Andrea Lubitz boaPassada menos de uma semana da lamentável tragédia com o avião da Germanwinds, que vitimou 150 pessoas, a cada dia ficam mais claros os indícios dos problemas envolvendo a vida e o estado mental do copiloto Andreas Lubitz, 27 anos, suspeito de intencionalmente jogar o avião nos Alpes.

Tudo começou com um “furo” do The New York Times, jornal que melhor está cobrindo esse acidente. Na quarta-feira (25), um dia após a tragédia, o NYT adiantou que o piloto estava fora da cabine na hora do acidente e teria sido impedido de retornar, quando o copiloto teria travado a porta. O que indicava interferência de Lubitz na queda do avião. No dia seguinte, o procurador francês, que investiga o acidente, confirmou em entrevista o que realmente aconteceu, com base nas gravações da caixa-preta encontrada nos destroços. A gravação mostra o desespero do piloto tentando abrir a porta da cabine.

Mas por que o copiloto se trancou na cabine, assumiu o comando, programou o avião para descer rapidamente e o jogou nas montanhas, em lugar que ele conhecia? Investigações da polícia, da imprensa, entrevistas com ex-namoradas, atestados médicos, depoimentos de colegas e especialistas começam a traçar o perfil não de um competente e inteligente jovem, com o sonho de comandar os grandes jatos da Lufthansa. Mas, tudo indica, a de um psicopata, uma mente-bomba que ocupava a cabine de aviões transportando milhares de pessoas todos os dias pelos céus da Europa.

E como é possível uma empresa da excelência da Lufthansa não ter detectado a tempo que esse empregado nunca poderia estar numa cabine de avião; talvez nem na direção de um ônibus? Falhas graves de gestão de riscos só podem explicar essa tragédia. Porque não havia apenas um motivo; não foi um fato isolado, uma perda repentina na vida, uma decepção amorosa, que teriam desequilibrado por instantes a mente de Andreas. Sua psicopatia vem de longe. Vamos à cronologia dos fatos descobertos esta semana, na excelente reportagem do New York Times, para entender como as falhas aconteceram.

•    O procurador francês confirma que o copiloto estava sozinho no controle do Airbus A320 por 10 minutos antes da queda e não respondeu aos pedidos do capitão para reabrir a porta da cabine, quando o avião começou uma descida descontrolada em direção às montanhas, onde bateu a 750 km/h.
•    A polícia alemã confirma que Lubitz recebeu tratamento psicológico ou psiquiátrico, não declarado ao empregador.
•    Ele também buscou tratamento para um problema de visão.
•    Foi achado no seu apartamento em Dusseldorf um atestado médico, dispensando-o do seu trabalho, incluindo a terça-feira, dia do acidente.
•    Sua licença de piloto incluía um diagnóstico indicando que ele necessitava de tratamento médico.
•    Foi achada grande quantidade de prescrições médicas de comprimidos antidepressivos e para tratamento psiquiátrico e neurológico no seu apartamento, de acordo com o jornal The Sunday Times.

O que nós não sabemos

•    Quando seus problemas psicológicos começaram, sua severidade e precisa natureza, ou quando começou esse tratamento.
•    A severidade dos seus problemas de visão, quando eles primeiro ocorreram e se eles poderiam ser psicossomáticos e relacionados aos seus problemas psicológicos.
•    Quais os antidepressivos que poderia estar tomando, que doses e se ele os estava tomando.
•    Se qualquer membro da família, amigos ou colegas estavam a par dos seus problemas e se haviam alertado a empresa aérea sobre sua capacidade de voar.
•    Se uma interrupção no seu tratamento estaria relacionada a quaisquer problemas psicológicos ou médicos.

Além de tudo isso que o New York Times questiona, ontem o FBI também interpelou os diretores do Centro de Treinamento da Lufthansa, no Arizona, onde Lubitz treinou durante quatro meses, para saber se durante esse período foram constatados problemas psicológicos no candidato. Certamente, porque representaria uma ameaça à segurança dos Estados Unidos.

E neste sábado, o tabloide alemão “Bild” publicou entrevista com uma ex-namorada de Lubitz, comissária de bordo de 26 anos. O jovem copiloto confidenciara, em determinada ocasião para ela que ele planejava um grande gesto do qual todos se lembrariam dele. “Quando soube do acidente, lembrei da frase que ele me disse algumas vezes", contou Maria, nome fictício, ao jornal alemão.

Máquinas cada vez mais perfeitas, pessoas nem tanto

Não há dúvidas de que nos últimos anos, com o avanço da tecnologia, a aviação se tornou cada vez mais um meio de transporte seguro. No início da era dos jatos, na virada dos anos 50 para os 60, registravam-se cerca de 10 acidentes com mortes para cada milhão de voos; hoje, esse índice caiu para 0,21. Mas, e as tripulações, sujeitas cada vez mais às pressões do mercado, horários rígidos, busca de resultados, lucro? Talvez a manutenção dedicada às máquinas agora precise ser feita também a quem tem a tremenda responsabilidade de comandar as milhares de aeronaves que cortam os céus todos os dias, porque, por mais perfeita que a máquina seja, ela não dispensa a interferência humana.

