Artigo de Claudine Beaumont, publicado no site inglês Telegraph, explora o poder da tecnologia atual para vigiar os passos do cidadão. O exemplo da China, do Irã e da Coréia do Norte trouxe à tona o problema das modernas tecnologias que monitoram nossa vida diária. O site lista sete tecnologias que podem ser usadas para seguir nossos passos.
CCTV – as supercâmeras de vigilância
Circuitos fechados de televisão existem desde 1942, lançados pelos alemães. Desde então, as CCTVs (câmeras de videovigilância) espalharam-se por lojas, prédios, ruas e tornaram-se uma das formas mais populares de vigiar os passos do cidadão comum e o trânsito. As autoridades garantem que as câmeras têm contribuído para reduzir o crime e ajudar na segurança pública. Os críticos dizem que as câmeras apenas ajudam a deslocar o crime para áreas pouco vigiadas, segundo o Telegraph.
Polêmicas à parte, as estatísticas mostram, realmente, que onde existem câmeras, inibe-se a violência, assaltos e depredações. Transporte público, trânsito e grandes espaços com circulação de pedestres são vigiados por câmeras em todas as grandes cidades do mundo. Em S. Paulo, crimes e acidentes foram desvendados, ou pelo menos identificaram-se os suspeitos, após monitorar imagens de câmeras nas ruas ou prédios.
O Reino Unido parece ser obcecado por essa parafernália. Com cerca de 4 milhões de câmeras, um cidadão inglês é flagrado 25 vezes por dia passando por uma câmera. Ou seja, ele está sempre sob vigilância, não importa onde se encontre.
Etiquetas com rádio freqüência (RFID)
Do inglês, RFID (Radio-Frequency Identification), a identificação por rádio frequência é usada hoje para monitorar estoques em lojas e supermercados, mas as pessoas temem que seu uso sirva também para monitorar hábitos e comportamentos de cidadãos comuns. São pequenas etiquetas, de tamanho pouco maior do que um grão de areia, inseridas em embalagens de mercadorias.
Quando confrontadas com um leitor RFID, as etiquetas podem fornecer informações detalhadas sobre localização e quantidade dos estoques. O RFID pode ser muito bom para controle dos estoques, mas as pessoas se preocupam se não estariam sendo seguidas, após deixar o mercado ou a loja.
Segundo a reportagem do Telegraph, admitindo o uso inteligente para o bem, uma loja poderia com o RFID saber o que as pessoas de determinado lugar preferem, se pulôveres de cashimere da cor azul, enquanto os de outra cidade teriam a preferência pelos marrons. Mas se olharmos o lado sinistro dessa parafernália, elas poderiam estar aparelhadas também para colher dados privados sobre nossas vidas e, então, as empresas poderiam dirigir suas marcas ou ações de marketing para nós com esses dados. Não deixa de ser uma forma de invadir a privacidade. Para as pessoas que temem a “cultura da vigilância”, a possibilidade de etiquetar e monitorar tudo, do alimento às nossas roupas, poderia ser o próximo passo para um caminho perigoso e sem volta, segundo a reportagem.
A tecnologia dos celulares e palms
Claudine Baumont, na reportagem, assegura que os protestos na recente eleição do Irã levantaram interessantes questões sobre a tecnologia usada pelos governos dos países para, não só censurar e controlar a disseminação de informação, mas monitorar os caminhos pelos quais os cidadãos têm-se comunicado e mobilizado. Divulga-se agora que parte da tecnologia usada pelas autoridades iranianas para escutar chamadas telefônicas, feitas em telefones fixos e celulares, foi vendida ao governo iraniano pela Nokia Siemens, uma joint venture entre o fabricante de celular e a gigante alemã de tecnologia.
