caixa bomO boato está em todos os lugares  e em todas as esferas da nossa vida social. Ele é o mais antigo dos meios de comunicação de massa. Antes mesmo de existir a escrita, o ouvir-dizer era o único veículo de comunicação nas sociedades. O boato veiculava as informações, fazia e desfazia as reputações, precipitava os motins ou as guerras.

É assim que Jean-Noel Kapferer começa a apresentação de seu livro “Boatos – o mais antigo mídia do mundo”, em que faz uma densa e histórica análise sobre a gênese e a importância do boato.  Segundo ele, o boato é uma informação “não verificável” e a fonte quase sempre é anônima. Ou são notícias improvisadas, que resultam de um processo de discussão coletiva. Alguns se transformam em histeria coletiva. E ninguém consegue explicar como e onde ele começou.

O boato da Bolsa

Na sexta-feira, 17/05, a Caixa alterou o sistema de pagamento do Bolsa Família, por causa da atualização do cadastro de informações sociais. Para a Caixa, uma rotina burocrática, talvez conduzida apenas por técnicos. Para os usuários do Bolsa Família, um sinal de que algo muito estranho estaria acontecendo.

Passados quase 15 dias do fato, até agora nem governo, nem Polícia Federal conseguiram dar uma explicação razoável para a onda de boatos que levou milhares de pessoas às agências da Caixa, de sábado (18) a segunda (20), em busca de informações ou simplesmente para sacar o Bolsa Família. Os beneficiários correram porque circulou naquele fim de semana o boato de que o Bolsa Família iria acabar. Que era um bônus pelo "Dia das Mães". Quem disse? Quem disseminou a informação? Ou tudo foi por conta da antecipação dos pagamentos pela Caixa?

Renato Janine Ribeiro, disse em artigo no Estadão, que "Aparentemente foi um rumor de ouvir dizer... Como circulam ideias, opiniões, mentiras?... A hipótese de conspiração é mais plausível que a da geração espontânea..."  Provavelmente, quando escreveu, não sabia da alteração no calendário. Vinicius Mota, em artigo na Folha,  diz que "Na multidão, dizia-se, diluem-se a identidade e o autogoverno do indivíduo, que passa a agir por impulso e imitação. Suscetíveis, as massas devem ser diligentemente manipuladas pela elite da nação".

O surrealismo do imbróglio seguiu o roteiro da mistura de tecnocracia com desinformação. Os beneficiários ouviram falar que o Bolsa Família ia acabar e correram às agências. Se não houvesse depósito, iriam esperar. Mas na hora em que começou a jorrar dinheiro para todo mundo, antes do dia previsto, sem qualquer aviso, o boato esquentou. “Corre porque o dinheiro está lá”. Houve tumulto em 12 estados, inclusive com depredação a agências da Caixa.

O bate-cabeça do governo

Do lado do governo choveram torpedos contra os “criminosos” boateiros. Seria um recado cifrado à oposição? A ministra Maria do Rosário, contrariando o que se recomenda sobre o bom uso das redes sociais, se precipitou no Twitter e acusou a oposição. A presidente Dilma chamou a boataria de ato “desumano e criminoso”. Lula aproveitou a onda e classificou de “gente do mal”; o ministro da Justiça, de “manobra orquestrada” e o PT embarcou no "terrorismo eleitoral”. Quem era o alvo: os partidos da oposição, naturalmente.

Autoridade pública não pode usar a rede social para divulgar o que não sabe e ainda dizer que foi uma opinião “singela”. Presidente da República não dá palpite sobre qualquer tema. Espera o momento mais oportuno. Não demorou 48 horas para vir à tona a bomba que ameaçou explodir no colo do governo e não no de desafetos políticos. Pelo recuo conveniente do governo e até a lentidão da PF em descobrir a verdade, parece que os “apocalípticos” resolveram esperar a poeira baixar primeiro, para o feitiço não virar contra o feiticeiro.

