Tony Hayward entrevista de criseAno Novo, governo novo. No momento em que dezenas de políticos e executivos são convidados e se preparam para assumir cargos no novo governo, é bom prestar atenção nos contatos com a imprensa, com o Congresso, políticos ou até reuniões públicas para não falar bobagem. Muita gente nessa hora ficou com a carreira marcada por frases ou opiniões polêmicas que escaparam em momentos de cochilo com interlocutores.

Quem não lembra o “relaxe e goze” de Marta Suplicy, em pleno apagão aéreo, quando os aeroportos brasileiros se transformaram num caos, com atrasos, cancelamentos e filas, em 2007? Ou a declaração do CEO da British Petroleum, Tony Hayward, alguns dias depois da explosão da plataforma Deepwater Horizon e do megavazamento de petróleo, a 1.500 metros de profundidade: “Quero minha vida de volta”! O que acabou levando-o à demissão tempos depois. Muitos indicados para o novo governo já estão dando entrevista ou irão dar. Pelo visto, muita gente sem treinamento e experiência na vida pública. Nessa hora, vale lembrar o provérbio italiano La parola è d'argento, il silenzio è d'oro. Toda cautela é pouco.

A revista britânica The Economist publicou um artigo sobre “Gafes de chefes em público”*, em outubro, com exemplos de alguns experientes CEOs que escorregaram ou quiseram fazer gracinha com afirmações totalmente descabidas. “Em julho, Mark Zuckerberg, do Facebook, foi forçado a esclarecer uma observação, feita em um podcast, que alguns ouvintes interpretaram como um sinal de simpatia pelas pessoas que negam o Holocausto.” O CEO do Facebook teve que se explicar depois.

Ainda na The Economist, é lembrado o polêmico CEO do JP Morgan Chase, um dos maiores bancos americanos, Jamie Dimon, que “pediu desculpas depois de se comparar com o presidente Donald Trump. “Acho que poderia derrotar Trump (...). Sou tão durão quanto ele, mas sou mais inteligente. Ele poderia me socar o quanto quisesse”, vangloriou-se Dimon. Em seu pedido de desculpas, ele disse que o episódio “prova que eu não seria um bom político”.

“Agir como um político, com a obrigação de se manter na linha o tempo todo, é algo cada vez mais exigido de quem assume o cargo de principal executivo de um grande negócio. Há 20 anos, os chefes tinham de ser protegidos em eventos públicos, como a reunião anual, mas podiam expor suas ideias de maneira razoavelmente livre. A franqueza grosseira era vista como virtude. Agora eles precisam adotar estratégia de candidatos à presidência, ficando sob contínuo olhar inquisidor e vivendo a constante possibilidade de uma gafe que gere uma crise”, diz o artigo da revista britânica.

 Se o executivo comanda uma empresa com ações nas bolsas de valores, declarações impensadas podem causar vultosos prejuízos e até incriminá-lo em processos das autoridades financeiras. Dependendo do cargo, até declarações impróprias e intempestivas de políticos, o que significa presidente da república, ministros, presidentes ou diretores de empresas, podem influir no humor do mercado acionário. “Essa mudança surgiu por vários motivos. Uma é a regra chamada “Reg fd” (Regulation Fair Disclosure)**, aprovada pelos reguladores financeiros no ano 2000, que exige que as empresas divulguem informações para todos ao mesmo tempo.” Para isso, os diretores de mercado vigiam os executivos para não darem declarações de preferência perto da divulgação dos resultados. O “período de silêncio” precisa ser seguido nesses casos e nem entrevistas podem ser concedidas.

A The Economist cita o caso de um banco americano. “Baixar a guarda pode ser perigoso. Lloyd Blankfein, chefe do Goldman Sachs, brincou em 2009, dizendo que seu banco estava “fazendo o trabalho de Deus”, causando uma crise para a reputação da empresa, embora ele tenha conseguido permanecer no cargo”. O outro caso citado foi do presidente do Uber, Travis Kalanick, em 2017: “filmado todo animado ao som de música em um dos carros Uber, para em seguida discutir com o motorista (“Algumas pessoas não gostam de assumir responsabilidade pela própria merda”, disse Kalanick ao parceiro, que trabalha sem vínculo empregatício). O incidente foi um dos vários episódios negativos que resultaram na saída do executivo, naquele mesmo ano.

O que fazer? Não falar?

Segundo o artigo da revista britânica, “alguns chefes têm a autodisciplina de ferro para jamais escorregar em público, como Tim Cook, da Apple. Mas nem todo indivíduo é tão contido quanto Cook nem toda empresa tão bem-sucedida quanto a Apple. A alternativa é escolher uma das três estratégias. A primeira é projetar um personagem, como fazem as celebridades. Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, publicou dois livros que oferecem mistura de biografia íntima, autoajuda e negócios. Isso a isolou de parte do impacto dos escândalos do Facebook nos últimos dois anos.”

 “A segunda abordagem é de se associar a uma missão ética, cuja importância transcende as sutilezas diplomáticas. Indra Nooyi, ex-chefe da Pepsi, que recentemente saiu do cargo, critica constantemente o que chamava de mentalidade de curto prazo dos investidores. Como resultado, ela poderia ser incrivelmente crítica a eles sem causar reações negativas”.

 “A abordagem final é incorporar gafes como parte de sua personalidade pública como um sinal de autenticidade.” E a revista cita o exemplo, de novo, de Jamie Dimon, com uma atuação brilhante até aqui. Em 2015, ele se referiu a multas legais como “pisar em merda de cachorro”. Em 2017, ele lamentou as besteiras que estavam acontecendo no sistema político e também chamou o Blockchain de “fraude”. Mas, ressalva o articulista, Dimon nunca escorrega quando fala sobre os ganhos do banco JP Morgan Chase. Isso supõe, além de ampla experiência profissional, bons treinamentos.

*O artigo foi publicado em O Estado de S. Paulo, de 28/10/18, com o título "Gafes de chefes em público".

**Regulation Fair Disclosure é uma regra aprovada pela Securities and Exchange Commission, dos EUA, em um esforço para evitar a divulgação seletiva por empresas públicas para profissionais de mercado, analistas e certos acionistas.

Foto: Tony Hayward, CEO da British Petroleum, na época do vazamento no Golfo do México.

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