Se o mundo viveu um dos anos mais marcantes, desde 1989, no Brasil não foi diferente. A estréia da primeira mulher na presidência da República trouxe a esperança de novos ares na política. Não demorou muito para se perceber a mudança do estilo de governar e até se comunicar. Mas práticas, métodos e pessoas em torno do governo eram os mesmos.
A leva de ministros herdados do governo Lula mostrou-se desastrosa. A ponto de o governo dedicar mais tempo para gerenciar crises, do que para governar. Para o perfil gerencial da Presidente, deve ter sido frustrante.
No outro lado, o ano de 2011 começou com a maior catástrofe climática do país. Chuva, vento e lama arrasaram várias cidades do Rio de Janeiro. Mais de 900 mortos, 400 desaparecidos e 30 mil sobreviventes desalojados ou desabrigados. O despreparo do país para tragédias semelhantes ficou evidente.
Um ano depois, grande parte das cidades atingidas, inclusive pontes e infraestrutura destruídas, não foi reconstruída. Recursos destinados aos desabrigados e à reconstrução foram desviados. Prefeitos acabaram cassados por conta do escândalo. Ou seja, uma crise prestes a se repetir no início de 2012, pela ineficiência do estado em prevenir uma tragédia nem tão difícil de evitar. As enchentes continuaram a matar e desabrigar em outros estados, como SC, AM, MG, ES, PE, SP, PR e RS.
Em abril, uma crise surpreendente. Ex-aluno psicopata entra na Escola Tasso da Silveira, Realengo, no Rio de Janeiro, e atira friamente nos alunos. Resultado: 12 crianças mortas e várias feridas. Foi o maior atentado desse tipo no Brasil. Até hoje se pergunta como um atirador invade uma escola, salas de aula, recarrega o revólver, e segue atirando nas crianças, sem que ninguém pudesse fazer nada. Um país surpreso por um novo tipo de terror: o dos franco-atiradores, tão comum nos Estados Unidos.
As escolas tornaram-se foco de crises. A violência permeia os dois lados. Professor mata aluna em Brasília e aluno atira na professora, em São Caetano do Sul. Creches cometem erros primários, causando morte de inocentes. O bullying, junto com a liberalidade e a falta de estrutura familiar, fizeram os alunos perder o respeito pela escola, pelos professores e colegas. Greves e invasões transformaram as universidades em local de protesto, baderna e não de pesquisa. Servidores das universidades federais ficaram mais de quatro meses em greve. Resultado: baixa produtividade, índice altíssimo de afastamento e depressão, entre os profissionais, e desencanto dos jovens com a carreira de professor. Lamentável.
Se em 2011, o ministério dos Transportes gastou mais tempo explicando os desvios do Dnit e o ministério dos Esportes os imbróglios com Ongs, o MEC especializou-se em explicar as crises anuais do Enem-Exame Nacional do Ensino Médio. Depois de vazamento de provas, em 2009, com prejuízo de milhões ao erário, e problemas com cadernos de provas em 2010, este ano, novo imbróglio envolvendo alunos de um cursinho de Fortaleza. Até o fim do ano, a eterna novela do Enem não havia terminado.
Crises políticas derrubam seis ministros
Na área política, o país viveu 11 meses de sustos. O governo Dilma, por força de composições políticas, herdou do antecessor vários ministros. Logo nos primeiros meses, a imprensa, sempre ela, denuncia o todo poderoso ministro Antonio Palocci. Evolução patrimonial incompatível, de 2006 a 2010 revela um esquema de consultorias que levam Palocci à demissão, pela dificuldade de explicá-las. Resistiu enquanto pôde. Nos bastidores do poder, admite-se que Palocci foi abatido por fogo amigo.
Palocci foi o primeiro. Diante das sucessivas denúncias, cunhou-se a expressão “faxina” para explicar a limpeza do governo Dilma nos ministérios denunciados, demitindo titulares e assessores. Nos meses seguintes, mais cinco ministros caíram por denúncias, em princípio negadas, mas mal explicadas e não desmentidas. Titulares das pastas dos Transportes, Agricultura, Turismo, Esporte e Trabalho foram demitidos em meio a evidências de corrupção, favorecimento, licitações fraudulentas, verbas para Ongs fajutas e tráfico de influência. Nelson Jobim saiu por divergências com a presidente.
A imprensa não deu trégua. Ministro desmentia num dia, no outro as notícias pioravam sua situação. Os brasileiros, mobilizados principalmente pelas redes sociais, foram às ruas nas principais cidades do país denunciar a corrupção. Pacificamente, exibiram vassouras, máscaras, faixas e cartazes para pedir o fim da impunidade para os políticos e da farra com o dinheiro do contribuinte.
Se não tivemos crise econômica, como outros países, nada a comemorar. Nossa crise maior é a falta de vergonha, de escrúpulo com o dinheiro público. A corrupção continua sendo nossa saga, como o crack, o álcool, os acidentes de trânsito, a falta de transporte, a ineficiência na saúde e a impunidade.
