Começou na última quinta-feira em S. Paulo a 21ª. Bienal Internacional do Livro. É o maior acontecimento do livro no país, um mercado que, apesar do pouco estímulo das autoridades e das próprias escolas, continua em franca ascensão. Na Bienal deste ano, certamente estará em discussão o livro eletrônico, o mais novo brinquedo da era da informática, voltado para quem gosta de ler.
Mas será que os leitores tradicionais estão recebendo bem o e-book e tantos outras engenhocas que surgem no mercado para armazenar milhões de páginas, verdadeira biblioteca ambulante colocada à nossa disposição?
Os e-books chegam como uma ameaça aos livros tradicionais, assim como o computador e os sites de notícias continuam sendo para os jornais e revistas. Na Amazon, maior livraria virtual dos Estados Unidos, os e-books já superaram as vendas de volumes de capa dura. Na Inglaterra, a rede Waterstone vende mais de 100 mil livros eletrônicos por mês. Modismo ou uma tendência realmente para ficar?
Os leitores fás do livro não abrem mão do contato físico e até do cheiro do livro de capa dura. Não dispensam a sensação de manusear e ler um grande romance, a última edição daquele livro esperado, com uma encadernação caprichada e impecável. Eles não deixam de curtir os livros de qualquer espécie, colecioná-los, mesmo após tê-los lido. Há leitores que sentem ciúmes de seus livros. Leem e não gostam de emprestar. Desenvolvem assim uma relação de apego e cumplicidade com esse objeto do desejo.
As novas gerações talvez não sejam contaminadas por esse vírus. A maioria, da geração videogame, computador, MSN, Orkut, iPada, iPhones e e-books certamente acharão natural receber milhares de livros on line, podendo escolher o título, o lugar e a hora para a leitura, como se estivesse numa biblioteca. Infelizmente no Brasil, onde os índices de leitura ainda são muito baixos, os livros eletrônicos chegam sofrendo o mesmo mal dos livros de capa dura: o preço.
O Kindle, por exemplo, o livro eletrônico da Amazon, chegou neste mês ao Brasil na versão mais barata por US$ 312,15 (cerca de R$ 550,00). US$ 152,17 referem-se às taxas de importação. Ou seja, o Brasil trata o livro eletrônico como se fosse uma parafernália eletrônica, igual a um aparelho de som, um videogame ou um computador. Dos 28 países para onde o Kindle foi exportado, o Brasil é o que cobra o maior imposto. Quem sai perdendo são as novas gerações, que poderiam ter pelo menos mais um estímulo para desenvolver o hábito da leitura.
Outra coisa que os especialistas em comportamento observam: com o livro eletrônico, a leitura se torna mais ainda um hábito privado. Ninguém irá bisbilhotar a capa do livro que você está lendo. Andar com o livro por aí era uma forma até de dividir o prazer da leitura, provocar o outro com aquele belo volume, recém editado, na poltrona do avião, na parada do ônibus ou até mesmo na universidade. Quem irá perguntar agora para um leitor de e-book o que ele anda lendo? É uma forma dos saudosistas defenderem o livro tradicional, diriam os leitores do século XXI.
Os livreiros mais tradicionais duvidam do poder de sedução dos livros eletrônicos. Eles admitem que a maior ameaça ao livro é a ausência de novos leitores entre os jovens. Além dos apelos eletrônicos que ocupam o tempo da juventude, existe uma preguiça mental para enfrentar livros, principalmente os mais densos. Além disso, os pais fazem novos leitores. Jovens que gostam de ler são filhos de leitores. A escola também é um excelente incentivador de novos leitores. Muitas crianças se tornaram ávidos devoradores de livros e enveredaram pela literatura por causa do estímulo de professores.
Os livreiros têm sérias dúvidas sobre a capacidade do e-reader, como chamam, substituir o livro de capa dura. “Já vi esse filme antes, já vi o VHS chegar e dizer que ia acabar com o cinema”, diz Pedro Herz, dono da Livraria Cultura. Enquanto isso, a indústria do consumismo estimula a compra do novo brinquedo. Já existem vários modelos no mercado. Mas dificilmente aqueles que realmente gostam de livros irão se acostumar a carregar um tablet no ônibus ou no avião e começar a rodar a tela para mergulhar na ficção dos autores preferidos. Não há dúvida de que é um modo mais prático de carregar “livros” na mala. Mas, quantas horas um leitor tradicional aguentaria na tela do e-book? O que deverá acontecer é uma convivência harmoniosa entre as mídias.
Para quem reclama do preço do livro e não pretende ir ao exterior para trazer um e-book, existe uma opção gratuita disponível na internet sem qualquer despesa ou trabalho. É o acesso a bibliotecas virtuais, abertas para quem quiser. Os últimos dados informam que pelo menos sete milhões de obras são baixadas por ano no Brasil. Se o problema é a facilidade de acesso, agora ninguém pode mais reclamar. A totalidade das obras de domínio público e uma infinidade de outras são oferecidas de graça na internet. Talvez, o importante não seja o meio pelo qual podemos ter acesso aos grandes autores. Já foi bem mais difícil, principalmente no interior do país, ter acesso fácil a bons livros. O desafio realmente é criar o hábito nas novas gerações de que ler é a melhor maneira de aprender a escrever, a falar e por que não? A sonhar.