O avião sozinho, no piloto automático, não despencaria com aquela precisão com que o Airbus A320 da Germanwinds se espatifou nos Alpes. Foi preciso a mão do copiloto, que conhecia bem os macetes para derrubar o avião, para o que talvez até tivesse treinado nos simuladores. Mas e a Lufthansa, considerada entre as tops do mercado de segurança, precisão e qualidade na aviação? Porque não detectou a tempo todos esses problemas. Quantos milhares de passageiros e colegas estavam todos os dias correndo risco com esse piloto maluco, no comando do avião?

Sob pressão dos parentes das vítimas, que receberam essa notícia com misto de indignação e pavor, e das autoridades aeronáuticas, a Lufthansa tentar encontrar respostas, sob ameaça de responder a inquéritos por homicídio culposo e a pagar indenizações que poderão chegar a US$ 150 milhões. Enquanto isso, investigadores na Alemanha e França, órgãos reguladores, líderes politicos e as famílias das vítimas buscam encontrar respostas para o que teria levado o jovem a fazer o que fez.

A sentença de morte

A resposta sobre o que aconteceu, que a Lufthansa não conseguiu detectar veio hoje no “lead” da reportagem do The Sunday Times, de Londres: “A receita equivale a uma sentença de morte da carreira de piloto de Andreas Lubitz. Depois de anos de luta contra demônios pessoais e rompimento de relacionamentos com mulheres, ele foi avisado pelo menos por dois médicos de que ele era muito doente para voar.”

“Quando ele rasgou a receita na última semana e a colocou no lixo de casa em Dusseldorf, foi como se ele tivesse finalmente entendido que seu sonho de infância de cruzar o globo sentado como piloto da Lufthansa tivesse sido perdido para sempre”. Seu sonho era ser comandante da Lufthansa em voos de longa distância.

Imaginemos que ele não tivesse ainda decidido fazer a loucura que fez e preparasse um espetáculo mais macabro. Se ele, admitida a falha de controle da empresa aérea, chegasse a pelo menos co-piloto de um grande jato intercontinental e, de acordo com o relato da ex-namorada, resolvesse mesmo tornar seu ato suicida ainda mais espetacular. Jogar um Boieng 777, com 280 pessoas sobre uma grande cidade, por exemplo? Nada improvável para um psicopata? O que não poderia ter acontecido?

Que ele escondesse da empresa, ainda é compreensível, até porque era seu sonho e provavelmente nunca diria. Que os médicos não pudessem revelar, pode-se até admitir, já que as leis germânicas sobre privacidade são muito rígidas. Com isso, o empregado pôde esconder, desde que foi contratado como comissário de bordo, suas restrições médicas.

Mas as empresas não têm mecanismos de controle do perfil psicológico dos empregados para saber se podem colocar psicopatas a comandar máquinas que lidam com a vida das pessoas? “Ele estava 100% apto sem quaisquer limitações” para voar, informou o CEO da Lufthansa nas primeiras horas após o acidente. Isso depois de se saber, como apontam as investigações, que ele tinha sido tratado por vários neurologistas e psiquiatras para o que uma autoridade descreveu como “severa síndrome”, uma potencial debilitação das condições psicológicas”.

Tudo isso agora é constatado, sem que os colegas suspeitassem. E a decisão do jovem, na última terça-feira, de trabalhar, contrariando as prescrições médicas, e de assumir o comando do voo da Germanwinds, resultou nessa enorme tragédia. Falhas em série, portanto, que custaram a vida de 149 pessoas inocentes e uma crise grave para a empresa alemã, controladora da Germanwinds.

Já circulam informações na mídia alemã e internacional de que a Lufthansa sabia dos problemas psicológicos e a família do jovem suicida diz ter em mãos documentos que demonstram isso. Se comprovado, a empresa certamente será penalizada.

A falha da Lufthansa, sabendo ou não, despertou o alerta não apenas nos órgãos reguladores, mas em todas as companhias aéreas. Grande parte delas, na América do Norte e Europa já determinaram a partir desta semana que nenhum voo comercial possa permanecer com apenas uma pessoa na cabine. Sempre terá que ter dois tripulantes. No Brasil, só a Gol não definiu ainda se determina isso. A Tam informou que já usa esse procedimento.

Comunicação de Crise

Esse acidente também mostrou uma eficiência melhor na comunicação de crise por parte de todos os envolvidos, em relação a outras tragédias semelhantes. Tanto na Alemanha, quanto na França, os porta-vozes foram rápidos, transparentes e adiantaram sempre aquilo que poderia ser adiantado, sem especulações. Mas o avanço na explicação da tragédia se deveu mais ao bom trabalho de cobertura e apuraçao da imprensa do que às autoridades, que sempre têm restrições de ordem legal e ética para adiantar fatos que a imprensa não reluta em divulgar.

Os Comunicados da Germanwinds e as entrevistas dos CEOs foram claras o suficiente para não esconder nada, mesmo que se trate de informações bastante constrangedoras e difíceis para uma empresa admitir.

Foto: Andreas Lubitz

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