que devastou o Haiti, principalmente a capital Porto Príncipe, em janeiro de 2010. Dois anos depois, o Haiti continua em grande parte ainda cheio de entulhos e com a maioria das obras urbanas por reconstruir. No Japão, dos 559 km de estradas destruídas, apenas 15 não foram reconstruídas. Estão normalizados os serviços de fornecimento de água (98%), luz (96%) e gás (85%).
A recuperação do Japão nos traz muitas lições. Convém comparar, além de com o Haiti, também com outras regiões devastadas por catástrofes naturais, como Nova Zelândia, Chile e a Ásia, que sofreram com desastres parecidos. Certamente a forma de gerir a ajuda e os recursos recebidos, bem como a história, política, cultura e economia do país, contribuíram para a sua capacidade de recuperação. São muitas as lições que podemos tirar do exemplo japonês, mas principalmente a disciplina e rigidez, além da transparência e ética, no uso dos recursos públicos ou doados.
- A crise pode ser uma oportunidade?
Individualmente, os caracteres japoneses para crise (危机) significam "oportunidade perigosa". Que oportunidades terão surgido da crise de 11 de Março? A engenharia japonesa certamente aproveitou os erros da catástrofe para desenvolver mecanismos e equipamentos mais sofisticados, como forma de se preparar melhor para um próximo terremoto ou tsunami. O Japão sabe que, pela localização geográfica, o país está sujeito a esse tipo de crise. E não pretende ser pego novamente de surpresa.
Para milhares de famílias, as perspectivas futuras da região e de seus habitantes permanece nebulosa. Analisas internacionais asseguram que poucos daqueles que perderam suas casas sabem onde eles irão viver no próximo ano e quanto em dinheiro eles necessitam para viver na nova morada. Os esforços de reconstrução teriam sido atrapalhados pela escala do desastre e “a falta de um líder”, diz Masaru Kohno, um analista político da Universidade Waseda, de Tóquio. “As autoridades não sabem o que eles precisam”.
O problema da liderança numa crise tem tido pouca atenção de governos e corporações. Mas a cada evento negativo de proporções, evidencia-se a necessidade de haver um líder, com credibilidade, autoridade, que tome conta da situação e comande as ações. Tomados até certo ponto de surpresa, as autoridades japonesas ficaram num jogo de empurra, ainda mais numa cultura que tem um respeito milenar pela simbologia da autoridade.
- A mais cara tragédia natural da Humanidade
Um ano depois do terremoto e tsunami que dizimaram a costa nordeste do Japão, o país continua o processo extremamente oneroso de recuperação. O preço da reconstrução, depois do desastre, tem atingido cifras impensáveis. A economia japonesa sozinha perdeu US$ 210 bilhões nos primeiros nove meses seguintes do desastre, fazendo do tsunami de 2011, no país, o mais caro desastre natural do mundo.
Segundo post do site Huffington Post, o terremoto e o tsunami destruíram 128.582 edifícios e particialmente atingiram 243.914 outros. 320 mil pessoas perderam suas casas, e 90% destes permanecem em moradias temporárias.
De acordo com estimativas oficiais, 15.848 pessoas morreram na tragédia e 3.305 pessoas são consideradas desaparecidas. Apesar da extensão dos prejuízos econômicos e das mortes de milhares de pessoas, a tragédia, com terremoto e tsunami, do Japão não foi o mais mortal desastre natural da história em número de vítimas. Esse título pertence ao terremoto de 1556 de Shannxi, na China, com 830 mil mortes; e ao tsunami de 2004, no Oceano Índico, com 310 mil vítimas.
Atualização em março de 2021: cálculos mais recentes estimam que a tragédia do Japão, até hoje, teve um custo que vai de 350 a 500 bilhões de dólares. Em março de 2011, o Japão já estimava em US$ 350 bilhões o custo dos acidentes. Em 2016, os gastos já teriam chegado a US$ 250 bilhões. Em 2018, O Centro de Pesquisas Econômicas do Japão, uma instituição privada de estudos, disse que os custos de limpeza da área atingida podem chegar a cerca de US$ 470 bilhões a US$ 660 bilhões. Sem dúvida, já é e será por muito tempo a tragédia mais cara da história.
Outras informações sobre a recuperação do Japão
O elevado custo do desastre mortal
Lado a lado os locais da catástrofe e como estão hoje - Fotos Toru Yamanaka - Agência France-Press
Cenários da destruição antes e depois da tragédia
Cenários de destruição e recuperação antes e depois da tragédia.
Por que o tsunami do Japão matou tantas pessoas? Bruce Parker
Como o turismo foi afetado pela tragédia.