Para completar a série de trapalhadas, a ministra gestora do Bolsa Família, Tereza Campello, viajou de férias para a Disney World (EUA). Pelo visto, ela entende que não ocorreu crise no Bolsa Família. Ou o melhor lugar para ficar numa crise seria longe dela?

Imprensa sai na frente

A primeira versão da Caixa Econômica Federal, divulgada no fim de semana (17), era de que o banco havia decidido antecipar os pagamentos, para evitar tumultos e aliviar a pressão sobre as agências, em função dos boatos. À primeira vista, uma medida proativa e elogiável.

Na manhã de segunda-feira (20), o vice-presidente da Caixa, José Urbano, concedeu entrevista dizendo que o saque antecipado só tinha sido liberado no fim de semana (dias 18 e 19) para não agravar os tumultos nas agências por causa dos boatos. Ou ele não sabia do que estava falando. Ou, se sabia, tentou amenizar o problema, não contando toda a verdade.

A versão de bombeiro da Caixa, no tumulto, não durou 72 horas. Enquanto o governo gritava, a Polícia Federal foi acionada para descobrir a origem dos boatos. Dois repórteres da Folha de S. Paulo (Aguirre Talento e Daniel Carvalho) foram mais rápidos e trouxeram luz sobre o mistério. No sábado, 25, a Folha informou que “um dia antes do início dos boatos que causaram filas e tumultos em 13 Estados brasileiros, a Caixa Econômica Federal alterou, sem aviso prévio, todo o calendário de pagamento do Bolsa Família. Todos os benefícios, em um total de R$ 2 bilhões, foram liberados de uma só vez nas contas das 13,8 milhões de famílias atendidas”.

Uma dona de casa confirmou à Folha que seu pagamento, em Fortaleza, foi antecipado para o dia 12. “Recebo Bolsa Família há anos e nunca pagaram antecipado. Aí achei estranho, mas fiquei feliz e peguei o dinheiro”... outras pessoas também anteciparam e foram avisando, daí o tumulto...”, declarou a beneficiária à “Folha”.  Diante das evidências,  a Caixa mudou a versão que defendia desde o dia 17.

Essa notícia caiu como uma bomba nas vidraças da Caixa e do Planalto. Isso porque presidente da República e ministros desconheciam esses pormenores e acreditavam que a boataria tinha causas externas, nos "inimigos" de plantão. Sob a ótica do boato, era como se a Caixa tivesse preparado  os explosivos e dado até o isqueiro, já aceso.  Pode não ter acendido o pavio do boato, mas deu combustível e condições. Embora o governo assegure que a mudança não foi a causa dos tumultos, não há até agora nada que prove o contrário. A Caixa, de vítima na história, passou a ser considerada agente do boato, para desgosto e irritação do Planalto.

Caixa pede desculpas

Diante da pressão da imprensa, opositores, Congresso e até de membros do governo, o presidente da Caixa teve que se retratar. Todos haviam entendido, num primeiro momento, que a Caixa tinha sido proativa, antecipando os pagamentos em função dos boatos. Agora especula-se, na verdade, se os boatos nasceram da mudança de rotina da Caixa, não avisada aos mutuários e, pelas versões dos próprios diretores, nem à própria diretoria da instituição.

Em todo o episódio há meia verdade.  Hereda argumentou que a informação equivocada ocorreu em uma situação de crise. “A Caixa não mentiu. Tivemos uma informação equivocada com relação à data em que se abriu o sistema [de pagamento]. Foi uma informação imprecisa da Caixa, mas essa imprecisão só se justifica pelo momento que estávamos vivendo”, declarou. Alguém entendeu?

Segundo o presidente da Caixa, nem ele nem o vice-presidente José Urbano, haviam sido informados pela área técnica do banco de que havia sido autorizado o saque antecipado do benefício. Ele disse que, ao tomar conhecimento na tarde de segunda-feira (20), determinou a apuração precisa dos fatos, que levou cinco dias.

