O papel da imprensa ainda continua mal interpretado por certos governantes. O presidente Lula afirmou à revista Piauí que não lê jornais, nem assiste noticiários, porque o jornalismo lhe faz mal ao fígado, a imprensa informa mal ou deturpa as notícias, preferindo as informações repassadas por assessores, que seriam mais fidedignas. É uma forma de ver o mundo, pelo olhar cor-de-rosa dos áulicos. Isso lembra um executivo que tentou proibir a divulgação do clipping da empresa pela intranet, para que os funcionários não soubessem das matérias negativas, que por vezes falavam mal da diretoria. Brigar com a notícia ou fingir que a ignora é das piores coisas que um governante ou empresário pode cometer.
Alguns brincam de fazer notícias. O folclórico presidente da Bolívia, Evo Morales, achou uma maneira bem simplória e auto-referencial para reagir à onda de notícias críticas ao seu governo. Resolveu criar o próprio jornal. O jornal Câmbio é sua resposta ao difícil relacionamento com os veículos privados. Ele critica os jornalistas, que não teriam dignidade. O novo jornal tem circulação diária de apenas 5.000 exemplares. Adivinhem de quem é a primeira foto da capa? Morales vai ficar contente todas as manhãs lendo as notícias fabricadas pelos próprios assessores. Pobre Bolívia!
O outro presidente folclórico, Hugo Chaves, da Venezuela, já fez gatos e sapatos para impedir críticas da imprensa livre. Chegou a fechar um canal privado de TV, porque publicava notícias críticas ao governo. Perseguiu jornalistas. Ele deve ficar muito feliz quando assiste as tevês oficiais com as “boas” notícias de seu governo. Não tem muita diferença da China, que censura sites e notícias da internet. Os chineses chegaram ao requinte de censurar o discurso de Obama, quando ele se referiu ao comunismo. Israel também teve uma recaída. Impediu o acesso de jornalistas à faixa de Gaza, divulgando somente a sua versão oficial do conflito. Isso não impediu que as tevês árabes denunciassem ataques covardes à escolas e depósitos da ONU. As versões oficiais nunca duram muito.
Na França, Sarkozy aprovou um pacote anti-crise para a imprensa. São US$ 777 milhões distribuídos por três anos, destinados a aumentar a verba publicitária e à modernização do parque gráfico francês, além de adaptação à era digital dos direitos autorais dos jornalistas. O governo francês propôs também a assinatura gratuita de um jornal por um ano para jovens de 18 anos e a obrigatoriedade de leitura de notícias em salas de aula. O governo arcará com os custos e o objetivo é atrair e fidelizar leitores jovens.
A imprensa francesa vive em crise. Jornalistas convocam greves para protestar contra demissões. A ajuda de Sarkozy vem em boa hora, porque além da crise dos jornais, que perdem leitores e anunciantes, houve queda de publicidade para todas as mídias eletrônicas, incluindo a internet. A imprensa francesa sempre tão crítica em relação aos governantes, será que vai amolecer agora que Sarkozy abriu a carteira para ajudá-la?
Enquanto isso, acima do Rio Grande, Obama vive os primeiros dias de lua-de-mel com a imprensa. De agora em diante, acabou o oba-oba e se ele não mostrar serviço rapidamente, a mídia americana vai começar a cobrar e a bater. Um dia depois da posse, o porta-voz já recebeu reclamações pela mídia ter sido preterida no segundo juramento de Obama, realizado internamente sem a presença de fotógrafos da imprensa.
Obama assumiu com o apoio irrestrito, até mesmo de veículos conservadores e tradicionais, que apoiaram os republicanos na eleição. O grupo News Corporation, do empresário Rupert Mudoch, que não apoiou Obama na eleição, moderou o noticiário nos últimos dias, dando uma trégua ao novo presidente.
Mas certamente a onda pró-Obama candidato, que permeou todo o processo eleitoral, acabou. Agora quem está sob os holofotes é o presidente dos Estados Unidos. Se a imprensa aprendeu com os próprios erros, nos anos Bush, que não deve tomar partido, caso contrário quebra a cara, Obama deve ficar muito preocupado, porque certamente em tempos de crise esse convívio não vai ser fácil.