No Congresso, tímidos protestos da oposição e um silêncio cúmplice dos governistas transformaram a Casa das leis numa confraria de acordos para a impunidade. “Não se condena ninguém, para não ser condenado”, parece ser a máxima. Nada a esperar de um Congresso lento, omisso e conivente.
Irresponsabilidade e impunidade
Crises também mataram muitos inocentes em 2011. O trânsito brasileiro se tornou mais violento que a guerra do Afeganistão. Fecha o ano com 40 mil mortos. Uma carnificina. Embarcações fluviais, sem fiscalização, também levaram muitos inocentes à morte, em Brasília, Pará, Amazonas. No Rio, a falta de fiscalização e desrespeito ao turista provocou acidente com o bondinho de Santa Tereza, matando seis pessoas e ferindo 55. Havia pelo menos seis falhas graves no bondinho que circulava impunemente. Quem se livrou do bonde, foi pego pelas tampas de bueiros da Light que explodiram e também mataram.
Em São Paulo e outras cidades, também pela ineficiência de fiscalização, até os parques de diversões matam. São crises facilmente evitáveis, mas que acontecem, em sua maior parte, por falta de prevenção e descaso com os frequentadores. Mais vítimas com culpados impunes. Essa prática de nada acontecer aos culpados pode ter contribuído para a PepsiCo deixar entrar no mercado caixas de Toddynho contaminadas com líquido de PH equivalente ao da soda cáustica. Um veneno, portanto.
Pelo menos 40 pessoas no Rio G.do Sul, muitas crianças, precisaram ser medicadas. A empresa sabia do problema, denuncia empregado, mas se omitiu. Provavelmente contou que nada aconteceria. A PepsiCo administrou mal essa crise: foi lenta em assumir o problema e prestar assistência. Nos canteiros de obras das usinas de Santo Antonio e Girau, milhares de empregados se revoltaram contra as construtoras, incendiando os acampamentos, por não cumprirem acordos trabalhistas. Elas colocaram a culpa nos “arruaceiros”. Foi uma crise em que todos perderam. Inclusive o contribuinte.
Num ano em que a aviação teve o menor índice de acidentes no mundo, desde 1990, o Brasil registrou a queda de um avião que matou 16 pessoas, em Pernambuco, e dezenas de outros acidentes com aviões de pequeno porte e helicópteros. A Air France amenizou a crise do acidente de 2009, resgatando cerca de 100 corpos no mar. O passivo financeiro com os parentes das vítimas continua.
O ano acaba com uma crise no Judiciário. Além da morte da juíza Patrícia Acioli, um atentado a toda a Justiça brasileira, o entrevero entre as associações de juízes e o Conselho Nacional de Justiça-CNJ não faz bem ao país. De um lado, não há como olhar de forma isenta essa querela. Para a população, transparece que os juízes não querem ser investigados, denotando certo corporativismo. As filigranas jurídicas não são entendidas pelo povão. O CNJ foi um avanço para a prática jurídica no país. Cerceá-lo, como pretendem os juízes, com aparente respaldo do STF, não contribui para melhorar a imagem do Judiciário. Ao contrário.
Gás metano e petróleo, crises da irresponsabilidade
Para finalizar, em S. Paulo, uma crise inusitada. Frequentadores, lojistas e empregados do Shopping Center Norte enfrentaram a interdição do local por causa de vazamento de gás metano. O shopping foi construído em cima de um lixão. Com o tempo, a decomposição criou uma bomba embaixo do local. Prejuízo para todos e ninguém paga. A Prefeitura de S. Paulo teve seu momento de glória, ao anunciar a interdição, mas esta não durou mais de 48 horas.
Quase no fim do ano, a indústria do petróleo teve uma crise grave no Brasil, com vazamento ocorrido em pólo explorado pela gigante americana Chevron. Uma série de erros, tanto operacionais, quanto de comunicação, arranharam a imagem da empresa e expuseram o perigo da exploração em grandes profundidades. Cerca de 4 mil litros de petróleo vazaram na Bacia de Campos. Sorte da empresa não ter sido perto da costa.
Parecia que todo mundo queria aparecer: secretaria do meio ambiente do Rio, passando por Ibama, ministério das minas e energia, ANP-Agência Nacional do Petróleo. Declarações desencontradas das autoridades mostraram que tanto as empresas de petróleo, quanto o país estão despreparados para crises desse tipo. A lição amarga da British Petroleum, no Golfo do México, parece não ter sido suficiente para colocar todos em alerta.
As pesadas multas anunciadas contra a Chevron, mais a ameaça de não operar no Brasil, parecem mais factóides midiáticos do que ações concretas de punição. No fim, todos se entendem na falta de transparência com que essas crises são explicadas ao público.
Foto: Periferia de Teresópolis, arrasada pelas enchentes e deslizamentos de janeiro de 2011.
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