As duas maiores empresas aéreas do Brasil não aprenderam a dura lição sofrida nos dois mais graves acidentes aéreos do país. Depois de claudicarem em episódios de triste memória, que culminaram na morte de 353 pessoas e no célebre apagão aéreo, elas continuam a desafiar os passageiros, exatamente quem deveria ser parceiro na recuperação dessas empresas.
A Gol foi pivô de um entrevero ocorrido no voo 1667, de Recife a S. Paulo, em 31/08, quando usou a imaginação “inteligente” para estrear um serviço de cobrança de lanches, anunciado no avião, após a decolagem. Com razão, uma passageira inconformada resolveu estrilar e comandar um protesto coletivo, quando teria sido ameaçada pelo piloto. No mínimo, acionaram a Polícia Federal para “recepcionar” a passageira, a única coisa que essas empresas sabem fazer quando não conseguem contornar os próprios erros a bordo. A Gol alegou que manteve o lanche tradicional (amendoim e refrigerantes) e que a iniciativa “inédita no Brasil” foi adotada após “estudos aprofundados e pesquisas com clientes”. Só que esqueceram de avisar com bastante antecedência os principais interessados.
Os passageiros alegaram não terem sido avisados da cobrança dos lanches. Se foram, a Gol foi incompetente por não dar a publicidade devida, provavelmente porque não queria fazer muito alarde, para não assustar os incautos passageiros. Como é medida antipática, quanto menos transparente, melhor. Além disso, na venda do bilhete deveria ter ficado explícito, como fazem as empresas na Europa e nos EUA, que a passagem só dá direito ao transporte, sem refeição ou com refeição restrita. Isso foi feito, quando esses passageiros compraram a passagem?
As empresas são muito criativas para reduzir as regalias do cliente e extremamente conservadoras e lentas para resolver as demandas. A Gol chega ao requinte de cobrar uma diferença na passagem para um passageiro que chega, por exemplo, às 18 horas em Congonhas e gostaria de antecipar o voo, para não esperar até as 21 horas. Mesmo que o voo para o mesmo destino saia vazio às 19 horas, a Gol não aceita facilitar a vida do passageiro. Cobra diferença no preço da passagem e multa pela troca. É uma visão míope de mercado, de quem não quer agradar o cliente, mas irritá-lo.
Qualquer manual de marketing ensina que o primeiro mandamento de uma empresa de serviço é a satisfação do cliente. No imbróglio da refeição paga, agravado pelo fato de que comissários não são treinados para vender lanches, nem para manusear dinheiro, ao mesmo tempo em que servem refeições, a Gol fez tudo errado. Se alguém reclamou, é porque não teve uma comunicação efetiva. Mesmo assim, diante da reclamação dos clientes, o piloto deveria ter autonomia para resolver o impasse, dando razão aos clientes, como fazem os bem treinados gerentes de empresas que gostam de encantar o cliente, de que são exemplos internacionais a Disney, a Universal e a Microsoft. Na Gol, a solução foi a Polícia Federal.
Tam cobra pelo telefonema
A Tam também é muito criativa em inventar tarifas. Se um passageiro do Programa Fidelidade trocar os pontos por passagem, na internet, vai seguir um roteiro e, com sorte, se o sistema estiver funcionando, fecha a compra. Mas, se surgir algum problema na conexão, como costuma acontecer, e o passageiro quiser resolver por telefone, para fechar a passagem irá pagar, além da taxa de embarque, mais R$ 30,00 por utilizar o atendente no telefone.
É isso mesmo. Quem paga os salários das atendentes da Tam, na hora de ultimar a compra de uma passagem no programa Fidelidade, por telefone, é o passageiro e não a empresa. É uma forma criativa de cobrar mais uma taxa do cliente, entre uma bela voz em comerciais que prometem o céu para quem viajar ou comprar pacotes turísticos na empresa. Sempre deve-se ter cuidado com empresas aéreas que prometem o céu. Não sem antes sujeitar o usuário a uma maratona de alternativas numéricas, até conseguir chegar a um atendente.