“Por incrível que pareça, tudo não passou de coincidência. Tive a informação "de que o saque antecipado estava autorizado no dia 17 (sexta) à tarde. Mandei fazer um levantamento no resto da semana e então produzimos a nota oficial”, justificou o presidente da Caixa.

Não se sabe o que foi pior. Se o fato de a Caixa não informar os beneficiários e o governo da mudança da rotina, que teria pelo menos amenizado a correria e colocado água na fervura. Ou as explicações da Diretoria da Caixa para conseguir sair menos chamuscada do episódio. No mínimo, faltou coordenação da área, que administrou a mudança, e avaliação dos reflexos dessa medida no “humor” dos beneficiários. O desencontro de informações constrangeu o governo e atrapalhou a própria PF, nas investigações.

O mais surrealista da história é como um burocrata do terceiro escalão toma a decisão de antecipar R$ 2 bilhões em pagamentos na Caixa, para o Bolsa Família (programa que está sempre na mira da imprensa), e a diretoria da Caixa não fica sabendo. Sequer os diretores, acionados para entrevistas no fim de semana.

A versão e o fato

Após 15 dias, até agora a única versão oficiosa foi de os boatos terem partido de uma empresa de telemarketing do Rio de Janeiro, após ter disparado torpedos e telefonemas com a falsa notícia do fim do Bolsa Família. Fonte da PF teria dito ao Blog do Noblat que fora localizada  no Rio de Janeiro a central de telemarketing responsável pela difusão dos boatos. Até agora não  há nomes, nem telefones. Essa versão já teria sido descartada pela PF. Até telefonema do Morro do Alemão aparece como linha de investigação. Ou seja, até agora não há nenhuma luz sobre a origem dos boatos.

Todas essas versões plantadas seriam mais um “boato”? Apenas para desviar a atenção das trapalhadas do governo no episódio? Seria um factóide para reduzir a pressão sobre a Caixa, uma vez que o próprio governo se surpreendeu com o “fogo amigo”?  Enquanto a Polícia Federal não descobre os culpados, a alteração no calendário continua sob suspeita de ter sido o estopim. Até agora ninguém sabe como começou a onda, muito adequada aos rituais que sempre estão por trás de crises alimentadas por boatos.

Lições de gestão de crises

Quais as lições do imbróglio? Há um princípio básico de gestão de crises que preconiza: sempre diga a verdade. Em algum momento, alguém na Caixa deixou de contar toda a verdade nesse episódio. Daí o recrudescimento da crise.

Outro paradigma. Não há como administrar crise sem informação precisa, correta. Ao admitir-se como verdade a versão, a Diretoria da Caixa, pelo visto, passou batida no episódio, a ponto de um vice-presidente, no auge do tumulto, ir à imprensa e contar uma história diferente.  Informação é um ativo imprescindível para administrar uma crise. No mínimo, o episódio escancara um sério problema de governança. Não fosse também um problema de transparência e respeito aos beneficiários do Bolsa Família que sacaram antes sob a ilusão de um "bônus de Dilma".

O governo também ficou vendido nessa crise. Os arroubos da presidente Dilma, classificando os boatos de “criminosos” tinham um endereço: a oposição ou os “inimigos” do governo, seja de que lado for. Boato se acaba ou neutraliza com transparência. Pouco importa agora, passado o tumulto, tentar encontrar quem começou. Boato é mais ou menos como vazamento. Vazou, explica. Por trás desse episódio, há uma série de erros, para não dizer decisões amadoras. Na linha do que diz a jornalista Esra Klein, do Washington Post: Pode dar errado? Vai dar.  

Houve um desgaste para a diretoria da Caixa, que precisou de uma Nota do Planalto garantindo serem "falsas as especulações de mudanças na direção da Caixa Econômica Federal.” Isso porque durante a semana, a pressão da oposição, no Congresso Nacional, para se achar um culpado do lado do governo foi forte. Quando uma diretoria precisa de Nota Oficial para dizer que não vai ser demitida, é porque a crise foi séria e a caneta já estava esquentando na mão de Dilma para enquadrar os culpados.

