A primeira página da edição de 19 de janeiro do jornal ‘Folha de S. Paulo” estampou um foto de Lula arrumando a gravata e na frente aparece um vidro quebrado, com um furo, como se tivesse sido atingido por um tiro. A foto de Gabriela Biló “foi feita com múltipla exposição”, segundo registra o próprio jornal na legenda da ilustração. Ou seja, uma sobreposição de imagens resultou naquela ilustração.
Naturalmente, a fotografia gerou um grande debate, nas redes sociais, que foram da defesa, sob a ótica da liberdade de expressão, do que a fotógrafa e o jornal podem fazer, até a crítica feroz de militantes e apoiadores do presidente Lula, com críticas pesadas sobre a ousadia da fotógrafa e do jornal em fazerem uma montagem insinuando um ataque à Lula. Muitas opiniões divididas, que vão da autonomia que o jornal tem, sob a égide da liberdade de imprensa, em usar a múltipla exposição para criar uma realidade que de fato não existiu. Lula não estava em Brasília no dia dos ataques, só foi no Palácio do Planalto no dia seguinte. E, por isso, não poderia estar na mira dos terroristas. Só por isso a foto como instantâneo jornalístico era impossível.
As reações foram as mais diversas, mas principalmente contra a fotógrafa, que passou o dia explicando nas redes sociais sua posição. “Como a autora da foto, aceito as críticas. Ninguém é obrigado a ver o mundo da mesma forma que eu. Respeito as diversas leituras e dores que causou. O debate sobre a dupla exposição no fotojornalismo é valido e rico. Não precisa ser fechado. E por hoje chega.” A jornalista recebeu ameaças de extremistas, pelas redes sociais, até com a divulgação do seu endereço particular. Ela explicou nas redes sociais como a foto foi feita.
As opiniões se dividiram. Muitos internautas elogiaram: “Considero a foto de @gabrielabilo1 uma obra de arte, pela qualidade da imagem e pela ambiguidade que comporta. Minhas questão é a escolha como foto ilustrativa do jornal, justamente por essa mesma ambiguidade. Uma questão editorial.”
E críticas: "Vamos falar a verdade? Essa polêmica envolvendo a fotojornalista da Folha @gabrielabilo1 não é por causa da foto ou da técnica. É por causa do personagem. Se a imagem envolvesse Bolsonaro, a esquerda - que hoje critica - estaria aplaudindo. E em alto e bom som."
O fotógrafo Rogério Reis, ex-editor do Jornal do Brasil, declarou à colunista Ruth de Aquino, de O Globo: “Essa foto vai contra os princípios éticos do fotojornalismo. Não se publica, ainda mais nesse momento de fragilidade de ameaça fascista. Subverte o código da fotografia documental. Claro que um profissional pode interpretar a realidade seguindo seu juízo de valores. Mas o fotojornalismo tem que começar e se encerrar no capítulo da documentação, ainda mais num veículo de formação de opinião. A ‘foto construída’ nos remete a Man Ray nos anos 30, não é jornalismo. Existe ainda a foto técnica, com fusões, sobreposições. Mas no jornalismo não dá para colar uma foto na outra”.
Nas redes, também se abriu um grande debate sobre fotojornalismo. Naturalmente, a escolha das fotos que irão para a primeira página dos jornais é um dos grandes desafios diários dos editores e diretores de redação. Ainda bem. Porque até os anos 1940, os jornais em preto e branco praticamente não tinham ilustrações, pelo menos no Brasil. A chegada da fotografia foi uma mudança radical na forma de apresentar a primeira página. Mais completa ainda, quando chegou a cor na impressão dos jornais e revistas.
Geralmente, é a foto mais impactante e marcante do dia. O que não foi o caso. A ilustração de Lula com um vidro na frente foi uma montagem. E a dúvida que fica é se deveria ter sido publicada, num momento em que os ânimos no país estão profundamente exaltados. Não sugeriria um ataque ao presidente? Os jornalistas estariam insinuando alguma coisa? Ela permite inúmeras leituras, como toda a ilustração. Mas, ao fim e ao cabo, não deveria se classificar aquela ilustração como fotojornalismo, porque são imagens sobrepostas que foram manipuladas para refletir algo que não aconteceu. O nome correto seria fotomontagem.
Há 17 anos, publicamos um artigo científico na revista Universitas Comunicação, do Centro de Ensino Unificado, UniCEUB, sobre fotojornalismo. O trabalho “A foto do dia: Ensaio sobre Fotojornalismo e Análise Documentária”, catalogou e estudou ilustrações da primeira página de jornais, num dia determinado. Muitos pontos levantados naquele artigo têm a ver com a discussão que a fotomontagem da “Folha” propiciou nesta semana. Clique aqui para ler o artigo completo.
A foto do dia: Ensaio sobre Fotojornalismo e Análise Documentária
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