Lojas, empresas de telefonia e de transporte, além dos órgãos públicos acompanham nossos passos com câmeras e todo o tipo de parafernália por todos os lados. Até aí nenhuma novidade. Mas o colunista de tecnologia Alex Pell, em artigo no Sunday Times, de Londres, perguntou o que eles fazem com todos esses dados?
No artigo, ele critica esse verdadeiro Big Brother que espiona a vida dos cidadãos. Seja num supermercado ou até mesmo nas ruas, cada passo é monitorado por câmeras, celulares, GPS. O que significa vigiar também os hábitos de compra do consumidor.
Na Inglaterra, um shopping center começou a seguir os movimentos dos clientes pelos sinais de celular, capturados por receptores escondidos no centro da cidade. Com isso, os diretores do shopping conseguiam saber que produtos as pessoas estavam comprando, quanto tempo permaneciam nas lojas e até mesmo quando elas utilizavam os toaletes.
O sistema foi condenado pelas autoridades policiais e associações pelas liberdades civis por caracterizar uma total invasão de privacidade. Os dirigentes admitiram que a tática era apenas um “experimento”. Mas não é preciso essa prática “pirata” e condenável para estar monitorado. As informações sobre hábitos de compra de dezenas de milhões de clientes são rotineiramente gravadas em qualquer lugar do mundo toda vez que usam um cartão de compra fidelidade. Quando alguém se conecta on-line para comprar, está instantaneamente transmitindo detalhes sobre a localização, os gostos pessoais e marcas mais utilizadas. Cada compra on-line é monitorada e arquivada.
O autor admite que vivemos numa economia com fome de informação, em que se tornou quase impossível realizar tarefas sem enfrentar uma demanda por dados pessoais. Afinal, quem coleta todas essas informações pessoais, onde são armazenadas, como são usadas e quem tem acesso a elas?
Os cartões fidelidades e as bases de dados on-line das lojas se transformaram na maior fonte de informações pessoais sobre clientes sob controle de companhias privadas. Na Inglaterra, uma única empresa, a Dunnhumby, que opera o Tesco Clubecard – cartão fidelidade de um das maiores redes de supermercados ingleses - detém informações de cerca de 13 milhões de britânicos. Outro cartão fidelidade rival, o Néctar, que inclui corporações como Sainsbury’s, Ford e BP, tem 10 milhões de membros só no Reino Unido. Quando alguém subscreve um cartão Clubecard, por exemplo, os dados são separados em faixa vermelha e azul. Dados vermelhos são essencialmente nome e endereço, enquanto a azul consiste nos demais detalhes.
As empresas, ao criarem perfis de compra em arquivos, possuem um patrimônio valioso. Poderiam vender para outras empresas afiliadas, interessadas em lucrar com o hábito dos consumidores.
Os consumidores começam a reagir. Na Inglaterra, o Data Protection Act (Ato de Proteção de Dados) estabelece que informações só podem ser usadas para o propósito de sua obtenção e devem ser apagadas posteriormente. Mas sem uma fiscalização rigorosa, as empresas sentem-se livres para manter os dados arquivados. O articulista perguntou à rede Tesco, desde quando eles mantinham os dados dele arquivados. “Descobri que eles têm uma gravação completa de cada endereço onde eu vivi desde 1999, mesmo que eu tivesse usado o cartão Clubcard apenas uma vez durante esse tempo”.
Embora os lojistas aleguem que descartam os dados pessoais – a faixa azul - há uma correlação entre os folders que alguém recebe em casa e os hábitos de consumo. O material publicitário tem relação com coisas que se comprou no passado. Já existem organizações internacionais especializadas em vigiar e preservar as invasões de privacidade. Eles não acreditam que os dados pessoais sejam separados dos referentes a hábitos de consumo, como alegam os lojistas.
Web
Tudo isso remete à privacidade na web. A quantidade de dados pessoais exigidos por muitos sites para registro é tão detalhada que passaria despercebida anos atrás. Para uma simples operação de compra de ingresso, os sites requerem uma bateria de informações pessoais. Alguns pedem idade, endereço e detalhes sobre a vida pessoal, renda, bens de consumo na residência. Outros querem até saber se o consumidor é fumante e pedem o nome da mãe. Estas informações pessoais seriam um presente precioso para qualquer ladrão de identidade. Quando questionados, os sites são confusos em explicar o que fazem com esses dados.
Alex Pell diz que o nível de detalhe requerido pode ser espantoso. Algum tempo atrás, tudo que você necessitaria para alugar um carro por poucos dias seria a carteira de motorista. Hoje, sob o argumento de utilizar mecanismos de busca para alertá-las sobre roubos, as empresas conseguem acompanhar o movimento dos clientes. Além dos dados de identificação, elas ficam com detalhes do cartão de crédito como prova de identidade. Elas também escondem em muitos carros um GPS, que permite monitorar cada milha coberta. O propósito seria prevenir roubo dos carros. Entretanto, como acontece com muitas outras técnicas de segurança, usadas na luta contra o crime, pessoas inocentes são capturadas na rede espiã na maioria das vezes sem saber .
Em Londres, o Oyster card usado no pagamento de todo o transporte público também pode monitorar os passos do usuário. Desde 2003, cerca de 17 milhões de Oyster cards foram emitidos. Para obter um, basta pagar 3 libras de depósito. Para se qualificar para um eventual reembolso, em caso de perda, é preciso um registro completo – 4,1 milhões de cartões são registrados. Isto possibilita a TfL, empresa de transporte de Londres, monitorar quando e onde andam os cadastrados, não importa o lugar em que estejam.
O porta-voz da empresa diz que os movimentos dos passageiros ficam no máximo oito semanas na central da TfL e são usados para pesquisa e prestação de serviços aos usuários. Após esse lapso, as informações são despersonalizadas e usadas apenas para planejamento. O Data Protection Act preconiza que os clientes deveriam saber quais dados seriam coletados e com que propósito, mas a empresa falha nesse particular.
Como se não bastasse, ainda existem as prerrogativas para prevenir atos terroristas, que permite a cerca de 600 corporações, incluindo autoridades locais, o direito de demandar contas telefônicas e seguir alguém com objetivo de investigar qualquer tipo de ameaça. Restrições legais sobre dados no comércio, como o DPA, podem ser estendidas à internet e ao e-mail, se a União Européia aceitar as propostas do Reino Unido.
Até mesmo a própria polícia está preocupada com o que eles chamam de função repugnante da legislação designada para proteger, mas usada para bisbilhotar. O presidente da associação dos oficiais de polícia de Londres afirmou que o poder intrusivo do governo local e de outros organismos, ao permitir acesso ao reduto extremamente privado dos dados pessoais, estava causando um constrangimento geral.
Alex Pell conclui perguntando: quando até os oficiais de polícia advertem sobre o aumento do estado Big Brother, você deve saber que algo esta errado.