Imprensa amordaçada 2A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que estabeleceu que empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas por declarações feitas por entrevistados é considerada “impossível de aplicar na prática” por especialistas em direito.

Ao permitr a responsabilização civil de veículos de imprensa por entrevistas com indícios de falsidade, o voto usa expressões de significado amplo que ainda deixam margem para dúvidas sobre eventuais julgamentos.

Especialistas ouvidos pelo jornal “Folha de S. Paulo” dizem que, “a definição se dará na análise de casos concretos. Entre os pontos que demandarão maior esclarecimento está o que é o dever de cuidado que o veículo precisa ter, conforme citado pelo Supremo, e como serão tratadas circunstâncias como entrevistas ao vivo.” Eis aí o primeiro grande dilema. Como um veículo eletrônico poderá controlar o que o entrevistado vai dizer, para responder a uma pergunta? Como a sociedade vai ficar sabendo de revelações às vezes inéditas que podem levar à queda de um alto executivo ou de um presidente da República, como já aconteceu."

O que o Tribunal aprovou no dia 29 de novembro? A tese que prevê responsabilização civil e eventual remoção de conteúdo por "informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais".

Para esses especialistas, “a definição se dará na análise de casos concretos. Entre os pontos que demandarão maior esclarecimento está o que é o dever de cuidado que o veículo precisa ter, conforme citado pelo Supremo, e como serão tratadas circunstâncias como entrevistas ao vivo.”

Impensa censuraPara o advogado constitucionalista e Colunista da publicação Poder360, Andre Marsiglia, “a decisão do STF que torna a imprensa responsável pela declaração de entrevistado é inconstitucional. A responsabilidade haverá se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da afirmação; e (ii) se o veículo deixou de verificar a veracidade dos fatos.”

“Acontece que indícios concretos não existem. Ou são indícios, ou são concretos. Tanto que a existência de indícios leva o judiciário a investigar, não a punir. A imprensa não pode pressupor a existência de uma afirmação ilícita ou inverídica em razão de indícios. Será exigir dela maior rigor com as declarações do entrevistado do que se exige do próprio judiciário.”

E continua o advogado, na análise do que representa esse bizarro decreto:

“Do ponto de vista jurídico: o STF transformou a garantia constitucional do exercício da liberdade de imprensa em uma atividade de risco. Do ponto de vista prático: entrevistas que tenham uma mínima possibilidade de resultar em controvérsia serão evitadas, em outras palavras, serão autocensuradas pelo próprio veículo, evitando prejuízos.

É um ataque ao jornalismo investigativo, que vive de apurações de fatos políticos, sempre controversos. É uma forma de estimular que o jornalismo reproduza apenas versões oficiais. É uma forma de matar o jornalismo. É pura censura. Mais inconstitucional impossível.”

“E que se diga, a inconstitucionalidade não decorre apenas da decisão constranger a liberdade de imprensa no país, mas também de não a proteger. A Constituição impõe a seus cidadãos o direito de se expressar e a suas instituições o dever de proteger esse direito.”

No entendimento da pérola jurídica do STF, o presidente Richard Nixon (1969-1974), nos Estados Unidos, não teria sido expurgado do poder, porque os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, não teriam tido respaldo jurídico para publicar as denúncias, repassadas por uma fonte anônima, sobre gravações do conhecimento da Casa Branca e do presidente, na sede do Partido Democrata. E Nixon não teria renunciado.

Uma das principais dúvidas sobre como esse decreto será aplicado, se refere às entrevistas ao vivo. Ê Marsiglia que explica:

“Muitos jornalistas estão me perguntando: e no caso de entrevistas ao vivo? A longo prazo, provavelmente se estabilize o entendimento de que a entrevista ao vivo minimiza a responsabilidade da imprensa, pois não se aferiu a veracidade da declaração porque não pôde, não porque não quis. Não há culpa na conduta.

No entanto, até esse entendimento se firmar, o mais provável é que entrevistas ao vivo sobre temas polêmicos sejam evitadas, evitando-se o risco/prejuízo. Ou então se imponha à fonte ou ao entrevistado a assinatura de um termo assumindo a responsabilidade integral pelas declarações. Algo que constrange e inibe o debate público.

Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmaram que a decisão do STF que admitiu a possibilidade de responsabilização de veículos de imprensa por fala de entrevistados precisa de melhores esclarecimentos e pode levar a decisões abusivas e à autocensura.

Qual foi a decisão do Supremo

O Supremo decidiu pela possibilidade de responsabilização em agosto. Estava pendente, no entanto, a elaboração da tese, porque, embora a maioria dos ministros tenha admitido a condenação, havia divergência sobre quais circunstâncias permitiriam que os veículos fossem responsabilizados. 

A tese fixada foi a seguinte: 

“1 — A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade
com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade
posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações
comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos
materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem
formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço
íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2 — Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de
crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à
época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de
observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de
tais indícios”

O QUE MOTIVOU A DECISÃO DO SUPREMO?

Segundo a “Folha de São Paulo”;

“Em agosto deste ano, o Supremo concluiu, em plenário virtual, o julgamento de um pedido de indenização do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, já falecido, contra o jornal Diário de Pernambuco. Em uma entrevista publicada pelo veículo em 1995, o delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, do Recife, em 1966.

A defesa de Zarattini sustentou que a informação não é verdadeira, que ele não foi indiciado ou acusado pela sua prática e que não foi concedido direito de resposta. O ex-deputado foi derrotado no Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas ganhou o processo no STJ (Superior Tribunal de Justiça), com indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.

A defesa do Diário de Pernambuco recorreu ao Supremo afirmando que a decisão do STJ contraria a liberdade de imprensa e que a condenação se deu pela mera publicação da entrevista, sem qualquer juízo de valor. O STF, porém, manteve a condenação por 9 votos a 2, mas não havia, até então, decidido se a tese seria válida para outros casos similares.”

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