Wirecard empresa alemã que esta em crise junho 2020Era só o que faltava na Europa, ainda convalescente da pandemia do coronavírus: um escândalo financeiro. A gigante alemã de tecnologia financeira Wirecard é pouco conhecida no Brasil, mas nos últimos dias protagonizou um dos maiores escândalos contábeis do século e virou manchete nas páginas financeiras. O executivo-chefe da Wirecard, Markus Braun, renunciou, semana passada, quando a empresa, que ele construiu no grupo de tecnologia financeira mais valioso da Europa, não conseguiu explicar por que falltavam € 1,9 bilhão (R$ 12 bilhões) em dinheiro nas contas bancárias da empresa.

O pedido de insolvência, no valor de R$ 12 bilhões, é uma das maiores crises corporativas da Europa, no pós-guerra. É a primeira empresa do prestigiado Dax 30 da Alemanha, o equivalente ao FTSE 100 (índice Top da Bolsa de Londres), a pedir insolvência e seu colapso ocorre em meio a um escândalo contábil que levou à prisão do CEO. Em 19 de junho, o presidente e principal acionista da empresa, Markus Braun, se afastou em acordo com o conselho de administração do Grupo. Quatro dias depois, ele foi preso por suspeitas de manipulação de mercado e, depois, liberado após pagar fiança de milhões de euros.

Os problemas da Wirecard se aprofundaram depois que o auditoria Ernst & Young (EY), alertou, na semana passada, que não havia sido capaz de verificar a falta de €1,9 bilhão de fundos, ao auditar os números de 2019, acrescentando que havia "fornecido falsas confirmações e declarações em relação às contas de garantia".

A Wirecard foi avaliada em mais de 24 bilhões de euros em 2018 (R$ 148 bilhões) e 13 bilhões de euros (R$ 80 bilhões) na semana passada, antes da revelação do escândalo. Agora, a empresa está avaliada em menos de 400 milhões de euros depois que as ações caíram 74%, na última 5ª feira, 25 de junho. O CEO disse que a confiança do mercado na Wirecard "foi profundamente abalada", acrescentando que a empresa tinha "tecnologia excepcional e recursos suficientes para um grande futuro".

Estrela do silício

A Wirecard forneceu tecnologia que ajudou a processar os pagamentos e foi a empresa fintech mais valiosa da Europa. O desaparecimento é um golpe na orgulhosa reputação comercial da Alemanha e nas perspectivas da Europa de desafiar os gigantes americanos do Vale do Silício, diz o jornal britânico The Times, na edição de 26 último.

A empresa era uma estrela no tradicional mercado alemão de tecnologia. Apesar de ser a maior economia da Europa, a Alemanha tem um mercado financeiro dominado por empresas tradicionais, como grandes montadoras, bancos e indústrias, e ainda tem uma economia menos digitalizada que países europeus como Suécia e Reino Unido, diz a revista Exame.

Neste sentido, a queda da Wirecard é um baque que vai além dos limites da companhia. A derrocada ocorreu, quando a empresa anunciou que estariam faltando 1,9 bilhão de euros no caixa (12 bilhões de reais), o que a forçaria a renegociar com bancos e a interromper pagamentos. A inconsistência no balanço também coloca em dúvidas o futuro do Wirecard Bank, uma subsidiária promissora no mercado financeiro alemão.

O colapso da empresa com sede em Munique deixou também a filial do Reino Unido e outras subsidiárias com um futuro incerto. A Wirecard disse ontem que a possibilidade de as subsidiárias terem que pedir insolvência estava sendo "avaliada". A empresa informou que estava entrando com pedido de falência por causa de "insolvência iminente e do superendividamento".

A EY disse que havia "indicações claras de que se tratava de uma fraude elaborada e sofisticada, envolvendo várias partes do mundo em diferentes instituições, com um objetivo deliberado de enganar", segundo o jornal The Times.

