Estranho país o Brasil. De certo modo vivemos uma rotina do faz de conta. Os governos fazem de conta que governam, e nós fingimos que acreditamos. Professores e alunos em greve fazem de conta que ensinam e estudam; os recursos do MEC escoam, mas o Brasil cai no ranking mundial do Pisa* e da competitivade internacional. As empresas fazem de conta que "gostam" dos clientes e "resolvem todos os problemas" e eles fingem que acreditam. Se não, vejamos fatos estranhos ocorridos nas últimas semanas que escancaram a dificuldade de o País sair da crise.
Na área metropolitana do Rio, milicianos (entenda-se o que quiser, na “novilíngua” carioca - achacadores, meliantes, assassinos) matam candidatos à luz do dia; invadem e impedem a saída de caminhão com jornais, porque trazem reportagem contra candidato (possivelmente indicado pela facção) apoiado por eles. Em viadutos, meliantes fazem “blitz” de mentirinha ou jogam pedra em parabrisas para depenar motoristas, quando não matam. A polícia, bem como a Força Nacional e até o Exército, fazem de conta que controlam o Rio.
Em Porto Alegre, semana passada, as 11h da manhã, em pleno saguão do aeroporto, no meio dos passageiros, atirador mata jovem de 18 anos. E não se acanha de dar 17 tiros. O teatro do absurdo em que se transformou a segurança no país chegou ao auge nesta semana com um “manifesto” de presos de três penitenciárias gaúchas que pede "limites para a violência entre grupos rivais", dizendo ter “compromisso com o lado certo da vida errada”. Só faltava isso.
Em Itumbiara, GO, numa carreata candidato, policial e segurança são mortos a tiros e vice-governador é ferido. Tudo isso, num faz de conta de que o Estado, que tem a missão de proteger a vida dos cidadãos, estaria cumprindo sua missão. Além do contingente de polícias civis e militares, que vive ameaçando operação padrão e greves, no Rio G.do Sul e Rio de Janeiro ainda está presente a Guarda Nacional. Você paga imposto para manter todo esse aparato.
Empresas, como planos de saúde, bancos, telefônicas, aéreas, construtoras, no Brasil, entre tantas outras, desacatam, desrespeitam, desprezam clientes, não cumprem acordos ou planos. Quando o cliente vai à Justiça buscar os direitos (uma oportunidade para essas empresas se redimirem e corrigirem o erro), o que elas fazem? Recorrem das ações e protelam as indenizações até o limite. E o litígio se prolonga por anos. Ainda dizem que adoram os clientes. Se você vai ao site da empresa, achando que elas se preocupam com você, desista. Não se acha telefone para ligar e o “contato” para mandar uma mensagem exige de você um cadastro demorado e burocrático, que geralmente não tem final feliz. Ora, elas fazem de conta que gostam de você; você acredita e compra.
A greve dos bancários entra no 25º dia e nem banqueiros, nem sindicatos mostram preocupação com esse desrespeito à população, mesmo a não bancarizada, aos clientes e ao próprio país, pelo delicado momento que atravessa. Trabalhadores, os mais prejudicados, não conseguem fazer operações que não sabem ou não podem fazer nos ATMs, como sacar o FGTS, fazer financiamento para a casa própria, retirar cartões. Por que os banqueiros se preocupariam, se os polpudos lucros no fim do semestre estão assegurados? E os sindicalistas, que passam o ano todo sem trabalhar, planejando paralisações e a greve anual, por que iriam amolecer, se os 25 dias de férias estão com o pagamento assegurado?
Ao fazer de conta que trabalharam, asseguram que a folha de pagamento dos bancos rode e todos os que não trabalham acabem recebendo salários. Quer uma vida melhor? Perdedores somos todos nós, os brasileiros, principalmente os 11,8 milhões de desempregados que, ao contrário dos bancários, querem trabalhar, não importa quanto seja o salário. Um greve hoje chega a ser uma afronta, um deboche a esse universo de brasileiros.
Tem mais. Basta olhar para o lado. Em cinco anos na Síria – um país em Guerra com bombardeios diários - teriam morrido 470 mil pessoas. No trânsito brasileiro, morreram 250 mil nestes cinco anos e aproximadamente 1 milhão e 300 mil ficaram inválidas ou incapacitadas para trabalhar em consequência dos acidentes. Esta guerra nós perdemos, apesar do faz de conta de blitz e novos regulamentos, que ficam vigiando carros com farois apagados, apenas pela novidade, enquanto eles passam a 120 km/h, com o motorista bêbado. A impunidade para a imprudência e o desrespeito à vida no trânsito continua.
