Marcelo Odebrecht biografia"Um príncipe precisa ter o povo do seu lado do contrário não terá apoio nas adversidades." (Maquiavel, O Príncipe)

Francisco Viana*

O que você esperaria encontrar em uma biografia de Marcelo Odebrecht? Informações sobre suas relações com a Operação Lava Jato? Como ele idealizou o departamento de “propinas” da Odebrecht – o chamado Departamento de Operações Estruturadas – que entre 2006 e 2015 teria movimentado mais de 10 bilhões? Qual o seu papel no cartel das empreiteiras? Como se geraram os negócios ilícitos na Petrobras? Como foram corrompidos os políticos na América Latina e na África? Por que Marcelo dizia que tinha “pressa” em fazer da Odebrecht em empresa global e teria dita ao então presidente Lula, em reunião na presença do seu pai, Emílio, que os “ interesses político-partidários” travam os negócios do governo?

Creio, que tudo isso e algo mais profundo, seminal: qual foi a gênese da cultura da corrupção? Como um jovem formado na cultura luterana, que no princípio da carreira omitia o nome Odebrecht e se passava apenas por Marcelo Bahia (o sobrenome é da sua mãe), para ser reconhecido não como o herdeiro, mas pelos seus próprios méritos, se transformou no “Príncipe” dos negócios ilícitos, a julgar pela trajetória descrita na biografia? Ou seja, como um jovem discreto, trabalhador e bilionário se tornou um personagem acusado de tantos crimes? Quais os seus valores mais íntimos? Que influência sofreu da família, nesse particular? Por que uma empresa com tão bons propósitos, fundados na exemplar tecnologia empresarial, caminhou por espaços tão diametralmente opostos?

Percorre-se o longo caminho que vai da primeira às últimas das quase 400 páginas de "O príncipe uma biografia não autorizada de Marcelo Odebrecht", dos jornalistas Marcelo Cabral e Regiane Oliveira, e não se encontram respostas. Ou na melhor das hipóteses, apenas indícios: o avô, Norberto, que via mais longe que os outros ("via cisco na lua") e costumava se reunir com os netos para transmitir sua experiência; o pai que expandiu os negócios na ditadura militar e cultivava laços de amizade com o general Ernesto Geisel; e o fato de pertencer a uma geração que tem pressa. Nada mais.

Mas se peca nessa questão essencial. O livro tem méritos ao apontar o erro estratégico de Marcelo ao optar por atacar a Operação Laja Jato e insistir na tese de sua inocência. Apostou na pós-verdade, desprezando os fatos, e não deu certo. Nem podia. A mentira repetida mil vezes não vira verdade. Os fatos falam mais fortes. São teimosos. Tanto que o “Príncipe” está atrás das grades e, ao contrário da sua, a narrativa da Lava Jato se afirma. Tanto que ele se viu obrigado a pedir desculpas e fez a delação premiada, que tanto abominava, ao lado de mais de 70 executivos da empresa.

Outro mérito do livro. Mostra que não basta escrever manuais para se formar empresas éticas. A prática é indispensável e isto significa coerência entre palavras e ações. Igualmente, revela a fragilidade da governança e do compliance, caso não se interiorize uma cultura ética e de responsabilidade com a marca e sua reputação.

Marcelo, informa o livro, tentou construir uma narrativa de inocência. Divulgou carta aos mais de 100 mil funcionários tentando desmoralizar a Operação Lava Jato. Pousou de empresário ético nas redes sociais. Tentou negar todas as acusações (da prática de caixa 2 à farta distribuição de propina) e desqualificar os acusadores, a começar pela mídia. O tiro saiu pela culatra. À medida em que os fatos se afirmavam, foi perdendo aliados, o poder e se envolvendo em uma trajetória descente.

Pôde-se concluir, ao final da leitura, que Marcelo Odebrecht embora seja chamado de “O Príncipe”, título inspirado na obra homônima de Maquiavel, não teve a virtù (a capacidade de mudar o destino) e não virtude (como querem os autores) de ler o tempo. Deixou, porém, este ensinamento: a missão maior da comunicação é a leitura do tempo. E o tempo brasileiro não é outro senão de condenar a corrupção e passar o país a limpo. Tanto que Odebrecht mudou a estratégia e abandonou a tese da pós-verdade: negar todas as acusações, negar e desqualificar os acusadores, virou passado. Voltou-se à velha e tradicional verdade dos fatos. Pelo menos, é o que parece indicar a realidade.

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP).

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