O conforto dos passageiros é apenas um detalhe. Quanto mais poltronas, melhor. Mais faturamento para a empresa. E quem for ler jornal ou abrir o laptop, vai enfiar o jornal no próprio nariz ou o laptop na barriga para poder enxergar a tela, porque a distância entre as poltronas não permite que o passageiro estique os braços sequer para comer a lauta refeição servida à bordo: um sanduíche de queijo. Ou seja, o atendimento das empresas aéreas brasileiras diminuiu na mesma proporção dos lanches.
Despreparo para crises
Empresas com essa filosofia de trabalho, são extremamente despreparadas para enfrentar crises. Elas não se preocupam em construir um capital de credibilidade e muito menos procuram formas de agradar o cliente e transformá-lo num aliado. O cliente passa a ser um estorvo, conveniente apenas para aumentar o faturamento. Basta ver o que acontece nos balcões de atendimento, sempre com filas, clientes irritados e atendentes de cara amarrada.
Com esse desprezo pelo cliente, a Gol e a Tam são empresas que só sobrevivem num regime de duopólio, como vigora no Brasil. É por isso que resistem a qualquer movimento para reduzir passagens internacionais, com medo da concorrência. A quebra da Varig facilitou esse descalabro, fato, aliás, que está na raiz de toda a crise aérea e do apagão que o país viveu em 2006 e 2007. As duas empresas não se prepararam para a demanda. Mesmo agora, passados três anos, continuam a desafiar a Anac, a paciência e o bolso dos consumidores, com decisões como essa, de cobrar pelos lanches, iniciativa que só se justificaria se fosse mudada a política de tarifas, como acontece com as empresas americanas e européias, que funcionam no sistema low cost, low fare.
Enquanto isso, a Anac, a quem compete fiscalizar as empresas aéreas, limita-se a informar que a legislação não proíbe a cobrança de lanches. Realmente, mas não está proibido ser transparente nas relações com os clientes, esclarecendo com muita antecedência e com ampla divulgação que, a partir de determinada data, não haverá mais lanche e quem quiser leve dinheiro para melhorar os lucros das duas empresas.
O transporte aéreo no mundo todo passa por uma crise. Algumas companhias aéreas já cobram uma taxa por cada volume de bagagem despachado. Nos EUA, a Southwest lançou esta semana o programa EarlBird. O passageiro que pagar uma taxa adicional de US$ 10,00 tem o direito de embarcar primeiro e escolher o assento, que não é marcado nos vôos da Southwest. São formas criativas de arrancar dinheiro do passageiro, para resolver os próprios problemas de má administração, antes e durante a crise. Depois de três anos de lucros, a Southwest deverá fechar o ano com déficit. Mas promete não cobrar pelas malas, ainda. Nos Estados Unidos, os especialistas dizem que essas cobranças chegam num momento em que os passageiros americanos estão insatisfeitos com os serviços das empresas aéreas e dos aeroportos. Foi um ano muito difícil para o setor aéreo. Mas, que culpa têm os clientes?
Não bastassem as suspeitas de que aviões transcontinentais enfrentam rotas mais curtas, mesmo colocando a vida dos passageiros em risco, como aconteceu com o vôo AF 447, da Air France, e a sucessão de desrespeito aos clientes, falta apenas o aspone de plantão trazer a idéia genial, já sugerida na empresa aérea irlandesa Ryanair, de cobrar uma libra quando o passageiro quiser utilizar o banheiro. Então, está combinado: depois do stress da compra do bilhete, leve a marmita e uma muda de roupa na bagagem de mão. Não leve malas. Acorde uma hora antes dos outros para pegar lugar. Ah, e não esqueça de ir ao banheiro. Boa viagem!