A Nokia Siemens admite que o produto pode ser usado pelo governo iraniano para monitorar chamadas, mas especialistas têm especulado que isto poderia também ser utilizado para uma prática conhecida como “deep packet inspection” , mais ou menos inspeção minuciosa de lotes de informação, processo que permitiria às agências reguladoras interceptar comunicações, tanto quanto monitorar a natureza da conversação e até mesmo converter os dados com o propósito de propaganda e desinformação.
Mas, para quem critica o regime do Irã, a Nokia Siemens, até mesmo para se isentar de qualquer envolvimento com um regime repressivo, sinalizou que o Irã não é o único país a usar sua tecnologia de monitoramento. Muitos governos ocidentais, incluindo Reino Unido e Estados Unidos, aparentemente usam-na para “interceptações legais”. Acredite, se quiser!
Monitoramento de e-mail
Quem está lendo seus e-mails? Pergunta o Telegraph. Há grande probabilidade, se você trabalha para uma grande companhia, que seu chefe esteja espionando quantas mensagens você manda durante o dia. De acordo com pesquisa da empresa Forrester, 44% das empresas leem e-mails enviados por empregados, usando a tecnologia de interceptação ou mesmo outros funcionários.
Mais do que bisbilhotar os empregados por causa do trabalho, o interesse maior pelo monitoramento dos e-mails se relaciona ao ambiente comercial, pela disseminação de informações inapropriadas ou espionagem industrial. Mas com a profusão de distrações facilitadas hoje pela internet, do Facebook ao Twitter, até compras on line, muitas empresas podem decidir exatamente monitorar também como seus empregados gastam o tempo no trabalho. Calcula-se que pelo menos um terço das grandes corporações dos EUA e Inglaterra contratam funcionários ou instalam programas para monitorar e-mails do público interno. A preocupação maior é proteger a privacidade financeira e a identidade de clientes, seguida por tentativa de impedir vazamento de informações confidenciais.
Tecnologia da armazenamento de informação
O shopping Gunwharf Quays, no centro de Portsmouth (Inglaterra) virou manchete no ano passado quando foi revelado que um software de vigilância estava monitorando os sinais emitidos pelos celulares dos compradores para seguir seus movimentos. A tecnologia permitia pesquisadores dizer quando alguém entrava no shopping center, as lojas visitadas e quanto tempo ali permanecia.
Permitia até mesmo dizer que rota os clientes tomavam e o país de onde vinham. Apesar de toda monitoração ser anônima – não identifica o proprietário do fone, mas apenas o número da rede – isso levantou questões sobre invasão de privacidade e foi matéria no Sunday Times de Londres. Embora o monitoramento aparente ser inofensivo, esse tipo de informação pode ajudar o comércio e shopping centers a apontar áreas de alto fluxo de pessoas ou congestionamento, e redesenhar o espaço de acordo com as necessidades. Ou até mesmo sinalizar aos shoppings se seria adequado dilatar o horário de abertura. Também implica que esta tecnologia poderia ser estendida para medir minuciosamente hábitos e comportamentos de compra.
A reportagem do Times também focalizava outro tipo de monitoramento dos passos dos consumidores, abordado neste site no artigo Empresas de varejo espionam hábitos dos consumidores, postado em julho de 2008. O Times questionava o que as lojas e supermercados faziam com os milhões de dados dos clientes, obtidos ao registrar compras com o cartão de crédito, outra forma de se apossar de dados privados que podem ser utilizados para ações de marketing, à revelia do consumidor.
Publicidade dirigida
O Telegraph aborda também o uso da publicidade dirigida, um dos mais polêmicos projetos envolvendo lojistas e consumidores. Com empresas lutando para encontrar um modelo de negócios lucrativo na era digital, uma grande aposta está nos produtos, serviços e conteúdos dirigidos diretamente às pessoas na base de seus gostos específicos, aversão e necessidades. A tecnologia Phorm Webwise é um bom exemplo desse novo meio de pensar – trabalha escaneando a história virtual dos usuários e computando chaves encontradas nestes websites para publicidade dirigida - usada por outras empresas, com interesse nos internautas.
