Relatório do Institute for Crisis Management, dos EUA, publicado agora, revela que o total de crises nos negócios (business crisis) , registradas pela mídia em 2009, caiu de maneira significativa em relação a 2008. Passou de 10.385 para 6.020, queda de 42%. A redução no número de crises não significou um cenário mais positivo, pela forte repercussão na imagem das empresas.
Embora o relatório não faça ressalva, observa-se que as crises são bastante concentradas nos EUA. Crises corporativas importantes ocorridas no Brasil, em 2009, como o acidente do Air France 447, naufrágios nos rios da Amazônia ou mortes decorrentes de deslizamentos, como em Angra dos Reis, e mesmo falências e quebras de empresas brasileiras não são registradas no relatório. Acidentes aéreos, mesmo em outros lugares não figuram no documento.
De acordo com o relatório do ICM, se, por um lado houve redução das crises, em alguns segmentos, como por exemplo nos ambientes de trabalho, a crise financeira não deu trégua. Houve um incremento de 32% no número de falências de bancos nos EUA. Além de crises na indústria aeronáutica e da falência de 140 bancos americanos. como resultado da recessão, do calote nos empréstimos e gestão temerária, aumentaram as crises relacionadas com recall de remédios, automóveis, carrinhos de bebê e alimentos.
O decréscimo no número de crises não significa que a mídia prestou menor atenção aos acontecimentos. Ao contrário. A impensa cobriu histórias de crises com mais detalhes do que tinha feito. Deve ser considerado também o impacto da internet e das mídias sociais. A velocidade da internet forçou a mídia tradicional a prestar mais atenção aos temas e eles foram reportados de uma forma diferente do que acontecia no passado.
A crise econômica, com todas as histórias das organizações que foram pivôs dos acontecimentos – Madoff, Goldman Sachs, AIG, Lehman Brothers, grandes e pequenas falências de bancos e o debate sobre qual o papel do governo dos EUA e dos contribuintes - dominou as primeiras páginas dos jornais, não somente nos EUA, mas ao redor do mundo, e monopolizou os noticiários de TV.
A crise não poupou ninguém. 1,43 mil consumidores e empresários pediram falência em 2009, o maior número de casos em sete anos, diz o relatório. O ano de 2009 ainda foi marcado pelo rescaldo da crise de 2008. Mas a crise econômica não estourou repentina e inesperadamente,. Ela ficou dando sinais por anos. Mas esses sinais de eminente desastre foram desconhecidos e ignorados pelos altos executivos e suas diretorias, segundo o ICM.
No trabalho do ICM, o número de crises que chegam de surpresa cresceu de modo significativo. Há um consenso entre os especialistas em crises de imagem de que a maioria das crises não chega de surpresa. A média dos últimos 10 anos mostra que dois terços de todas as crises são do tipo que dão sinais antes de acontecer, ou seja a maioria poderia ser reconhecida e evitada.
Admitindo, segundo o relatório, que grande parte das crises foram conseqüência de má administração, é natural a mexida no comando das companhias. Vários CEOS se demitiram ou foram demitidos em função das crises nas suas empresas. E não foram raros os casos de suicídios nesse público. Mas a crise financeira também propicia um aumento das fraudes. O FBI confirmou para o ICM que conduziu mais de 530 investigações de fraudes corporativas como resultado da tempestade financeira, incluindo 38 casos envolvendo alguns dos maiores nomes das finanças corporativas.
Defeitos e Recall
Apesar do número de recall e defeitos apresentados por produtos em 2009, o incremento no quadro geral foi de apenas 4%. 125 produtos alimentares, do sorvete às comidas para cachorro e alguns alimentos asiáticos foram contaminados pela salmonela, quase todos com a mesma origem: o amendoim produzido pela Peanut Corp. of America. Nove pessoas morreram e pelo menos 500 adoeceram, depois de ingerirem esses alimentos. Com a intensa cobertura da imprensa, uma ação criminal foi iniciada e o proprietário da empresa foi preso. A organização também fechou as portas e acabou pedindo falência.
Além do setor de alimentos, outras empresas precisaram de recall, como indústrias de brinquedos, carrinhos de bebê, baterias da Nokia, remédios, entre eles cápsulas do Tylenol para artrite, comida de gato e cachorro, vacinas, além de biscoitos da Nestlé.
