Queimadas Amazonia1"É uma lei imutável que na batalha campal entre percepção e realidade, a percepção sempre vence." (Steven Fink*).

O Brasil assiste há pelo menos 15 dias uma das maiores tragédias de destruição de florestas, parques nacionais, reservas ambientais e áreas de preservação da história. O fogo destrói florestas, a fauna e a flora na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e outras regiões do país, onde a seca, o calor, a baixa umidade e a irresponsabilidade de proprietários rurais, ou até mesmo atos criminosos, acabam se juntando, numa conjunção extremamente adversa, para alimentar essa tragédia ambiental.

O Pantanal, conhecido mundialmente como um santuário, a maior área inundável do planeta, queima há mais de duas semanas. Cerca de 20% da área já teriam sido calcinados, com a consequente dizimação de inúmeras espécies da fauna e da flora local. Não sabemos a dimensão que a pior queimada em décadas poderá causar àquele paraíso. Lamentável constatar que grande parte do fogo foi provocado pelo próprio homem, aliado às consequências da estação seca, à falta de chuvas e redução dos mananciais. Imagens dos satélites que vigiam lá do alto mostram um Brasil com grande parte do Norte e Centro-Oeste cobertos pela fumaça. O Pantanal vive seu pior ano em termos de queimadas. De janeiro a setembro de 2020, somou 12.703 focos de incêndio, o maior número para o período desde que o INPE começou o monitoramento, em 1998. 18,6% do território já foi consumido. A área incendiada é equivalente a 3 milhões de estádios do Maracanã, por exemplo. Num único parque, o Encontro das Águas, no Mato Grosso, a destruição alcançou 85%.

E tem mais. Pelo segundo ano seguido houve redução no orçamento total para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. A verba inicialmente planejada para a área em 2018, de R$ 53,8 milhões, foi reduzida em 2019 para R$ 45,5 milhões, e para R$ 38,6 milhões em 2020. Descobre-se, em plena estação seca, que contratar brigadistas não foi prioridade do Ibama, porque a licitação só foi publicada em julho, quando deveria ter sido feita lá em maio, antes do auge da crise. Seria leviano admitir que tenha sido proposital, atribuindo-se à incompetência mesmo. Lamentável sobre todos os aspectos. Especialistas admitem que o ritmo das ações do governo deixou a desejar: demora, oferta de recursos e infraestrutura incompatíveis com o tamanho do desastre. Como se essa crise não fosse com ele.

Queimadas onça pantanal 2020Alia-se a isso, a falta de liderança e de um plano consistente das autoridades federais, principalmente do ministério do Meio Ambiente, para dar uma resposta rápida, eficaz e transparente para debelar essa crise. Até certo ponto, prevista. A tentativa de politizar o problema ambiental brasileiro, no meio de uma crise grave, tentando inclusive desqualificar o trabalho do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, só vem contribuir para manter as chamas acesas, retardar o combate e atrapalhar a gestão, principalmente na Amazônia e no Pantanal, onde os esforços de ONGs, brigadistas e voluntários parecem ser a única esperança de vencer essa batalha. Já perdida, em grande parte, porque o solo que queimou, a floresta destruída e a fauna atingida são fatos consumados, para os quais não há remédio.

Da União Europeia e de alguns líderes europeus vêm sinais de que o Brasil terá problemas sérios até mesmo com as exportações. Empresários estariam questionando a aquisição de produtos que provêm de áreas onde as queimadas parecem não ter controle, principalmente da Amazônia e Centro-Oeste, de onde sai grande parte da carne exportada. E demonstram preocupação com a fraqueza e inoperância das autoridades responsáveis para coibir a destruição do meio ambiente. Ou seja, temos um problema climático, mas também econômico. Junto com as queimadas, a poluição, a fumaça, a fuligem fazem mal à saúde, causando doenças pulmonares. O que completa o ciclo deletério, com mais uma crise, a sanitária.

O fato e a versão

Queimadas da Amazonia 2020Argumentos do governo de que os dados do INPE dariam destaque aos dados negativos das queimadas, principalmente na Amazônia, e até mesmo tentativas de negá-las ou minimizá-las, não ajuda a melhorar a imagem do país no exterior. O próprio Vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia, questionou de público a forma de divulgação dos dados oficiais do Instituto. Como se a instituição publicasse apenas números desfavoráveis e ocultasse os positivos, como, por exemplo, a redução no número de queimadas, neste ano. Ele ficou sabendo, então, que esses dados são públicos, com acesso a qualquer pessoa. E são informações consideradas autênticas, inclusive no exterior.

