A tragédia que se abateu hoje sobre uma escola municipal do Rio de Janeiro mostra que a loucura, o atentado gratuito e sem motivações políticas se globalizou. Limitado a países desenvolvidos, alguns com grande liberalidade na aquisição de armas, como os EUA, atentados desse tipo aconteceram também na Alemanha, Finlândia, Escócia e China.
A morte de 12 crianças (dez meninas e dois meninos) e o ferimento em mais de 20, no Rio de Janeiro, não aconteceu por acaso. Evidencia que o assassino premeditou minuciosamente o crime, até porque atingir tantas crianças, em tão pouco tempo, demonstrou uma frieza e um preparo bélico muito apurado do criminoso. Chegou a utilizar equipamento para recarregar o revólver e assim atingir o maior número de vítimas. Não fosse pela ação rápida e decisiva de um policial militar, o ataque poderia ter tomado proporções devastadoras.
O modus operandi do atirador do Rio é o mesmo de outros atentados que miram crianças, como em Dunblane, na Escócia, em 1996; o massacre de Columbine, em 1999, e Virginia Tech, em 2007, nos EUA; o da escola Kauhajoki, na Finlândia, em 2008; e na escola Albertville, na Alemanha, em 2009. Alguém muito bem armado dirige-se à escola, entra sem ser incomodado, prepara o ataque e pega todos de surpresa. Geralmente anuncia antes ou dá sinais de que vai cometê-lo.
Ainda não são conhecidos os detalhes do atentado do Rio. Sob o aspecto da gestão da crises, é um fato que, a partir de agora, deve ser considerado nos planejamentos estratégicos de escolas e universidades. Alguns psicólogos asseguram que esses crimes geralmente são cometidos por alunos que tiveram problemas na escola, com professores ou colegas. Alguns foram vítimas de bullying. O atentado seria uma forma de se vingar, atingir a sociedade ou a comunidade que o rejeitou, e geralmente acaba em suicídio. No caso do Rio, ele deixou uma carta com citações religiosas, insinuações de costumes islâmicos, fala em castidade, limpeza, típico do desequilíbrio mental do atirador. Ele já tinha sido visto rondando a escola, dias antes, de roupa preta, o que caracterizaria sua premeditação.
A crise
As autoridades do Rio até agora conduziram bem a crise. Nos primeiros momentos de perplexidade, principalmente para um país pouco acostumado a tragédias semelhantes, é natural a desinformação e a confusão. Até para se confirmar qualquer informação é difícil, tendo em vista a extensão da tragédia. O número de mortos e feridos foi corrigido pelo menos quatro vezes durante a quinta-feira. Entretanto, o desespero de pais e parentes não pode confundir ou atrapalhar a administração da crise. Alguém precisa, nesse momento, tomar as rédeas do fato e dizer o que pode ser informado ou não.
As autoridades do Rio de Janeiro agiram corretamente, sobre os preceitos da gestão de crise, ao não dar o nome das vítimas, até que os pais e parentes fossem notificados e identificassem os filhos. É um momento difícil, mas que deve ser tratado profissionalmente. Como em outros casos de acidentes com mortes. Não importa a pressão da mídia. É natural a ansiedade dos jornalistas. Mas não se pode violar esse princípio fundamental. Além disso, como em qualquer crise, a primeira prioridade são as pessoas. Só depois cuida-se dos demais itens. Pessoas aqui são os feridos, pais, parentes, professores, coleguinhas, empregados, todos os atingidos pela tragédia.
A primeiro manifestação oficial do governo do Rio também foi correta. A entrevista, embora improvisada, pareceu organizada. O governador e o prefeito do Rio mantiveram-se calmos, contritos, não entraram em detalhes que não conheciam e limitaram-se a resumir o que aconteceu, sem fornecer informações que são mais apropriadas para a autoridade policial. O governador poderia ter evitado chamar o assassino de animal e psicopata. Não havia informações detalhadas naquele momento sobre o atirador. Mas evitaram uma superexposição, como acontece nessa hora. Ao contrário, foram breves. A entrevista dos policiais também foi contida, com poucos esclarecimentos pela real falta de informação. Submeter-se a uma entrevista nesse momento, é sempre um risco. A mídia faz pressão, quer mais detalhes e comentários, alguns inclusive desnecessários e até simplórios, como perguntar a um pai ou a uma mãe o que sentiu, quando ouviu os tiros.
Nessa hora deve ser montado rapidamente um serviço de assistência social, com psicólogos, médicos e enfermeiros para dar apoio aos feridos e aos parentes dos mortos. O que parece ter sido feito no Rio. Por se tratar de tragédia envolvendo crianças, o fato se torna mais chocante e deprimente. Suscita perguntas que talvez no momento não possam ser respondidas.
A tragédia poderia ser evitada? As gravações divulgadas posteriormente, mostrando o atirador entrando e saindo de uma sala e recarregando o revólver, sugerem que ninguém, nenhum adulto, nenhum segurança apareceu para tentar dissuadir o atirador. Por quê? Ninguém o interceptou. As cenas são confirmadas por depoimento de um aluno, que assegura ter sido deliberadamente poupado pelo atirador e teria conversado com ele. A declaração do aluno de que o atirador saiu e entrou na sala pelos menos três a cinco vezes deve ser apurada. Então, o que faziam os seguranças da escola nessa hora? Porque não intervieram?
Pós-crise
A partir de amanhã surgirão várias versões e informações sobre a tragédia. Embora se admita que o atentado dificilmente poderia ser previsto, há que apurar o que realmente aconteceu após o início do tiroteio. Por que o atirador ficou tanto tempo dono da situação, sem que qualquer adulto aparecesse? Quanto à surpresa, levada ao pé da letra a maioria das crises teria um alto índice de surpresa. O que não é verdade na literatura sobre gestão de crises.
A partir desse atentado, o foco do planejamento de segurança das escolas deve sofrer uma profunda inflexão. Infelizmente, o preço que pagamos para entrar no mundo globalizado coloca diante das autoridades e educadores um novo cenário de insegurança e horror. Costumávamos assistir pela televisão às notícias de massacres de crianças em outros países. A síndrome de segurança que contaminou os Estados Unidos, após o 11 de setembro, foi incapaz de evitar que os atentados em escolas, como o da universidade Virginia Tech e outros menores, continuassem.
Convém repetir a mesma pergunta feita, há quatro anos, quando da tragédia de Virginia Tech: o que adianta um país ter aviões modernos e caças para contra-atacar inimigos, ter um poderio bélico incrível e uma vigilância cada vez mais invasiva nos aeroportos, se é incapaz de proteger da morte suas próprias crianças?