Já está consagrado na gestão de crises. Elas não chegam de surpresa, como se pensava. Ao contrário, 95% delas, segundo especialistas, podem ser previstas. Por que, então, as autoridades brasileiras demonstraram surpresa quando tentam explicar o apagão, que escureceu 40% do território nacional nesta terça-feira?
É uma situação que realmente acontece de repente, mas deveria estar prevista. Supõe-se que o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) tem um plano de prevenção de crises para esses casos. O Ministério das Minas e Energia deve ter. Ou não tem? As cenas divulgadas pela mídia de hospitais sem gerador, com recém-nascidos ou idosos correndo sério risco de morte, não deveriam ocorrer. Ou seja, o apagão parece que pegou todo mundo de surpresa. Não apenas as autoridades. Até a imprensa teve que correr para mudar a pauta no escuro e não sabia nesta madrugada e pela manhã a quem recorrer para buscar uma explicação.
Técnicos e especialistas foram acordados de manhã cedo para encontrar respostas ao apagão que transtornou a vida de milhões de brasileiros. Mas por que as organizações e governos quase sempre estão despreparados para responder rapidamente a situações embaraçosas como essa? Porque na maioria dos casos, o que inclui empresas públicas e privadas, existe uma autossuficiência, uma certa arrogância de que aquilo nunca vai acontecer com eles. As empresas relaxam na rotina diária e não têm programas de prevenção, que simulem situações de risco.
Como explicar que um hospital não tenha gerador, quando várias crianças dependem da energia elétrica para respirarem? Por que uma residência, com doente dependente de respirador artificial, não possui um plano B para o caso de faltar energia, fato não raro de acontecer? Vale registrar que os aeroportos brasileiros funcionaram normalmente. Certamente porque têm geradores, que foram acionados e permitiram o tráfego aéreo.
No caso das autoridades, os pecados começam pelas cabeças que saíram se batendo desde a manhã de terça-feira. Até a noite de quarta-feira, as explicações ainda eram desencontradas. Ninguém acreditava muito na versão do governo, de que o problema se limitava a “severa descarga atmosférica” que causou um curto circuito em cadeia no interior de São Paulo. O consumidor pergunta, mas basta um simples curto-circuito para escurecer metade do país e quase todo o Paraguai? Então nós estamos muito vulneráveis e até em perigo, porque qualquer maluco pode sabotar uma subestação situada no interior, ainda que tenha segurança, e literalmente “desligar” o país.
A explicação sobre a possibilidade de acontecer de novo não foge ao lugar-comum: “Estamos estudando para verificar o que pode ser feito para evitar isso”, resumiu o ministro Edson Lobão. É pouco. Quem está estudando, não tem plano alternativo pronto. Amanhã pode acontecer de novo. Ou seja, a explicação do ministro foi mais preocupante do que tranquilizadora.
Outro problema que contraria princípios básicos de gestão de crise, nesse episódio, foi a avalanche de porta-vozes. Desde a madrugada, qualquer autoridade ou pseudo-especialista que passasse perto de um microfone, do governo à oposição, era pescado para dar palpite. Até o ministro da Justiça considerou o episódio um “microproblema”, negando que tivesse acontecido um apagão. O problema não é semântico, mas real. Certamente, ele não teve a energia cortada na sua casa, nem perdeu todo o estoque de carne, sorvete, remédios, chocolates, como muitos comerciantes. Ou foi assaltado na escuridão, como aconteceu com uma dona de casa que morreu durante assalto em S. Paulo. Ou enfrentou o caos do trânsito no Rio e em S. Paulo, seguido da falta de água para tomar banho.
Impressiona como membros do governo e empresários não aprendem com os erros dos outros ou com os tropeços do passado. Excesso de porta-voz para aparecer na imprensa, só pode resultar em confusão e discursos evasivos. Seguido da falta de transparência. Resultado: até agora os brasileiros não conseguiram realmente entender o que aconteceu. Até o presidente da República, embora se esquivasse de opinar sobre a causa, deu palpite sobre o tema. Nessas horas, por que não concentrar as informações num único porta-voz, para que fluam coerentes e corretas. Foi o que fez o presidente Lula. Certamente nem ele teve uma explicação convincente. Proibiu autoridades de dar palpite e mandou concentrar as informações numa única fonte.
Mesmo assim, o apagão serviu para mostrar vulnerabilidades não apenas do governo, mas de várias empresas e órgãos públicos que tiveram que improvisar atendimento ou suporte a situações que dependem de energia. Poderia servir como teste e ensinamento de que em situações de emergência o improviso não funciona. É uma boa lição de como agir em situações graves de crise. Isso vale tanto para o governo quanto para empresas ou para o cidadão comum, que não tem sequer uma lanterna em casa.