Um estrangeiro que chegasse no Brasil neste início de semana, e não conhecesse a realidade do país, ficaria chocado com as chamadas de primeira página dos principais jornais e telejornais. Mais parece um país no meio de uma catástrofe. Predominam as chamadas negativas, com dados cada vez piores e poucas ou nenhuma notícia que aponte como iremos sair dessa longa e sombria noite pelos corredores da crise.
Valor Econômico: “Crise atual já rebaixou 3,7 milhões da classe C”; “Boas empresas estão pedindo recuperação”; Gol sofre maior turbulência de sua história”; “Crise desvia finalidade de debêntures”; “Petróleo cai mais e Petrobras alerta para “dificuldades”; “Recorde de produção e fábrica fechada”.
Folha de S. Paulo: “Saneamento deve atrasar 20 anos no país, diz CNI”; "Fundos pagam R$ 1 bi a gestora de Cumbica para saldar dívidas".
O Estado de S.Paulo: "Devolução de imóveis para construtoras chega a 41% em 2015"; “Lava Jato investiga operação de 13 bancos”.
O Globo: "Bolsa tem 4a perda seguida e recua ao patamar de 2009"; "Petrópolis: obras paradas, esperança desperdiçada"; “No Rocha Faria, grávidas penam na fila do parto”; Crise chega ao menu popular"; "Setor aéreo já reduz oferta de voos".
Jornal Nacional: "Médico em escala de hospital público no Rio não aparece para trabalhar".
Jornal da Record: "Comissão conclui que método de construções de barragens não é seguro".
CBN: "Ação da Petrobras cai ao menor nível em 12 anos"; "Samarco volta a descumprir prazo".
Quem não entende bem o papel da mídia e não conhece a dinâmica de como são discutidas e decidias as pautas jornalísticas, incluindo tevês, rádios, internet, sempre questiona por que a mídia vai atrás de fatos negativos ou “gosta” de publicar notícias consideradas “ruins". Mas o que poderia mudar a configuração das primeiras páginas dos jornais ou as chamadas dos telejornais nos últimos dias, por exemplo?
Há algum fato novo no país neste fim de semana ou produzido na semana passada que justificasse chamadas positivas? Não. Até mesmo a entrevista da presidente à imprensa, para dar a ideia de que ela e o País estariam dando a volta por cima, foi uma decepção. A empolgação da presidente não contaminou a imprensa. Isso porque as especulações que fez sobre reforma da previdência e queda da inflação, por exemplo, dois temas controversos e polêmicos, são apenas desejos, projetos, mas nada contêm de objetivo e efetivo, que dê esperança aos brasileiros de que os principais problemas realmente vão ser atacados.
Notícias ruins vão para a primeira página ou enchem os noticiários de televisão porque notícia acaba sendo o relato de algo inusitado, daquilo que chama atenção por sair da rotina, quebrar a normalidade. Dizer, por exemplo, que determinado hospital atendeu bem deveria ser notícia? Depende. Fazer hospitais funcionarem e atenderem bem deve ser o dever de um governo ou da empresa que controla o hospital. E não precisa ser notícia. A não ser que ele estivesse saindo de uma crise grave. Mas, como acontece no Rio, se um hospital deixa grávidas na fila num calvário de sofrimento, idosos são atendidos na calçada ou corredores, faltam materiais básicos, como esparadrapos, remédios, aparelhos de oxigênio isso fatalmente vai acabar na primeira página; como vai a notícia econômica se uma das maiores empresas aéreas do país deu prejuízo e está passando por dificuldades. Ou se o número de bebês com microcefalia continua crescendo.
As manchetes diárias refletem de certo modo o que aconteceu ou acontece no país naquele momento. Se não há notícias boas e as manchetes negativas predominam sobre as neutras ou positivas não é por culpa da imprensa, é porque os governos, os empresários e a sociedade em geral estão com extrema dificuldade de gerarem pautas positivas, num contexto de recessão, perda da confiança e escândalos de corrupção que se sucedem numa irritante e vergonhosa rotina.
Ao contrário de achar que a imprensa torce para o “quanto pior, melhor”, ela na verdade quer a recuperação do País e dos brasileiros, porque o negócio da mídia está ligado e depende diretamente da força econômica do Brasil, das empresas, dos empreendedores e dos leitores. A crise não poupa ninguém. Enquanto o governo estiver no córner, acuado e preocupado apenas em se salvar do impeachment, e incapaz de gerar fatos para reverter a crise; enquanto os empresários estiverem cautelosos para investir, por não terem confiança na política econômica e nas autoridades, na falta de pautas positivas, cada vez mais raras no país, não resta alternativa à mídia a não ser noticiar e comentar o que está acontecendo de negativo, não importa onde e com quem.
Denunciar os desvios que brotam da Lava-Jato, expor a tragédia de Mariana, com todos os efeitos negativos para pessoas e o meio ambiente, questionar por que o ministério da Saúde não detectou com tempo a ameaça do zica vírus, entrevistar agricultores sofrendo na seca do Nordeste, tudo isso é obrigação da imprensa. É bom lembrar que a mídia não é responsável pela reputação pública dos governos, nem das organizações.
A imprensa tenta refletir, revelar o que está acontecendo. Mesmo aqueles fatos mais vergonhosos e dolorosos. A editorialização deste ou daquele tema vai por conta da linha editorial dos veículos, do interesse político ou econômico e da vontade dos donos das empresas jornalísticas. A objetividade e a isenção da imprensa são temas bastante controversos. Mas querer que a imprensa amenize as pautas, garimpando fatos positivos, quando políticos são acuados pela PF e pelo Ministério Público, quando o governo há meses faz promessas de ajustes, de cortes, de enxugamento da máquina, mas não toma atitudes, o trânsito continua matando em média 120 brasileiros por dia é tentar confundir a narrativa jornalística com publicidade, conteúdo mais apropriado para as páginas comerciais.