Uma entrevista errada, inoportuna ou ruim pode causar um pesadelo de gestão de crises para a organização. Más entrevistas podem ser responsáveis por acender o estopim de inúmeras crises. Algumas palavras equivocadas, que em alguns casos teriam passadas despercebidas, de repente podem criar um conflito ou gerar reações inesperadas para a instituição ou o entrevistado.
Em junho, o general americano Stanley McChrystal, comandante das tropas americanas no Afeganistão, falou mais do que devia numa conversa com um jornalista da revista Rolling Stone. O militar estava retido em Paris, por conta da erupção do vulcão na Islândia e acabou viajando para Berlim com o jornalista. Ele concedeu uma entrevista, sem saber que seria publicada, segundo alegou, criticando a política americana no Afeganistão e o governo Obama. Criou uma crise militar para o governo americano e acabou demitido.
Esta semana o goleiro Bruno do Flamengo, preso por suspeita de envolvimento no desaparecimento da ex-amante, em depoimento à polícia, foi confrontado com uma entrevista dada alguns meses atrás à televisão. Nessa entrevista, ele havia admitido, na ocasião, que há meses não se encontrava com a ex-namorada. Como a entrevista não correspondeu ao depoimento atual, admitiu que mentiu quando falou à TV.
Outro caso recente envolveu o sub comandante nuclear do Reino Unido Andy Coles, que dirigia o navio nuclear de mais de R$ 3 bilhões, que encalhou nas costas da Inglaterra, depois de uma manobra arriscada e considerada errada pelas autoridades. Ele não só colocou em risco o navio, como a população local, porque não se tratava de um barco de pesca, mas da mais poderosa arma de guerra do Império Britânico.
Em uma entrevista inédita dada a um jornal antes do incidente, o comandante Coles admitiu previamente que ignorava o conselho para não navegar o navio de alta tecnologia em caso de mau tempo e diz que era uma embarcação difícil de manobrar. Ele declarou também, na entrevista, que está ficando velho demais para o trabalho. "Eu tenho 47 agora e eu acho que é hora de alguém mais jovem." As estripulias do comandante poderão lhe custar uma corte marcial, que analisará até que ponto ele e a tripulação foram negligentes com uma embarcação tão poderosa e cara.
Os porta-vozes do Enem
No episódio que galvaniza a atenção dos estudantes de todo o país sobre o exame de seleção do Enem convém também fazer uma rápida análise da atuação dos porta-vozes.
O MEC e o Inep enfrentam uma nova crise, em função de alguns erros que apareceram nas provas. No ano passado, é bom recordar, o exame foi suspenso por causa do vazamento ocorrido na gráfica que imprimiu os cadernos. As provas foram cair na mão de alguns espertos que tentaram vendê-las ao jornal <em>O Estado de S. Paulo</em>. O resultado todos sabem. Exame suspenso, transferido para o fim do ano, causando transtornos a milhares de jovens que contavam com o Enem para ingresso em universidades públicas.
Este ano ninguém esperava que a crise se repetisse. Como disse o jornalista Elio Gaspari, o ministro da Educação talvez nunca imaginasse que um raio pode cair no mesmo lugar duas vezes. O MEC também deveria saber que a mídia e a sociedade estavam de olho no exame, até porque envolve milhões de pessoas, se considerarmos 4,5 milhões de escritos e suas famílias. Os transtornos causados por cadernos impressos erradamente, além de informações desencontradas dos fiscais, somadas às ordens e contra-ordens sobre uso de lápis, calculadoras, relógios, etc. colocou em xeque a condução da seleção.
Somado a tudo isso, um post no Twitter, no domingo, acirrou ainda mais as críticas de alunos, professores e especialistas quanto à maneira como o MEC conduz esse problema. Pelo Twitter, o MEC ameaçou processar alunos que ele estaria monitorando e acompanhando, por tumultuar o exame, com críticas ou mensagens nas redes sociais.
Essa atitude do MEC pecou pela prepotência. Quando uma instituição está vulnerável, porque enfrenta uma crise, não importa a dimensão dessa crise, é um equívoco atacar o público, os clientes, os interlocutores. Em gestão de crises essa atitude se chama a arrogância do líder, de alguém que se acha acima dos críticos e da própria sociedade. Qual o resultado disso? Agravar a crise e aglutinar a indisposição da mídia e da opinião pública contra a instituição. É o autêntico tiro pela culatra.
Desde o dia 6/11, data da primeira prova, os porta-vozes do MEC tem se revezado tentando explicar e encontrar uma saída para o imbróglio. Tanto o presidente do Inep, quanto o Ministro da Educação foram rápidos em receber a imprensa e tentar minimizar o problema. Sugeriram fazer nova prova aos alunos prejudicados, o que foi contestado pela Justiça do Ceará, que suspendeu, ainda na segunda-feira, dia 8, todas as ações relativas ao Enem, até mesmo divulgar as respostas.
As entrevistas, embora esclarecedoras, não foram suficientes para acalmar os alunos nem os críticos. Para agravar o problema, o presidente da República, que não consegue deixar de opinar sobre qualquer assunto, seja o desempenho do Corinthians até conflitos internacionais, em viagem ao exterior afirmou que a realização do Enem tinha sido um sucesso. Um dia depois, diante da pressão da sociedade, o que inclui OAB, Defensoria Pública e MPF, Lula admitiu que poderia fazer novo concurso, tantos quantos necessários. Mais confusão no imbróglio.
Ou seja, os alunos e suas famílias, professores e universidades passaram a semana com a insegurança quanto à realização do exame. Na sexta-feira (12) a liminar que suspendia o Enem foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. A solução seria fazer a prova apenas para cerca de 2 mil alunos prejudicados.
Isso não garante que, diante de tantas informações desencontradas, outras entidades ou alunos nos próximos dias recorram novamente à Justiça. O que o MEC precisa com urgência é centralizar todas as informações sobre o Enem num único porta-voz. Tanto pode ser o ministro, como o presidente do Inep, e só esse interlocutor dar as informações oficiais sobre o futuro do certame. Ou, diante de tanta confusão, aprender, depois de tantos anos, como se faz uma seleção sem transtornos.