Uma crise grave também ocorreu com a empresa AM@PAT, Inc. que vendeu US$ 7 milhões em seringas contaminadas com a bactéria heparin e saline para hospitais, infectando centenas de pacientes e matando pelo menos cinco. O processo era de 2007. A Federal and Drug Administration – FDA determinou o recall de todas as seringas. O CEO, para variar, fugiu para a ÍNDIA e dois empregados foram indiciados por transportar seringas contaminadas.
O recall, apesar de bem aceito pelo consumidor, constitui vultosa despesa e um problema para as empresas. Durante o ano, GM e Ford fizeram recall de carros, caminhões e caminhonetes. Mas o caso mais midiático, foi da montadora japonesa Toyota. Ela enfrentou no início de 2009 um recall de 1,35 milhões de carros, para ajustar problemas nos cintos de segurança. Em novembro, outros 3,8 milhões de veículos tiveram que corrigir defeito no tapete por causar problemas no acelerador. O defeito teria ocasionado dezenas de acidentes nos EUA, muitos com mortes. Esse recall comecou nos EUA e teve que se estender à Europa e Ásia. Esse passivo na imagem da montadora chegou até 2010, quando teve seu ápice. Os executivos foram convocados pelo Congresso americano pela maneira lenta e irresponsável como conduziram essa crise.
O desgaste da empresa foi muito grande. A Toyota teve prejuízos pela primeira vez em 59 anos e a sua imagem de “qualidade” foi posta em dúvida. Ela enfrentou várias ações nos Estados Unidos, onde teve uma queda acentuada nas vendas e precisou de muita energia e explicações para amenizar o noticiário negativo.
As crises mais comuns
O relatório do ICM apresenta também um levantamento, com base na cobertura da mídia, dos tipos de crises que ficaram no topo. O ranking é dividido por categorias. O maior volume de crises ficou assim distribuído: crimes de colarinho branco (18% em relação ao total); má administração (16%); acidentes causais (11%), ativismo dos consumidores (9%); defeitos e recall (8%); disputas trabalhistas (8%); ações judiciais de trabalhadores (7%). Caiu sensivelmente a incidência de crises envolvendo violência no trabalho (de 17% em 2008 para 4% em 2009).
Demandas judiciais
O relatório do ICM também constata um crescimento das ações judiciais, que colaborou para aumentar as crises das organizações. Em 2009, a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA teve que pagar mais de US$ 2,6 bilhões em indenizações e custas advocatícias relacionadas a ações por abuso sexual, desde 1950. A Rolls-Royce também enfrentou uma série de ações classistas por discriminação sexual. A internet também propiciou uma ação de US$ 7,2 milhões, contra nove pessoas e sites de internet que tentaram vender vídeos pornográficos, envolvendo erradamente a figura da ex-miss Virgínia.
Ações judiciais vieram de todas as formas e origem. Muitas organizações ao enfrentar essas ações legais, precisam de um plano de resposta à crise. A Pizza Hut foi condenada a pagar US$ 1.1 milhão a 15 membros da igreja de Mississipi, por terem consumido alimento contaminado. O laboratório Eli Lilly concordou pagar US$ 1 bilhão num caso relacionado ao anti-psicótico Zyprexa. Ela admitiu se considerar culpada, acusada de fazer marketing de uma droga para tratamento de doenças para as quais o remédio não estava aprovado. O impacto financeiro desses casos é extremamente negativo para as empresas.
Crises repentinas
Embora as crises previstas, aquelas que dão sinais e podem ser reconhecidas por alguém dentro da organização, tivessem sido maioria em 2009 (em torno de 65%), houve vários casos de grandes crises que chegaram de surpresa.
Dentre elas, a morte de 700 pessoas num terremoto na Indonésia, além de outro na Itália central que matou 207 e deixou milhares de feridos. Nas Filipinas, tufão matou mais de 600 pessoas. Onda gigante matou 200 na Ilha de Samoa, assim como centenas de mortes ocorreram também em Taiwan, China, no leste da Índia e em Bangladesh.
