Imaginemos que existisse um ranking no Brasil das "mais odiadas empresas brasileiras”, analisadas sob os mais diferentes critérios: ética, atendimento, inovação, agilidade, preço, governança, produtos, desempenho financeiro e outros.
Quem estivesse nessa lista, certamente, teria um grande problema de imagem para resolver, estaria literalmente em crise.
É possível até adivinhar, sem muita pesquisa, que segmentos de negócio brasileiros e até mesmo empresas, em particular, estariam na lista, no contexto atual do país. Porque hoje, os protestos dos clientes e dos consumidores não soam apenas como sussurros, como aconteciam no passado. Eles estão expostos como gritos, com toda a sua dureza, na mídia e nas redes sociais.
Nos Estados Unidos, existe esse ranking. Estar na lista das empresas "mais odiadas" de alguém, qualquer que seja o critério, é um sinal de que essa organização pode estar em apuros, diz o especialista americano em gestão de crises, Jonathan Bernstein. Mas, encontrando-se entre as "10 empresas mais odiadas dos Estados Unidos" (24/7 Wall St.’s “10 Most Hated Companies in America) significa que você está precisando desesperadamente de uma boa gestão de crises.
Para identificar as empresas mais odiadas nos Estados Unidos, ranking publicado no site 24/7 Wall St, foi analisada uma variedade de métricas de satisfação do cliente, o desempenho das ações e satisfação do empregado. Isto incluiu o retorno total para os acionistas, em comparação com o mercado mais amplo e de outras empresas do mesmo setor, nas últimas 52 semanas.
Foram considerados os dados do cliente, a partir de uma série de fontes, incluindo a lista das piores e melhores da Consumer Reports, o ForeSee Experience Index, e o American Customer Satisfaction Index (Índice de Satisfação do Cliente Americano).
No levantamento, foi incluído também o índice de satisfação dos funcionários, com base nos escores de opinião dos trabalhadores registrados pela Glassdoor (site de recrutamento de trabalhadores). Por fim, consideraram-se as decisões de gestão, realizadas no ano passado, que ferem o valor da imagem e da marca da empresa, medidas pelas empresas de pesquisa de marketing BrandZ e Interbrand. Foram vários critérios que permitem chegar a um resultado que espelha uma percepção muito acurada do mercado americano.
Em outras palavras, se a empresa atendeu mal ou não satisfez a demanda do cliente, muito provavelmente ele irá achar um jeito de dar a mais ampla divulgação ou espalhar essa notícia na internet. Se você dirige ou faz parte de uma empresa que aparece na lista, certamente você fez alguma coisa errada, diz o especialista Jonathan Bernstein.
A seguir, a lista das dez empresas mais odiadas dos Estados Unidos e uma análise do porquê de estarem figurando na lista. Entre as mais conhecidas, com filiais e forte presença no Brasil, despontam McDonald’s e Walmart. A J C Penney, que aparece em 10º lugar, é uma das controladoras das Lojas Renner, cadeia de lojas de departamentos brasileira.
1. McDonald’s
2. Abercrombie & Fitch
3. Electronic Arts
4. Sears Holdings
5. DISH Network
6. Walmart
7. JPMorgan Chase
8. lululemon
9. BlackBerry
10. JCPenney
Entre as dez citadas, o McDonald's aparece, segundo o artigo, porque tem problemas de imagem na relação com os empregados, que ganhariam pouco mais do salário mínimo. Essa relação conflituosa com a mão de obra americana afetou a imagem da gigante do fast food no ranking de satisfação dos empregados. Além disso, atingido pela crise econômica, o crescimento dos resultados também não agradou os acionistas.
Da mesma forma que o McDonald’s, o Walmart suportou o peso dos protestos trabalhistas em torno do aumento do salário mínimo no ano passado. A empresa emprega mais trabalhadores que ganham menos de 10 dólares por hora do que qualquer empresa nos Estados Unidos, de acordo com uma análise do 24/7 Wall St, em colaboração com NELP. Outras consultorias de RH questionam os números salariais do Walmart. Os empregados ganhariam menos do que 9 dólares por hora, em média. Apenas metade dos funcionários da loja aprova o CEO.
Os clientes também refletiram na imagem do varejista. Eles estavam menos satisfeitos com os serviços em 2012 do que em qualquer cadeia concorrente. As vendas também caíram 0,3% no terceiro trimestre de 2013, o que impactou o desempenho das ações.
Segundo Douglas A. McIntyre, autor do artigo sobre o ranking, publicado no site 24/7 Wall ST, muitas das empresas figurantes no ranking "mais odiadas" têm milhões de clientes e centenas de milhares de trabalhadores. Com essa dimensão, é importante que essas empresas tenham funcionários felizes, a fim de oferecerem um serviço decente ao cliente.
Muitas vezes, baixa satisfação no ambiente do trabalho leva a um mau serviço e baixa satisfação do cliente. O McDonald's e o Walmart, por exemplo, arriscaram isto mais recentemente, quando funcionários e alguns clientes protestaram pelos baixos salários dessas empresas - baixo o suficiente para colocar os trabalhadores abaixo da linha de pobreza, diz o artigo.
É interessante observar, ressalta o artigo, que várias das empresas desta lista estão, na verdade, obtendo ainda bons lucros. Algumas são referências na área em que atuam, mesmo enquanto enfrentam claramente problemas sérios em departamentos como atendimento ao cliente e satisfação do empregado. Por serem grandes, os problemas também tomam outra dimensão. Razão pela qual, provavelmente, aparecem nessa lista.
Enquanto isso possa ser tomado como um sinal de que nem tudo está perdido, por outro, se a liderança da empresa permitir que o fato de que o lucro abundante ou a força da marca da organização sirva para cegá-los para a necessidade de corrigir as questões pendentes, eles estão no caminho de ver surgir nos relatórios financeiros uma perigosa linha vermelha, em curto espaço de tempo. E se continuam a ser rentáveis, eles provavelmente não são tão rentáveis como poderiam ser com uma gestão da reputação mais eficaz, conclui Jonathan Bernstein.
Lições de gestão de crises
Presume-se que nenhum CEO gostaria de ver a própria empresa figurando numa lista de "as mais odiadas empresas do país". Entretanto, no caso brasileiro, se olharmos para o mercado, temos rankings de atendimento e reclamações que apontam para esse lado ou pelo menos dão sinais de que algo não vai bem na gestão de várias organizações. Tanto públicas, quanto privadas.
Quando algum segmento da indústria ou do comércio figura entre os campeões de reclamações do Procon ou de outros órgãos fiscalizadores, é sinal de que a empresa se não está em crise, tem uma grave ameaça pairando sobre o seu futuro. Há inúmeros exemplos recentes de que organizações que desdenham do atendimento, não valorizam a ética, enganam os investidores com promessas de resultados que não se concretizam, desprezam as demandas do cliente ou rateiam na governança, estão fadadas, não apenas a ter crises de imagem graves, mas até a sumir do mercado.
No Brasil, recentemente, tivemos exemplos de empresas como Banco PanAmericano, Banco Cruzeiro do Sul, Encol, empresas do Grupo X, de Eike Batista, telefônica OI, Valek, Construtora Delta, entre tantas outras, com sérios problemas financeiros e de reputação e que poderiam figurar numa lista de empresas de que os brasileiros não têm boas lembranças.
Apenas como exercício, poderíamos começar a fazer a nossa lista de "empresas que mais odiamos". Certamente, haverá muitas coincidências e apostaria também que nessa lista apareceriam empresas de telefonia, tevê a cabo, planos de saúde, construtoras e bancos. É apenas um palpite.