O sistema Deter mostra derrubada de florestas em quase todos os meses de 2020. Brigar com a notícia, querer matar o mensageiro não é a melhor forma de resolver o problema ambiental do Brasil. O combate aos incêndios não pode se tornar um debate ideológico. E para o Brasil seria muito melhor que a corda só fosse puxada para um lado: o da repressão aos violadores da Lei e o apoio total ao combate sem tréguas às derrubadas das florestas e às queimadas. O governo insiste em criar um sistema paralelo ao do INPE para monitorar as queimadas. O problema não é apenas o investimento (o ministério da Defesa quer bancar um satélite de R$ 577 milhões no monitoramento da Amazônia), mas quem vai administrar os dados, que poderão ser “contaminados” pelos negacionistas.

Da parte do governo, como diz o jornal “Folha de São Paulo”, em editorial, “o negacionismo de Bolsonaro, Mourão e Salles diante da devastação ambiental custa caro ao país”, tanto economicamente, quanto do ponto de vista reputacional. O ministro Ricardo Salles é acusado de patrocinar uma desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate a agressões ao patrimônio natural. Ou pelo menos de fazer vista grossa às invasões, violações à lei, inclusive em territórios indígenas. Como porta-voz preparado, ele sempre tem uma explicação técnica para dar, mas dificilmente convence, principalmente após a escorregada que deu na famigerada reunião – vazada - do ministério, com o presidente Bolsonaro, em abril deste ano. Admitir, como fez quinta-feira passada, que o fogo no Pantanal tomou “proporção gigantesca”, foi apenas uma forma de dizer "eu sei"! Como se o proprietário de uma grande indústria deixasse primeiro o depósito queimar em proporções gigantescas para só depois dar o alarme e chamar o Corpo de Bombeiros.

Nas duas últimas semanas, o presidente da República foi ao Nordeste e ao Mato Grosso e insistiu pra uma plateia de apoiadores e produtores num argumento falacioso de que o Brasil estava “de parabéns”, pela maneira como preserva o meio ambiente. Ora, mesmo que essa frase de efeito correspondesse à verdade, diante das imagens que inundam a mídia e as redes sociais do Brasil e do mundo, neste mês, não há como minimizar a percepção internacional com frases de efeito. Como diz o pesquisador americano de Crisis Management, Steven Fink, autor de Crisis Management: Planning for the Inevitable, nessa batalha acirrada entre realidade e percepção, a percepção sempre vence. O Brasil passou a ser vilão no combate às queimadas e na preservação da maior floresta tropical do mundo. Até porque a Amazônia simboliza tudo aquilo que o mundo entende como um paraíso que não pertence somente ao Brasil. Mas um santuário sobre o qual todos teriam direito.

Se o as autoridades não dão sinais de que se importam com a preservação, como fazer a população, os produtores, invasores, garimpeiros e até os índios admitirem que há limites e responsabilidade. E que eles não têm o direito de invadir e destruir a floresta. Se quem administra o meio ambiente e tem o poder de interferir não constrói um discurso afirmativo e autoritário, foge do tema e até mascara situações como as que estão ocorrendo no país, como vamos resolver essa crise? O fato é: as queimadas estão ocorrendo em níveis nunca antes registrados. A Amazônia e o Pantanal estão sendo destruídos, pelo menos em parte. A mudança climática é uma realidade. Negar, não contribui para que o Brasil preserve o que ainda resta das florestas, mananciais, reservas e parques nacionais. A melhor forma de solucionar a realidade de uma crise é enfrentando o problema, com transparência, coragem e ações proativas. Aliar-se ao presidente dos Estados Unidos nessa cruzada anticlima, negando o que acontece na nossa frente, joga o Brasil na contramão de tudo que a humanidade deve fazer pra salvar o Planeta, neste delicado momento que vive a civilização.

*Steven Fink. O americano costuma ser chamado de Reitor de Gestão de Crises por seu trabalho pioneiro na área. Seu livro seminal sobre o assunto,Crisis Management: Planning for the Inevitable, ainda é o livro mais bem-sucedido e amplamente lido sobre gerenciamento de crise já publicado.

Fotos: Floresta amazônica em chamas (Araquém Alcântara); Pantanal, após queimada.

O pior setembro dos últimos tempos

Focos ativos de incêndio, entre 1º e 16 de setembro DE 2020, segundo o serviço Fire Information for Resource Management System (FIRMS) da NASA. Pico no dia 13 de setembro de 2020, com 11.958 focos. Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/09/20.

Queimadas grafico setembro NASA

 

Outros artigos sobre o tema

Descaso no Pantanal e Amazônia ameaça negócios do Brasil enquanto governo se isenta de responsabilidade

Governo Bolsonaro corta verba para preservação de incêndios florestais

Heleno diz que queimadas são "fenômeno natural" e que críticas são tentativa de derrubar Bolsonaro

Redes Sociais

trheads novo2 redeface redeflick  redelinkedin

banner livro rodape herodoto