Há crises que acontecem e, após alguns anos, ainda continuam a fazer estragos nas empresas. A British Petroleum-BP, a mesma que este ano responde pelo maior acidente ecológico da história americana, no ano passado teve que pagar indenização de US$ 87 milhões por causa de uma explosão que matou 15 pessoas no Texas, em 2005. Outra presença constante no noticiário de crise são as minas de carvão. Centenas de trabalhadores morreram asfixiados ou soterrados em acidentes nas galerias, com destaque para a China. Mineiros morrendo em minas ao redor do mundo parece ser uma constante no noticiário internacional.
Violência no trabalho
A violência no trabalho, uma categoria sempre presente no ranking dos acontecimentos negativos todos os anos, diminuiu em 2009. Esse item abarca atentados em escolas e universidades, uma tragédia muito comum nos EUA e, agora, também na Europa e na China. Apesar de não ter havido um acidente nas proporções dos ocorrido no campus da Virginia Tech, em 2007, com a morte de 33 estudantes e professores, nos EUA um dos casos mais chocantes ocorreu na base militar de Fort Hood, no Texas. Um major do exército abriu fogo, matando 13 pessoas e ferindo 31.
Em vários outros casos envolvendo hospitais, escolas, restaurantes, igrejas, pessoas armadas atacaram e mataram inocentes. Na Alemanha, o atentado mais violento do ano: um estudante de 17 anos matou 15 colegas antes que a policia o matasse.
As maiores crises de 2009
O ranking dos setores que tiveram mais crises em 2009 foi liderado pelos bancos, seguido por indústria aeronáutica, empresas de investimento, indústria do petróleo, farmacêutica e automobilística, além das áreas de seguros, software e alimentação.
Os bancos, que já tinham merecido a cobertura mais negativa de 2008, continuaram nas manchetes em 2009. A indústria aeronáutica, as companhias de investimento tomaram o lugar da indústria do petróleo. O setor de alimentos melhorou, caiu para décimo lugar. Nesse segmento, a crise que mais chamou a atenção foi da Domino’s Pizza, quando dois empregados gravaram em vídeo brincadeiras na hora de preparar alimentos, esfregando o recheio de sanduíches no corpo. A brincadeira foi parar no You Tube num domingo. A Domino’s, tomada de surpresa, demorou a responder e na quarta-feira já tinha mais de 1 milhão de page views na internet. O estrago da imagem foi grande. A empresa demitiu os dois empregados e publicou vídeo no You tube com o pronunciamento do presidente, que se desculpou tentando amenizar a crise.
Na área de saúde, além da contaminação por salmonella, que causou a morte de nove pessoas e contaminação em 700, levando ao fechamento e falência da empresa responsável, erros médicos e violação de leis federais por prescrições de remédios em rede de farmácias responderam pelas crises do setor. Laboratórios foram penalizados. A Pfizer concordou em pagar US$ 2.3 bilhões num processo civil e criminal por promover e fazer marketing de drogas para tratamento de condições médicas que o governo federal não tinha aprovado. A gripe suína também foi marcante no ano passado, respondendo pela morte de 18 mil pessoas.
Tiger Woods e outras crises
O episódio envolvendo o atleta Tiger Woods representou uma crise pessoal, mas respingou nos seus patrocinadores. Ele perdeu vários anunciantes, que se retiraram após o escândalo sexual que envolveu o atleta, acusado de casos extra-conjugais denunciados pela própria esposa. Estudo da Universidade da Califórnia concluiu que as escapadinhas de Tiger Woods custaram aos acionistas das empresas patrocinadores algo em torno de US$ 12 bilhões em perdas.
Conclusão
O relatório do ICM, publicado anualmente desde a década de 90, constitui excelente material para entender a gênese da crise e os setores com maior incidência do fenômeno no mundo. Embora ele não contemple um expectro global, representa um valioso acervo de informações sobre crises empresariais, principalmente as localizadas nos EUA. Se nos detivermos em algumas grandes crises corporativas de 2009, poderemos perceber que por trás de todas existe alguma ação dos executivos ou de pessoas ligadas à empresa que erraram ou seguiram caminhos que acabaram gerando a crise.
As crises ocasionados por outros fatores, como os chamados “atos de Deus”, imponderáveis, imprevisíveis, são poucas no contexto corporativo. Mesmo em casos de tragédias, as empresas devem ter planos de contingência para não serem pegas de surpresa.