Estadao_040809Depois de meses de agonia, discursos, evasivas, chiliques da tropa de choque, os brasileiros pensaram que o imbróglio do Senador José Sarney, no Senado, chegava ao fim.  Não bastasse o apoio do cordão dos puxa-sacos e apaniguados no Congresso e fora, credores de atos secretos, cargos e salários nababescos, eis que somos surpreendidos por mais um ato discricionário do Poder que julgávamos estivesse imune às pressões do clã: o Judiciário.

Liminar concedida pelo Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT)  proíbe o jornal O Estado de S. Paulo de publicar reportagens com informações da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. É um recurso do empresário Fernando Sarney. O ato de censura impede também outros veículos de comunicação de citar material do Estadão. Como se o Brasil todo não tivesse tomado conhecimento das gravações, amplamente divulgadas pela TV e pela internet; como se a opinião pública já não soubesse das investigações da operação, há muito tempo divulgadas na internet.

É lamentável que 24 anos depois da ditadura e 40 anos depois do AI-5, que institucionalizou a censura prévia no país, vez ou outra a própria Justiça resolva atropelar a Constituição, que assegura o direito à liberdade de expressão.

Trata-se de mais um ato intimidatório do clã dos Sarney. Lamentavelmente, depois de se apossar do Maranhão, do Amapá e do Senado, pensam em fazer o mesmo com o Brasil. Quando teve seu mandarinato ameaçado, a partir da queda do mentor e inventor dos atos secretos, Agaciel Maia, o dique rompeu e a família começou a reagir, tentando salvar alguma coisa do naufrágio.

É melancólico como alguém, que foi político a vida toda e ganhou de bandeja a presidência da República, supondo longa experiência com crises, consiga fazer tanta bobagem na gestão dessa crise. Depois de discursos vazios, reclamações contra a imprensa, tudo em vão. Era hora de pelo menos tentar uma saída honrosa: pedir licença, até a completa apuração, ou renunciar. Mas não. O apego ao poder é tão forte, que o Senador, um homem de letras, como se intitula, atropela o bom senso e compactua com um ato que afronta o direito à informação.

A decisão, segundo o entendimento geral, atenta contra a própria Justiça. O desembargador que concedeu a liminar, pelas informações e fotos publicadas, priva da intimidade da família Sarney e companhia. Juristas que fizeram uma análise para o jornal O Globo, avaliaram que ele não poderia ter atuado nesse caso, mas declarar-se impedido, por ser “íntimo” da família Sarney, “o que atentaria contra princípios elementares da imparcialidade”.

O historiador Marco Antonio Villa usou a expressão O outono do patriarca, parodiando Gabriel Garcia Marquez, ao se referir em artigo na Folha de S. Paulo, ao histórico de adesão e apego ao poder da família Sarney. Recorda como José do Ribamar fez carreira sempre à sombra de outros caciques e sob governos e regimes diferentes, sem nunca se expor muito ao sol. Da UDN, no período JK, apoiando a ditadura, na Arena, e pulando fora, quando o barco naufragou. O historiador lembra o feudo familiar construído no Maranhão, o aumento do patrimônio da família, na mesma proporção da pobreza do estado, até se tornar a unidade de pior desempenho econômico do país.

A partir do exercício da presidência, que lhe caiu de presente nas mãos, em 1985, Sarney construiu a imagem de condestável, amigo de intelectuais, o brasileiro cordial e ensaboado, com indicações políticas, que lhe asseguram o controle, nos mais disputados postos da República. O preço disso tem sido o apoio ostensivo ou velado aos presidentes que o sucederam, talvez com exceção apenas de Collor. A comédia em que se transformou a crise do Senado, teve até seu momento de “A hora do pânico”, quando Collor adentrou o plenário de olhos esbugalhados e começou a atacar o Senador Pedro Simon. Cena digna de um filme de Fellini.

Esses feudos patriarcais, construídos em 500 anos de história, só fizeram mal ao Brasil. Para ficar apenas nos últimos 50 anos, assim foi na Bahia, com Antonio Carlos Magalhães; no Pará, com Jader Barbalho; no Amazonas, com Gilberto Mestrinho; em Tocantins, com Siqueira Campos; em Alagoas, com os Collor, apenas para citar alguns. Não por coincidência, quanto mais pobre a região, mais longeva a dinastia.

Assumiram o papel de condestáveis da região. Ninguém pode mexer nos cargos do governo, mesmo de estatais, sem lhes pedir a bênção. Ou seja, controlam tudo, das grandes obras, aos cargos públicos. Do Detran às secretarias do TCU. Do INSS, ao Ibama. Ninguém visita o estado ou indica alguém para cargo público sem pedir a bênção desses caciques.  É a forma de manter o cabresto curto, para manter a população dependente. Não se conhece qualquer contribuição digna de nota à saúde, à educação ou à segurança da população dos seus estados. Símbolos do atraso, seguram a chave do cofre, para controlar a boca de urna. Ao desaparecerem, percebe-se como a região poderia tranquilamente prescindir deles.

A lamentável decisão de censurar a imprensa demonstra apenas o desespero de quem não consegue explicar as acusações e enfia a cabeça na areia para não ver o que está acontecendo. Em pleno século XXI, no mundo da internet, dos blogs e satélites, poderíamos ter sidos poupados dessa sentença. Impedir um jornal de publicar essas reportagens é tão ridículo quanto a China querer censurar a internet para os chineses não tomarem conhecimento das próprias mazelas.

As cenas grotescas transmitidas ao vivo de senadores se digladiando no plenário é apenas a face histriônica de um poder que já caiu no anedotário popular. Ninguém o leva a sério. Quando vemos Renan e Collor, este o autor das palavras mais duras pronunciadas contra Sarney há 20 anos, defender o condestável, é que percebemos o nível a que chegou o Senado. É patético.

Pelo menos o momento que estamos vivendo pode ser histórico. Assistimos aos últimos suspiros do poder feudal de uma dinastia, que se sucede no comando de uma região pobre pessoalmente ou por meio de afilhados. Há pelo menos três meses, assistimos a esse triste espetáculo da agonia da família Sarney, como se o país não tivesse coisas mais importantes para fazer e discutir. Para o bem do país, já passou a hora de acabar com essa novela. Cabe agora ao Senado, custeado por todos os brasileiros, sentir vergonha e assumir o seu papel constitucional.

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