Promotores de Munique abriram uma investigação criminal sobre a empresa, que culminou na prisão do CEO. Os promotores estaduais estão investigando outros três gerentes da Wirecard, não identificados, por suspeita de fornecer informações falsas aos investidores. Existe ordem de prisão para um ex-diretor, nas Filipinas. Ou seja, o estrago na reputação da empresa já está feito.

No Reino Unido, onde a Wirecard tem uma filial, com milhares de clientes, seu futuro está no ar. O órgão regulador da cidade está em contato diário próximo com os negócios do Reino Unido, cujos investidores estão preocupados com o impacto do escândalo em seus próprios clientes, que incluem centenas de milhares de pessoas que guardam dinheiro com cartões pré-pagos emitidos pela Wirecard Card Solutions.

O The Times informou hoje (28) que a Autoridade de Conduta Financeira impôs restrições à subsidiária da Wirecard no Reino Unido, a Wirecard Card Solutions, na semana passada. Os requisitos foram projetados para proteger os clientes da empresa e impedir que os ativos sejam movidos para a empresa controladora.

            Executivo alega que o dinheiro estava em dois bancos asiáticos; um deles diz que a empresa não é sua cliente. (Computer World)

Uma empresa sólida na aparência

Wirecard Crise depositos não aparecem nas contasEm 2018, no último balanço disponível, a Wirecard processou 125 bilhões de euros de pagamentos de cartões de crédito e débito com as bandeiras Visa e Mastercard, o que levou a um faturamento de 2 bilhões de euros. A companhia tinha mais de 250.000 empresas parceiras. Assim como em outras fraudes contábeis, a crise da Wirecard também coloca em escrutínio os auditores — a companhia foi auditada pela Ernest Young durante a última década, como informa o jornal Financial Times.

Acrescenta ainda o jornal londrino, que, segundo uma auditoria especial da KPMG, até metade das vendas da Wirecard pode ter sido inventada. O foco da aparente fraude eram as operações internacionais da companhia com parceiros obscuros, que compensavam as perdas em outras 40 frentes de negócio domésticas da companhia. 

Naturalmente que a derrocada da Wirecard causou um frisson no mercado. O maior gerente de ativos da Alemanha, DWS, que até recentemente era um dos 10 principais acionistas da Wirecard, disse que processaria a empresa e Braun por danos. A Union Investment, outro ex-10 principais investidores, também está considerando ações legais contra um grupo que por quase duas décadas foi considerado uma rara história de sucesso da tecnologia alemã.

Cases emblemáticos

A revista The Finanser, em denso artigo, analisa a crise da Wirecard. "Convém lembrar crises semelhantes ocorridas na década de 1990. Essa crise lembra a da Arthur Anderson e Enron, uma mistura de duas empresas, que criaram uma confusão contábil maior do que qualquer outra vista na história corporativa. Isso foi até Ernst & Young (EY) e Wirecard. Curiosamente, houve muitas bagunças nas auditorias nas últimas décadas, mas há alguns problemas realmente surpreendentes com esta mais recente, como a EY não se preocupando em verificar os extratos bancários da empresa nos últimos três anos."

"De fato, o que é surpreendente é que os 1,9 bilhões de euros, que faltam, só foram descobertos como uma irregularidade quando a EY finalmente checou as transações financeiras da Wirecard em Singapura, Manila e Dubai. Quando a EY pediu a dois bancos nas Filipinas o saldo da conta Wirecard e os bancos disseram: 'Que conta Wirecard? Nós não lidamos com eles.' Hmmmm… Wirecard alegou que eles tinham mais de dois bilhões de dólares nessas contas." Como registra artigo da Computer World: Um desenrolar bem triste para uma empresa que no início do ano estava listada entre as 30 principais companhias do índice alemão de ações DAX, chegando a ser avaliada em US$ 28 bilhões." Certamente, mais uma para a coleção das "crises de gestão", que passou pela mesa da diretoria.

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