No momento em que o país se defronta com grave retração na economia, déficit fiscal, desemprego aumentando, sem falar na crise política e institucional, auditores da Receita Federal alimentam uma “operação padrão”. Fazem corpo mole na obrigação de apertar empresas e cobrar multas de sonegadores. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, os fiscais reduziram em agosto em 38% o número de procedimentos de fiscalização, comparado a julho. Em relação a junho, a queda foi de 50%.
E o que desejam os auditores da Receita? Aumento de salário superior a 21,3%, índice já oferecido pelo ministério do Planejamento. Como? O país quebrado, apresentando um orçamento com déficit de R$ 30,5 bilhões ao Congresso e os auditores rejeitam aumento de 21,3%? Sim. 21% não é suficiente. Querem mais. E usam o momento de fragilidade econômica do país para de certo modo chantagear o governo: ou cede mais ou a arrecadação vai cair, porque, naturalmente, menos impostos entram no caixa do Tesouro. E aí? O Governo vai ficar refém de uma classe que quer aumento equivalente a duas vezes e meia a inflação do período?
A atitude dos auditores não é exclusiva. Docentes e empregados das universidades federais, técnicos e peritos do INSS estão fazendo o mesmo. Nas universidades, os reféns do movimento são os alunos, principais vítimas da greve que se arrasta há 110 dias. Greve, operação padrão são palavras que, na prática do aparelhamento dos principais cargos da República, perderam o sentido. Pode-se conceituar “greve” como um movimento de gazeta generalizada que, principalmente funcionários públicos, desencadeiam a qualquer momento. Negociação salarial virou sinônimo de greve. Não existe agenda de negociação, mas sim de paralisação.
Greve supõe uma interrupção grave do trabalho por empregados que reivindicam alguma coisa. É uma decisão extrema. Para se ter uma ideia, de como em países avançados esse tema é sério, ano passado, os ferroviários da Alemanha resolveram fazer uma greve, com várias reivindicações, inclusive salário. A paralisação foi prevista para 22 e 23 de novembro de 2014, sábado e domingo. Por quê? Avisada com ampla antecedência, a greve foi realizada no fim de semana para não prejudicar os usuários. Assim, quem trabalha não sofreu com o movimento paredista. Não houve tumulto nas estações. Quem não sabia da greve, voltou para casa e entendeu.
Greve seria o limite extremo de uma negociação que chegou num impasse. Naturalmente, os negociadores também são responsáveis, porque protelam ao máximo a negociação e deixam a corda arrebentar. Mas por que as greves no Brasil duram tanto sem que nenhuma das partes em conflito mexa uma palha para resolver? Porque não há respeito ao contribuinte. Ele paga o prejuízo. Ou alguém acredita que esses empregados que fazem passeata, assembleias e passeios todos os dias deixam de receber salários? Obviamente que não. Quer acabar com uma greve rapidamente? É só aplicar a lei: não trabalhou, não recebe salário. Seria até uma forma de apressar a negociação.
O problema aqui no Brasil, principalmente em áreas públicas, é que, após a greve se estender por vários meses, alguém no governo, pressionado pela sociedade ou pela mídia, engrossa o tom e ameaça cortar o ponto. Mas não passa de ameaça. Na negociação, o governo acaba cedendo à chantagem dos sindicatos. E a afronta ao cidadão, para prejuízos que nunca serão pagos, para aulas que nunca serão repostas na sua plenitude, vira um acordo de compadres.
No Brasil de hoje, a primeira coisa quando sindicalistas sentam à mesa de negociação é assegurar que sejam pagos os dias parados. Cortar ponto, como tentou o governo várias vezes, com o “repúdio” dos grevistas, é apenas um tema para a pauta. Se a greve é uma situação extrema, o empregado sabe que o risco de faltar ao trabalho, para protestar, tem um preço: perder o dia de trabalho.
Além do contribuinte que arca com salários por dias não trabalhados, há outros prejuízos para o usuário do serviço público: população que deixa de ser atendida, milhares de alunos sem aula, com carreiras e projetos pessoais interrompidos, porque se criou no Brasil uma classe que está acima dos interesses da maioria. A premissa é, “resolva o nosso problema”. O resto que se lixe.
Talvez o corpo mole do governo para resolver o impasse das “férias remuneradas”, no caso do INSS, seja porque, insensível à obrigação de que governos existem para fazer a boa gestão dos recursos públicos, os econotecas (como diz Elio Gaspari) do governo viram que a arrecadação até se beneficiou com essa greve, porque o pagamento de pensões e aposentadorias foi protelado. É isso mesmo. Triste ironia. Conta-se em Brasília, que anos atrás, durante uma greve do INSS, que também durou meses, houve uma grande economia de cafezinho e açúcar. E que os chefes só se deram conta de que havia uma greve, no dia em que o garçom do cafezinho também resolveu faltar. Folclore ou não, alguns órgãos públicos por tão ineficientes e improdutivos passam despercebidos do contribuinte e do próprio governo.
Quantas aposentadorias foram postergadas com essa greve do INSS? Milhares? Quantas licenças de saúde interrompidas? São pessoas humildes, na maioria, que não têm outro salário e dependem de auxílio financeiro, supenso, enquanto não for realizada nova perícia. Isso não conta. A greve do INSS, apenas para citar uma, é um detalhe na agenda lotada desse governo que perdeu a capacidade de governar, talvez mais preocupado em se salvar no meio da tempestade, do que se preocupar com os bagrinhos. Provavelmente, liberar verba das Olimpíadas, para algum vestiário de luxo, seja mais importante do que essa incômoda greve das universidades, do INSS, dos auditores da Receita. Como tantas outras que se arrastam nos governos estaduais e têm o mesmo tratamento.
Já cansamos de ouvir. O Brasil está precisando de um choque de gestão. Creio que o problema, neste momento, em que cada um quer tirar uma casquinha do governo fragilizado, é que está faltando vergonha ao país. Ou que os gestores públicos nos envergonham.