A alegação de quem utiliza essa tecnologia é que o processo inteiro seria anônimo. Assim, os interesses não poderiam ser diretamente encaminhados a um indíviduo em especial. Mas é uma prática que também tem preocupado alguns usuários e até mesmo especialistas em tecnologia, como Tim Berner-Lee. Para ele, associar o monitoramento do tráfego comercial pelos provedores de serviço da internet seria um serviço similar a “deixá-los pôr uma câmera de TV dentro da sua sala”.
Outra preocupação de usuários e empresas são as redes sociais, como Orkut, Facebook, Twitter e outras. Haveria um abuso de pessoas ou empresas em se apossar desses dados e invadir o e-mail dos usuários, o que tem servido para espantar um bom número de contatos de se cadastrar nessas redes. É notório que após o cadastramento, a caixa postal do titular começa imediatamente a ser invadida por spams com as mais estranhas ofertas de qualquer parte do mundo. Por isso, quanto mais cadastro você faz, mais lixo vai receber.
Tecnologia GPS nos celulares
Muitos celulares modernos têm um pequeno chip GPS dentro deles. Significa que sua localização pode ser feita em qualquer lugar pela rede de satélites que gira na órbita da Terra. Naturalmente, muitas pessoas usarão esta tecnologia em combinação com o software de mapas baixados no seu fone para se localizar mais facilmente numa grande cidade. Alguns celulares são tão sofisticados que podem proporcionar o deslocamento em qualquer direção, real time, como se fosse um satélite.
Segundo a reportagem do Telegraph, a inclusão do GPS em aparelhos abriu um novo mundo para os serviços de localização. Agora que seu celular sabe onde você está, ele pode ser alimentado por informações, ou seja, seu aparelho pode ser provido de dados, links e recomendações para locais de diversões em qualquer área onde você se encontre. O lado negativo é que, naturalmente, com o software certo instalado no seu fone, é possível remotamente monitorar sua localização por razões bem menos recomendáveis. Serviços como Google Latitude e Sniff são por outro lado, exemplos consensuais desta espécie de tecnologia. Embora seja uma tecnologia que facilitaria acompanhar, por exemplo, os filhos quando saem à noite para se divertir ou viajar, trata-se de um equipamento que, ao se tornar comum nos aparelhos modernos, limita sua privacidade e a escolha pessoal para não ser seguido.
São Paulo tem uma câmera para cada 16 habitantes
Reportagem da Folha de S.Paulo, publicada em 6 de julho informa que , conforme dados da Abese, Associação das empresas de segurança eletrônica, São Paulo teria 600 mil câmeras, uma para cada 16 habitantes. É um número impressionante, mas ainda longe da quantidade de Londres e Nova York, por exemplo.
Segundo a Folha, só a prefeitura tem 3.585 câmeras, controladas em sua maioria pela Guarda Civil, pela SPTrans, Secretaria de Educação e pelo Departamento de trânsito. As câmeras instaladas nas ruas têm servido para inibir assaltos e facilitar a identificação de pessoas que fogem após cometer delitos. Até mesmo placa de carros de pessoas envolvidas em crime foram identificadas pelas câmeras.
Ao viver numa sociedade vigiada, a instalação de câmeras podem dar uma maior sensação de segurança, principalmente nas grandes cidades, onde a violência aumentou bastante nos últimos anos. Mas não há dúvida de que o cidadão do século XXI faz parte de um grande Big Brother, onde cada passo, cada compra, cada clique na internet ou telefonema estão monitorados por alguém que certamente tirará proveito daqueles dados. A paranóia do Grande Irmão de George Orwell pode ser uma boa razão para agir sabendo que, cada passo que você dá durante o dia, está sendo filmado e poderá ser usado contra você.
Tradução: João Paulo Forni
Adaptação e redação final: JJF