Congresso e Judiciário
O país do faz de conta passa pelo Congresso, pelo Judiciário e pelas principais instituições nacionais. O Congresso Nacional é um caso perdido. Com a pauta abarrotada de projetos para serem analisados, parlamentares sempre arrumam uma desculpa para espichar recessos e férias, Carnaval, Semana Santa, São João, Olimpíadas, eleições, feriados prolongados. Os supersalários, ao contrário, nunca entram em recesso, sempre em dia. Lá não existe desemprego, recessão, aperto no fim do mês e nem a greve dos bancários os afeta. É a autêntica república do faz de conta, um Brasil que não existe, onde a crise não chegou. Muito ao contrário.
Assim como no Judiciário. Como se não bastassem os bons salários (quando comparados com a média do funcionalismo público) e outras mordomias a que fazem jus, conquistadas sem discussão com a sociedade e sem nenhuma relação com produtividade e metas, como ocorre numa empresa, eles ainda querem aumento. Na hora em que o país atravessa a maior crise econômica e financeira da história moderna. Não há recursos grita a Fazenda! Às favas a racionalidade ou o ajuste fiscal. O Congresso e o Judiciário estão acima da lei e o aumento lá é por decreto. Lixe-se quem perdeu o emprego. Quem cortou o plano de saúde; quem tirou os filhos da escola privada; quem adiou tratamentos pagos. Nos pronunciamentos e sentenças fazem de conta que estão preocupados com o País. Bulshitt! Como dizemos americanos.
Esse faz de conta, a que nos acostumamos, tentou mostrar nas Olimpíadas um país identificado com atletas e deficientes. Mas a lua de mel durou pouco. Terminado o evento, a maioria dos atletas que ganhou medalhas, muitos de origem humilde, exceção aqueles que nasceram em berço de ouro ou arrumaram bons patrocinadores, voltarão às quadras de barro ou pistas rurais para treinar. E os participantes da paraolimpíada não conseguem andar de forma digna pelas ruas das capitais, porque não há rampas ou locais que os permitam atravessar ruas movimentadas ou entrar em prédios com conforto. Ou seja, o país fez de conta que valorizava o esporte e os deficientes.
Até a eleição para prefeito entrou no jogo do faz de conta. O TSE comanda a eleição e os brasileiros, ao contrário dos países mais adiantados, é obrigado a votar. O desinteresse pela política chegou a tal ponto que algumas pessoas, a uma semana do pleito, não sabiam que havia eleição e nem em qual candidato votar, desencantados com as promessas não cumpridas e os escorregões éticos dos políticos e indicados. Esse desencanto chegou a tal ponto que no Rio de Janeiro o segundo candidato mais votado, segundo a última pesquisa, com 15% dos eleitores, são os votos “nulos e brancos”, acima do índice de pelo menos 10 candidatos. Ou seja, o eleitor está fazendo de conta que vota. Comparece, mas não está interessado em nenhum candidato e sim na assinatura na folha de presença.
Governos desacreditados
Não são só os politicos que caíram no descrédito. Os governos também perderam a credibilidade. E não se trata de um fato restrito ao Brasil. Há um descrédito nos governantes no mundo todo. As pessoas não acreditam mais na capacidade de eles resolverem os problemas mais rotineiros do país. Na última pesquisa Barometer Edelman, um levantamento anual, feito em 25 países de maior PIB, com 33 mil pessoas, sobre a confiança nas instituições, enquanto a indústria de tecnologia e os experts da academia têm um índice de 67 e 64% de credibilidade, respectivamente; os governos ou autoridades reguladoras estão na rabeira, com 35% (abaixo de 50% é considerado negativo). Quando a pesquisa equipara a confiança do “business” com a do governo, a diferença escancara a imagem negativa dos governos. Nos 25 países, a média de confiança é de 53% para os negócios e 42% para os governos. No Brasil, esse índice atinge níveis de calamidade pública: 64% para o “business” e 21% para o governo. Ou seja, o cidadão perdeu totalmente a confiança nos governantes.
No cerne desse descrédito, está a incapacidade de o Estado e os governos atenderem às demandas mais simples da população. Os jovens, principalmente, têm razões de sobra para não levar a sério políticos e governantes. Desde 2008, principalmente, com o agravamento da crise econômica, esta foi a faixa (18 a 30 anos) que mais perdeu emprego no mundo. Em alguns países da Europa, como Grécia (47.7%), Espanha (43.9%), Croácia (31.5%) o índice de desemprego da população jovem beira os 50%, enquanto a media geral de desemprego da OIT é de 13,1%. No Brasil, a mais recente pesquisa sobre desemprego aponta um índice médio de 11,8% da população em geral e de 26% para os jovens, segundo o IBGE.
Resultado disso: aumenta o trabalho informal, com a consequente queda da renda, esse sim, o autêntico faz de conta do trabalho, porque o empreendedor não tem qualquer amparo legal e vive à margem dos programas sociais, da assistência da saúde e da aposentadoria. Para quem tinha carteira assinada, um retrocesso de anos.
*PISA- Programme for International Student Assessment é uma grande avaliação internacional, realizada em 67 países, coordenada pela OCDE, de conhecimento dos alunos de 15 anos, em três áreas-chave: Ciências, Matemática e Leitura.