A entrevista concedida ao Programa Fantástico, da Rede Globo pelo pai e a madrasta da menina Isabella, assassinada em São Paulo em 29 de março, tem gerado opiniões controversas. A maioria parece convergir para uma estratégia errada do casal em se expor na televisão, em programa de grande audiência, tentando demonstrar uma pseudo-segurança ao se declararem inocentes.
Foi a primeira vez que o casal fala sobre o assassinato para um veículo de comunicação. E após inúmeras reportagens e intensa cobertura de três semanas pela imprensa, naturalmente a entrevista representaria para os telespectadores o contraponto a tudo que foi publicado, principalmente às conclusões da polícia que levaram ao indiciamento do casal.
Descontados esses fatos, a conveniência de uma entrevista coletiva ou exclusiva, em qualquer crise, deve sempre ser analisada com muito cuidado. Deve-se levar em conta a extensão e as circunstâncias da crise, a habilidade do porta-voz, o timing e depende de uma avaliação criteriosa sobre o conteúdo que será passado à imprensa. Um princípio básico é evitar a exposição, se a entrevista não irá melhorar a situação da organização ou das pessoas envolvidas na crise. Entrevista é, portanto, uma ação de risco em crises agudas.
Nesse caso, todas as perguntas precisam ter respostas muito consistentes. Quando a crise decorre de crimes, fraudes ou acusações mais graves, os acusados geralmente elegem o advogado como porta-voz. Mas para a opinião pública advogados de defesa não transmitem credibilidade quando tentam defender os clientes, porque eles são pagos exatamente para defendê-los a qualquer custo. As declarações, portanto, perdem força perante a opinião pública e não servem para amenizar a crise.
No caso específico do crime ocorrido em São Paulo, a impressão é de uma entrevista planejada, combinada e treinada. Os interlocutores aparentavam ter acertado as respostas, muitas repetitivas. Elogiaram de forma demasiada a menina e procuraram transparecer que a família era um exemplo de harmonia, para descaracterizar a hipótese de que alguma desavença tivesse provocado briga e ferimentos na vítima. Tentaram também passar a idéia de pais extremamente dedicados, a quem os filhos amam. Impressão que também se enquadraria em relação à menina.
Um interlocutor complementava a resposta do outro. No dizer de um psiquiatra forense, “eles foram instruídos com um script a ser seguido”. Foi uma entrevista para a mídia. Não foi uma prestação de contas sobre os fatos.
Segundo especialistas, a estratégia do casal foi errada, porque diante da pressão da polícia, pelo acúmulo de evidências que envolvem o casal, os advogados estariam tentando neutralizar a imagem negativa construída pela imprensa, até mesmo com depoimentos de vizinhos sobre brigas e desentendimentos. A decisão da entrevista seria uma forma de tentar humanizá-los. Eles até alegam que já estão com a reputação abalada. De fato, embora o noticiário, tanto da mídia impressa quanto da eletrônica, tenha o cuidado de se ater às declarações da polícia, percebe-se na editoração um viés que induziria a opinião pública a condená-los antecipadamente. A ênfase nas contradições do casal sempre mostradas na tevê evidencia isso. O que é extremamente perigoso porque, como diz o professor da USP Carlos Chaparro, os sentimentos de justiça e vingança começam perigosamente a se embaralhar. A verdade, com isso, tem mais dificuldade de vir à tona, porque fica embaçada pelo sentimento negativo contra os envolvidos. Se a mídia e a sociedade querem a verdade, não é com a espetacularização da notícia que vai conseguir.
Para os entrevistados, o tiro pode ter saído pela culatra. Em certos momentos, o pai demonstra frieza. A não ser por algumas lágrimas no fim da entrevista, ele não se emociona durante mais de 35 minutos no vídeo. Pelo contrário, muitas vezes parece esboçar um semi-sorriso: cacoete nervoso ou gesto ensaiado?
Eles disseram não ter conhecimento dos laudos. Impossível eles e os advogados não estarem acompanhando as notícias publicadas pela imprensa desde o crime, com ampla cobertura dos laudos. É claro que já tomaram conhecimento de todo o conteúdo divulgado pela polícia. Fingir ignorar é uma forma de fugir de perguntas mais constrangedoras.
Em nenhum momento na entrevista apresentaram argumentos fortes, convincentes e objetivos que se contraponham à tese da polícia. A entrevista ficou muito no plano emocional. Na fase atual e adiantada do inquérito e diante das evidências apuradas até agora, as reações soam um tanto quanto falsas. Não houve na entrevista nenhuma evidência ou argumento racional que contestasse a versão do inquérito. Eles se limitaram em cerca de 35 minutos – um tempo enorme na TV – a somente contar passagens da vida deles com a menina, enfatizando que ela queria morar com eles, que os irmãozinhos a adoravam.
Pode-se deduzir que os acusados não foram à entrevista para contestar o laudo policial, mas apenas para dizer que são inocentes. Para isso, faltou consistência e um mínimo de evidências que permitissem pelo menos o benefício da dúvida sobre a participação de uma terceira pessoa no apartamento e que em poucos minutos tivesse feito tudo o que a polícia constatou. Sob esse aspecto, foi extremamente frágil a defesa dos entrevistados.
Assim, a entrevista como contraponto às acusações foi inócua. A repetição de declarações se tornou até monótona. Chamou atenção também de criminalistas e psicólogos, o fato de em momento algum o casal ter-se abraçado ou pelo menos agarrado as mãos. Pareciam dois estranhos falando sobre o mesmo problema, com textos decorados. Não houve também durante a entrevista sequer um gesto de carinho ou de solidariedade entre o casal. Eles nem se olhavam.
A entrevista foi demorada, cansativa até, apelou para a emoção, parecia uma interminável cena de dramalhão, embora o repórter tenha tentado ajudar com perguntas bem diretas. Aliás, do ponto de vista da mídia, o crime está se transformando quase numa novela. A busca pelo furo pode até atrapalhar as investigações. Cada dia, principalmente as tevês, tentam trazer novidades para manter o assunto em evidência. Entretanto, analisando friamente primeiro a decisão da entrevista e, depois, o desempenho do casal diante das câmeras, pode-se assegurar que a situação deles, depois da longa exposição na tevê, se não piorou, também não melhorou.
Se não foi para amenizar a crise que atinge a família, a pergunta é: para que eles foram à televisão? Estratégia errada dos advogados? Os próximos dias certamente dirão.
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