Nota da Caixa - 27/05/13

A Caixa Econômica Federal afirma que não há qualquer relação entre a movimentação verificada a partir das 13h de sábado (18), em alguns estados (13 estados no total), e a flexibilização do saque do benefício do Bolsa Família fora da data prevista no calendário de pagamentos do Programa. Ao contrário, o fato de o calendário estar liberado evitou um problema maior caso as famílias não tivessem acesso ao seu benefício.

Diante dos acontecimentos do fim de semana, a preocupação do banco naquele momento era transmitir segurança e tranquilidade aos beneficiários de que os pagamentos estavam assegurados, além de evitar quaisquer outros fatos que provocassem o surgimento de novos tumultos, principalmente em razão das consequências danosas dos boatos. A partir de segunda-feira (20), o pagamento foi normalizado em todos os estados.

A Caixa faz a gestão do programa Bolsa Família há dez anos. Em 2012, o banco realizou 156,1 milhões de pagamentos de benefícios do Programa, no valor de R$ 20,2 bilhões. No primeiro quadrimestre de 2013, foram pagos 52,2 milhões de benefícios, no valor de R$ 7,6 bilhões.

Em março deste ano, foi implantado o novo Cadastro de Informações Sociais, que conta com cerca de 200 milhões de número de inscrições, com o objetivo de aprimorar o sistema e controles.

Nesse processo, aproximadamente 700 mil beneficiários tiveram seu NIS (Número de Inscrição) unificado, fazendo com que aqueles que tivessem mais de um número de inscrição passassem a ter apenas um, valendo o NIS mais antigo.

Para garantir que esses beneficiários não estivessem impedidos de buscar os seus benefícios nas datas que usualmente tinham por referência, considerando o número que prevaleceu, foram adotas medidas operacionais de atendimento e acompanhamento dos saques.

As medidas adotadas visaram  assegurar o pagamento aos beneficiários por meio dos cartões que já possuem, garantindo a facilidade do acesso do benefício às famílias. O comportamento das famílias observado ao longo de dez anos de gestão do Programa é de busca do pagamento do benefício na data do calendário.

Assim, foi implementada a flexibilização, provisória e temporária, para o início do calendário da folha do mês de maio, tendo como determinante o comportamento histórico da procura pelo saque dos benefícios e, principalmente, a premissa de sempre e necessariamente assegurar o acesso ao Bolsa Família,  já que o Programa tem entre suas finalidades a transferência de renda para promoção do alívio imediato da pobreza.

Considerando que as condições de saque do programa são conhecidas pelos beneficiários, inclusive quanto à validade de 90 dias das parcelas mensais do Programa e que existe um comportamento habitual de procura mensal pelo benefício, no qual 20% a 30% das famílias não buscam o benefício na data prevista, não houve divulgação das medidas adotadas.

Tanto é assim, que não houve alteração da quantidade histórica de pagamento. Na sexta-feira (17), o volume de saques foi inclusive inferior ao mesmo período do mês anterior, com um total de 649 mil saques. Em abril de 2013, foram realizados 852 mil saques no primeiro dia do calendário. Portanto, os dados atestam a normalidade dos pagamentos realizados durante toda a sexta-feira (17) e também na manhã do sábado (18) em todos estados do país.

Somente em torno das 13h do sábado (18) é que se verifica o início da anormalidade de saques particularmente em alguns estados, quando também começaram a circular notícias sobre os boatos em relação ao Bolsa Família. Os demais estados mantiveram a normalidade dos pagamentos.

Os dados reforçam que não foi a flexibilização dos pagamentos que causou corrida às agências e canais de atendimento da CAIXA.

Para garantir o acesso aos benefícios e a integridade física das pessoas, o banco manteve o procedimento de disponibilizar os pagamentos durante o fim de semana, independente da data prevista no calendário de pagamentos.

O banco tem total interesse na apuração dos fatos e reafirma que aguarda as investigações da Polícia Federal em relação à origem dos boatos.

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